quinta-feira, 15 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74:

Sou: António Eduardo Jerónimo Ferreira

Natural e residente em Moleanos, aldeia do concelho de Alcobaça onde nasci a 15 de Maio de 1950. Assentei praça no GCTA (Trem Auto) em Lisboa.

Fui mobilizado no RAP 3 Figueira da Foz para a CART 3493/BART 3873, para a Guiné.

Embarquei no dia 24 de Janeiro de 1972, (fui de avião) e regressei com a minha Companhia a 2 de Abril de 1974.

A minha Especialidade era Condutor (o 1.º Cabo Jerónimo)

Locais por onde andei: Mansambo, breves dias de passagem em Fá Mandinga, Cobumba, e por último Bissau, no Combis.

A primeira coisa que fiz mal comecei a mexer no computador ainda que timidamente, (ainda hoje) foi escrever o que foi o meu tempo de Guiné tendo em vista deixar para memória futura. Por essa altura ainda não conhecia o vosso blogue. Tudo que me lembrei escrevi pelo que te envio esse trabalho de onde podes retirar alguns excertos se assim o entenderes. Não será muito o tempo que tens para ver todo o trabalho, verás se, e quando for possível.

Dentro de poucos dias enviarei as fotos para poder (com muito gosto) fazer parte do vosso grupo.


2. comentário de CV:

Caro camarada António Ferreira, para o Blogue, António Eduardo Ferreira, para não confundir com um marcador já existente, António Ferreira, um camarada que morreu em combate na emboscada de Quirafo de má memória, sê bem-vindo à Tabanca Grande.

O trabalho que nos enviaste está bem desenvolvido e irá ser publicado por capítulos. Era óptimo se pudesses enviar algumas fotos para ilustrar as diversas etapas e acontecimentos que relatas Se puderes, envia porque estamos sempre a tempo de as publicar.

Já que estamos a falar de fotografias, não te esqueças das à civil e militar para encimar os teus postes. Se não as tiveres em tipo passe, manda outras em qualquer formato com tamanho suficiente para eu editar.

O trabalho que temos em mão não invalida o envio de outras histórias de que te venhas a recordar. O nosso espólio é essencialmente composto por narrativas de experiências vividas na primeira pessoa e constituirá um manancial de informação para memória futura.

Antes de publicar a primeira parte do teu trabalho, envio-te em nome da tertúlia e dos editores o tradicional abraço de boas-vindas.

Carlos Vinhal

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O TEMPO QUE NINGUÉM QUERIA (1)

Mobilização e partida para a Guiné

Por António Eduardo Ferreira

Depois de doze meses de tropa na Metrópole, era chegada a minha vez de partir para a guerra, a juntar aos doze já passados foram mais vinte seis e alguns dias na Guiné.

Ao iniciar a descrição do meu tempo de Guiné, espero que a minha memória me ajude, pois passados cerca de 38 anos, é quase certo que algumas coisas tenham caído no esquecimento.

Dia 22 de Janeiro de 1972, pela madrugada fui levar a minha esposa ao hospital do Sitio da Nazaré, (ao tempo a maternidade que dava apoio às parturientes da nossa terra) onde poucas horas depois viria a nascer o nosso primeiro filho, o Paulo.

Ao fim da tarde fui à visita, mesmo sabendo não os voltar a ver nos tempos mais próximos… na hora da despedida disse apenas até amanhã! Embora soubesse que na manhã do dia seguinte haveria de tomar o autocarro até Lisboa a fim de embarcar para a Guiné.

E assim aconteceu, cheguei a Lisboa por volta das 14 horas. Apresentei-me no Depósito Geral de Adidos, onde me foi dito que a nossa partida estava prevista para as cinco horas da madrugada. Como não havia transportes rápidos, como acontece agora, nada mais me restava que não fosse passar esse tempo divagando pela cidade de Lisboa, tentando esquecer, esquecer tudo… creio que por momentos cheguei a esquecer-me que existia!

Fui até à rua Gama Barros, onde tinha umas pessoas de família, estive por lá até próximo da meia noite, como a viagem ia ser feita de avião foi-me pedido por um familiar, para levar dois frangos assados para o irmão que estava a prestar serviço no Hospital Militar de Bissau, estava muito frio, (à hora da partida estavam quatro graus em Lisboa), fiz o trajecto da rua Gama Barros até ao quartel na Calçada da Ajuda a pé, levando comigo apenas os frangos que me tinha comprometido a entregar quando chegasse a Bissau. 

