Caro Vinhal
Aí vai mais uma história das “Memórias boas da minha guerra”.
Mais uma vez, pretendo registar momentos interessantes e divertidos que me acompanharam naquele tempo de combatente.
Peço-vos que compreendam o tipo de linguagem utilizado, uma vez que ela reflecte a autenticidade dos seus intervenientes. Todavia, conto com a vossa colaboração para a correcção dos respectivos exageros.
Com os meus agradecimentos e
Um grande abraço
Do Silva da Cart 1689
Memórias boas da minha guerra (29)
O Floriano “Florita” e o tio que pescava…
O Floriano foi um bébé fora do normal. Ainda criança de colo, usava e abusava da alimentação maternal e de todos os peitos a que pudesse deitar as mãozitas. Logo que começou a andar, agarrava-se às pernas das mulheres e, cheio de curiosidade, punha-se a espreitar lá para cima. Teve que ser forçado a deixar de mamar, mesmo que compensado por um excessivo carinho do colo, que pedia a todas as mulheres. E como tinha os genitais muito desenvolvidos para a idade, era constante motivo de brincadeiras por parte das raparigas.
Antes de ir para a Escola já tinha decidido sobre o seu futuro profissional: queria ser médico, para poder manusear as configurações femininas. (É claro que, com a idade, não conhecia a deontologia profissional…).
Na Escola Primária teve a sorte de ter uma linda professora, de Aveiro, que era bastante meiga e muito tolerante. Apaixonou-se por ela. Fazia tudo e mais alguma coisa para lhe agradar e, ao mesmo tempo, não desperdiçava uma oportunidade para tentar espreitar-lhe as pernas ou outras partes…
Quando o pai faleceu (ele era o mais novo dos 6 irmãos - 4 raparigas e 2 rapazes) não teria mais que 8 anos. Então, ele passava o tempo livre pela casa do tio Zeca, de quem recebia muita atenção.
O Zeca da Macieira era um homem invulgar para a época. Vivia só, numa enorme casa, onde recebia muitas pessoas que lhe solicitavam serviços de apoio tipo médico, uma vez que tinha sido enfermeiro. Teria 1,75 de altura, olhos claros e o cabelo liso, quase loiro. Tinha ainda boa figura. Nunca quis casar nem perdia muito tempo com namoros. Pouco falador, apaixonado pela pesca e pela cozinha. Preparava excelentes petiscos.
O Zeca atraía as mulheres. - Não lhe falta “feno”. - dizia o sobrinho Florita, pois que cedo as espreitou lá por casa. Porém, lá na terra, só foi pai de uma linda miúda, cuja mãe era de família muito distinta. Dizia-se que, pelas margens dos rios por onde pescava, deixou mais 8 filhos de 7 mulheres diferentes. Apesar disso, há que reconhecer que o Zeca se norteava por um certo comportamento social.
O Florita cresceu, continuou magricela e pouco desenvolvido. Teve que ir trabalhar para a cortiça no Grupo Amorim. Foi aí que o baptizaram de “Gaiolas”. Trabalhava sentado numa das bancas feitas de madeira, onde se cortava manualmente a cortiça aos quadradinhos. Essas bancas eram abastecidas por mulheres que despejavam gigas de traços.
Pum, pum, pum - ouvia-se um bater na madeira - e logo uma das mulheres se dirigia para a banca da sua zona de apoio.
Quem servia na zona do Florita era a Mamuda de Canedo, uma rapariga de peitos avantajados que, ao despejar a giga na banca, lhe roçava na cara, que ele não desviava, com uma das mamas. Por isso, o Florita, amiudadas vezes, excitado, batia com o pénis debaixo da banca, de forma bem sonora – pum, pum, pum - para que a Mamuda lhe trouxesse mais cortiça, para trabalhar. De seguida lá ia ele para o WC aliviar-se.
Fumava muito e, sempre que podia, desenfiava-se do trabalho e ia para às prostitutas. Assim e porque tinha que ajudar a família, tinha grandes dificuldades em gerir as despesas. Aproveitava as boleias para o Porto e para Espinho, sempre que podia. Porém, já no Porto, deixava os colegas, à espera, no Café Derby, em Cimo de Vila, enquanto ia arranjar dinheiro prestando serviços aos homossexuais da Sé.
Porto > Zona da Sé
Foto: http://conhecerportugal.com/rotas/rota-catedrais-norte, com a devida vénia
Passava o tempo todo a falar de “fuzaico”, o que, para ele, queria dizer tesão ou f_ _ _r. E, obcecado como andava sempre pelo “fuzaico”, não demorou muito a desflorar uma jovem de 16 anos, com quem viria a casar.
Por essa altura, (1963/64), houve substituição na chefia da Repartição de Finanças. O novo Chefe foi muito bem recebido lá terra, não só porque era um homem de trato agradável, mas também, e acima de tudo (penso eu), porque se fazia acompanhar por uma mulher divinal. Teria ele 43 anos e ela uns 23 ou 24. Eram pais de um menino de 6 anos. O marido, que era uma excelente pessoa, engravidara-a e cumpriu a sua obrigação, segundo os usos e costumes daqueles tempos e da sua terra minhota.
