1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Fevereiro de 2012:
Queridos amigos,
Aqui vos deixo notícia dos últimos números do Boletim Geral do Ultramar, ao que parece desapareceu sem deixar herdeiro. A publicação congénere que se veio a impor foi a revista “Ultramar” que se apresentava como “Revista da comunidade portuguesa e da actualidade ultramarina internacional”, editada pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, com mais conteúdo ideológico e sem aquela carga propagandística do Boletim, sempre pronto para reproduzir na integra os discursos oficiosos dos mais altos magistrados da Nação, prolífico na informação e sempre cuidadoso para não falar das atividades militares, já que não havia guerra, somente ações de policiamento.
Um abraço do
Mário
A guerra da Guiné no Boletim Geral do Ultramar (4)
Beja Santos
O Boletim Geral do Ultramar desapareceu da circulação em 1970. Nesse ano teve dois números, o primeiro correspondente praticamente ao semestre e o segundo apresentado como número especial e inteiramente dedicado à visita de Américo Thomaz a S. Tomé e Príncipe, que interrompeu por motivo do falecimento de Salazar. Temos, pois, para análise conteúdos referentes a 1968, 1969 e 1970.
No número de Maio de 1968 aparece no Boletim um artigo intitulado “Circuitos económicos exteriores do Ultramar, Guiné”, assinado por António F. Mendes Jorge. Há a reter, quando se compulsam as estatísticas das exportações entre 1961 e 1965 que neste período as exportações de amendoim, couros e peles caíram cerca de 50 %, duplicaram as exportações de bagaços e oleaginosas e as madeiras caíram para 21 % em 1965 comparativamente a 1961. No mesmo número do Boletim veio o discurso do ministro do Ultramar na posse do Brigadeiro Spínola, prosa breve e inócua. No número de julho/agosto continua a publicação do trabalho sobre os circuitos económicos exteriores do Ultramar. Ficamos a saber que a metrópole é o grande abastecedor do mercado guineense, contribui com 70 % dos totais importados pela província; houve grande subida das importações, passando de 292 mil contos, em 1961, para 570 mil em 1965, para o que contribuíram nomeadamente a insuficiência da produção local em arroz, registou-se um maior consumo de artigos de vestuário, óleos comestíveis e diversos bens alimentares. O saldo negativo da balança comercial teve um agravamento impressionante nesse período, mais do que quadruplicou.
No número de Agosto dá-se a saber que foi empossado o novo secretário-geral da Província, Tenente-Coronel Pedro Cardoso. O ministro do Ultramar recebeu os cabos da polícia administrativa de Bissorã Marcelino Malam Sanhá e Ansumane Biai, distinguidos com prémio Governador da Guiné. Ainda nesse mês recebeu o alferes de segunda linha Samba Canté, regedor (!) de Bedanda e o chefe de tabanca de Sinonte, em S. Domingos, também galardoados com o prémio Governador da Guiné.
Chegámos a 1969. Em 20 de Março, foi confirmado oficialmente em Lisboa que o Presidente do Conselho visitará a Guiné, Angola e Moçambique na segunda quinzena de abril. Marcello Caetano chega à Guiné em 14 de Abril. Na sessão do Conselho Legislativo, Caetano toma a palavra: “Data de 1935 o meu primeiro contato com a Guiné. E ficou-me dessa rápida visita uma imperecível recordação de beleza e da dignidade da gente (…) Nos primeiros tempos da minha gerência do Ministério do Ultramar pude ter o prazer de criar, em 1945, a Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono, mais tarde transformada na utilíssima Missão de Combate às Endemias”. E dirá mais adiante: “As penas, as privações, os sofrimentos, os ferimentos e as mortes dos soldados portugueses não podem ser em vão. A terra adubada pelo sangue há de florescer. Da nossa vontade, da vontade de nós todos, portugueses de todas as etnias para quem a Guiné constitui parcela da Pátria, depende que o milagre se produza”.
No número de maio desse ano, fica-se a saber que Spínola veio em missão de serviço e regressou a Bissau em 30 de Maio e declarou: “Limitar-me-ei a reafirmar que continuo perfeitamente na linha de ação claramente definida pelo Sr. Presidente do Conselho e a informar que se encontram em curso medidas que permitiram acelerar a reconquista da paz e a ordem nas províncias”.