Era meia-noite, mais ou menos a meio da avenida João XXI, estava uma porta aberta de onde saiu um cão «pastor alemão» investindo contra mim, não sei se ele teria vontade de me fazer mal, mas o medo que tive foi muito, quando chegava perto de mim eu parava, ele parava também mas não deixava de ladrar, eu começava a andar ele investia de novo, eu já não sabia que fazer, pensei… e a única maneira que via de me ver livre dele talvez fosse dar-lhe os frangos, mas será que a pessoa com quem me havia comprometido a levá-los ia acreditar nesta verdade que cheirava a mentira?... 

Era natural que deixasse dúvidas, mas à medida que me ia afastando da porta de onde o cão tinha saído, ele voltou para casa, para meu grande alívio e os frangos lá chegaram ao destino.

Cerca das cinco horas da manhã embarquei no avião (creio ter sido um DC6) que me levou até Bissau, tendo antes feito escala em Cabo Verde no então aeroporto dos Espargos na ilha do Sal, viajou no mesmo avião uma enfermeira pára-quedista que eu desconhecia existirem, ignorância minha.

Foi para mim o primeiro grande choque de temperaturas, em Lisboa estavam quatro graus, ao chegar a Cabo Verde estavam trinta, o primeiro aviso que a partir dali tudo ia ser diferente, passado uma hora voltamos a voar até Bissau, onde à tardinha aterramos no aeroporto de Bissalanca.

Ao desembarcar foi para mim a confusão total, uma temperatura elevadíssima para quem horas antes partira de um sítio muito frio, ver os nativos das mais variadas etnias trajando de forma impensável para mim, carregados de amuletos, brincos nas orelhas, arames no nariz, nos braços, outros com a cara pintada… coisa por mim nunca antes vista, e a que eu e alguns menos esclarecidos, atribuíamos a povos primitivos (que dizer agora da nossa juventude!?). Quando saímos do aeroporto estavam à nossa espera viaturas militares que nos levaram para o Depósito Geral de Adidos em Brá, onde eu viria a estar cerca de um mês.

Depois de me ter apresentado no quartel, fui levar os frangos que horas antes tivera na iminência de dar ao cão, a cada minuto que passava, a confusão na minha mente era ainda maior… para além da temperatura, os muitos negros que eu não estava habituado a ver, todo aquele movimento militar que eu também não fazia ideia que fosse assim. Viaturas carregadas de homens com o respectivo material de guerra, entrando e saindo da cidade, os helicópteros subindo e descendo junto ao Hospital Militar, soldados por todo lado, uns, prestando serviço em Bissau, outros que vinham de férias para a cidade, outros ainda para a metrópole, e alguns que se encontravam à espera de embarque para regressar ao mato. E os que tinham a comissão cumprida, e esperavam o dia mais desejado… o do regresso à Metrópole.

Durante cerca de um mês estive neste ambiente sem ter qualquer noticia da terra, com a agravante de não saber nada da minha mulher e do meu filho, que tinham ficado na maternidade e eu apenas tinha visto durante alguns minutos. Depois chegou o dia de partir para o mato onde me fui juntar à minha Companhia, que tinha seguido alguns dias antes por via marítima tendo ido tirar a I.A.O (instrução de adaptação operacional) nos subúrbios de Bissau.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9603: Tabanca Grande (324): Alberto Sardinha, ex-Desempanador Auto da CCS/BCAÇ 1877 (Teixeira Pinto e Bafatá, 1966/67)

2 comentários:

Manuel Aldeias disse...

Parabens pla excelente descrição e narrativa.
Nesse mesmo ano de 1972 chegava eu a Angola como soldado de TRMS.
Manuel Aldeias

Hélder Valério disse...

Caro camarada A. E. Ferreira

Fizeste bem em te decidires a aparecer por aqui e a partilhares as tuas histórias e memórias.

Tens então um filho 'nazareno'... já faz bastante tempo que não passo lá as férias mas a Nazaré é um local de que gosto bastante.
Sabemos, pela tua narrativa, que te despediste da mulher e do filho recém-nascido para seguires para a Guiné sem que lhes tivesses dito isso. Acompanhamos a tua aventura com os frangos e o cão e como levaste a tua demanda em frente.
Sabemos que vai continuar e vou acompanhar para tentar ver como é que um 'turista acidental' acabado de cair na Guiné vai 'entrar' naquele turbilhão.
Para começar, a descrição das tuas reacções e apreciações são interessantes.
Para terminar, pergunto-te se te lembras como reagiram os familiares quando te souberam 'longe'?

Abraço
Hélder S.