Estamos agora no derradeiro ano de publicação do Boletim. O ministro do Ultramar, Silva Cunha, efetuou uma visita de trabalho à Guiné entre 10 e 19 de Março. Assinou diplomas legislativos ministeriais, como são exemplo: elevação de Bula a concelho; atribuição de escudo de armas ao município da nova cidade de Bafatá. Ficamos a saber, ao longo da reportagem, que o ministro viajou sem parança. Depois das visitas da praxe em Bissau, embarcou para Bafatá, onde, de acordo com o repórter, foi recebido em delírio. Daqui tomou lugar num helicóptero que o levou a Sare Bacar e Cambaju. No dia seguinte, também de avião, seguia para Nova Lamego. À tarde, acompanhado de Spínola, percorreu de helicóptero e de automóvel, o interior do concelho do Gabu, tendo estado em Beli e Madina do Boé (recorde-se ao leitor menos atento que Madina do Boé fora abandonada em fevereiro de 1969 e Beli muito antes). No dia seguinte, visitou Guilege, Gadamael e Cacine, as ilhas de Melo e do Como, Cabedu e Catió. Aliás, no final da sua viagem dirá num agradecimento a uma manifestação popular: “Corri a Guiné desde Bissau ao Boé, desde a fronteira do Senegal até ao Sul, até às ilha de Melo e do Como. Por toda a parte encontrei a mesma fidelidade à Pátria”. À chegada a Lisboa, em 19 de Março, enfatiza na sua declaração esse mesmo aspeto: “Merece especial relevo o facto de me ter sido possível fazer longas deslocações por estrada, sem escolta militar, e de ter visitado todas as regiões da Província e as localidades mais afastadas, nas fronteiras com o Senegal e República da Guiné, demonstrando assim a falsidade da propaganda do adversário que pretende fazer crer que domina todo o território”.
Em 24 de setembro de 1970, Spínola antes de regressar à Guiné é entrevistado pela RTP e esclarece: “Caminhamos para a vitória final”.
E assim morreu a publicação da Agência-Geral do Ultramar. Importa registar que a temática ultramarina não ficou órfã, ao nível editorial. Existira nos anos 50 a Revista do Gabinete de Estudos Ultramarinos, que veio dar lugar à “Ultramar”, editada pelo Comissariado da Mocidade Portuguesa e que terá características culturais mais acentuadas comparativamente ao noticioso e propagandístico Boletim Geral do Ultramar.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9643: Notas de leitura (344): A descolonização da África Portuguesa, por Norrie MacQueen (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Camaradas,
Da leitura, parace fácil inferir-se que a Agência Geral do Ultramar exagerava de optimismo. Tal como Silva Cunha e Spínola.
Este, talvez, ainda iludido sobre as suas capacidades e a solidariedade do Estado, a acreditar numa vitória que o projectaria para o mais alto cargo que ambicionava.
Ao ministro, enfim, competia-lhe a manipulação da informação, como forma de colmatar o que não se conseguia de facto.
Aliás, acredito que durante muito tempo, e em várias instâncias, se minimizou, não só o IN, como, também, a evolução de conceitos e apoios internacionais sobre o anti-colonialismo.
Ora, esse atavismo, em 1070, que vinha na linha de ideias e acção de Salazar, e da incapaz entourage salazarista que remanescia através da UN, pode ter contribuído decisivamente para os resultados conhecidos.
JD
JD, não achas que esta publicação ao desaparecer em 1970, sobreviveu por inércia a partir de 1968?
Ao fim destes 30 e tal anos, custa a compreender como foi possível tudo continuar após a cadeira de Salazar "perder-o-pé".
Se se diz que Salazar viveu muito tempo medicado na cama julgando-se ainda a governar, será que Caetano e os militares não estariam tambem "medicados" para não verem que o homem tinha mesmo acabado?
É de pensar se os portugueses não somos todos uns mentirosos, ou fantasistas, que nos andamos todos a enganar permanentemente, como aconteceu de 1968 até ao 25 de Abril.
Antº Rosinha
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