Não havia mulher mais bela, mais charmosa e mais sexy para os olhares da malta dos anos 60. E ela, com consciência dos seus atributos, aproveitava todos os momentos para se exibir e provocar o grupinho dos jovens mais apetecíveis da terra. De roupas escassas, leves e insinuantes, fazia-os olhar, de boca aberta, sempre que aparecia na esplanada do Café Central. Ao mesmo tempo provocava os olhares aterradores às moças do grupo, no qual se destacava a figura atraente do jovem Nelito (Dr. Nelito) que, com apenas 26 anos, já se evidenciava no mundo empresarial. O seu excelente aspecto físico, os carros e as roupas (modernas e caras), fazia-o ser o homem desejado por todas as mulheres. Perante este quadro, tudo levava a crer que a boazona iria cair nas suas malhas. Poucos dias depois da chegada, já o Nelito passava grande parte do seu tempo livre a conversar com o casal, especialmente com... o marido.
Também não levou muito tempo para que a fama do Zeca “a dar injecções”, chegasse ao conhecimento da dita sereia. E, quando menos se esperava, lá surgiu o boato: a “toura” do Chefe foi ao Zeca, para que lhe desse umas injecções. Porém, contrariando todas as aparências, nada aconteceu. Quem o confirmou foi o Florita que ainda não perdera o hábito de ir espreitar o tio. E foi dele que ouviu a frase fatal:
- Lamento muito, minha senhora. Não dou injecções a mulheres casadas.
Bronca na terra, vergonha para o conquistador Dr. Nelito e admiração pelo Zeca que nunca quis contribuir para desfazer lares.
Guiné > Praça do Império
Foto: http://ultramar.terraweb.biz/CTIG/Imagens_CTIG_JoseSobra_ImagensGuine.htm, com a devida vénia
No Natal de 1968, estando eu de Sargento de Ronda, acabava de chegar da baixa de Bissau. À entrada do Quartel General ouvi, do lado direito, na cadeia, alguém aos gritos:
- Filhos de uma grande p_ _a, tirai-me daqui, seus cabrões. Cambada de paneleiros…
Pela voz, constatei: - Parece o meu vizinho Florita.
Fui junto do Oficial Dia, disse-lhe que o rapaz era meu vizinho e que gostaria de falar com ele. O Oficial que já estava cheio de o ouvir berrar, aconselhou-me a visitá-lo de manhã, porque ainda estava muito bêbado. Assim aconteceu.
- Então, Florita, como vai a vida? – perguntei.
- Ando fodidinho. Saí do Guileje para ir ter com a tua Companhia, que nos foi ajudar em Gandembel e não te encontrei. Vim para baixo, com estilhaços e inchado das abelhas e para aproveitar ser tratado aos pulmões. Continuo na mesma e estes filhos da p_ _a só me enterram cada vez mais.
- Mas, porque estás na cadeia?
- Quando cheguei lá ao “600”, onde faço serviços, com uns copitos a mais, f_ _eram-me. Tinha tido numa jantarada com o meu primo Lito para esquecer o meu velhote que morreu pelo Natal, abusei e acabei a insultar os chicos. Estive quase à “batatada” com um Furriel. Agarraram-me e mandaram-me para aqui. Safei-me de Gandembel mas aqui também não estou bem.
E, voltou ele:
- Arranja-me aí um cigarrito porque estou desesperado e sem tostão.
- Então, como é que te safas?
- Ando a “comer” um Sargentola, já entradote, que me vai dando algum.
- Como???!!!
- Lá em baixo, junto à Casa Gouveia, no Café Bento, meteu-se comigo e...
- Tafoda morcom, continuas na mesma merda e nunca mais endireitas. – foi a minha conclusão.
Porto > Cinema Batalha
Foto: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Porto_Cinema_Batalha.JPG, com a devida vénia
Uns oito anos mais tarde (1975), em frente ao Teatro S. João, quando vinha do Governo Civil do Porto, vejo o Florita a sair do Cinema Batalha e perguntei:
- Não me digas que vens de ver um filme pornográfico?
- Bruxo. É só fuzaico! - respondeu ele.
E continuou:
- Tens de me arranjar um dos teus calendários de gajas nuas. Preciso de substituir o que está por cima da minha cama.
Perguntei:
- E a tua mulher, deixa-te lá por isso?
- Claro, se ela quer pôr lá o Cristo, eu também tenho direito a pendurar uma gaja boa!
Silva da Cart 1689
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9331: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): A guerra em Dunane
4 comentários:
Mais uma história "nua e crua" do nosso querido e talentoso Ferreira da Silva ?!...
Sem dúvida, mas não somos "meninos de coro", nem "virgens púdicas"... O "pícaro", o picaresco, faz parte da(s) nossa(s) vida(s)... Tal como este "cromo" do Florita... faz parte do "zoo humano" deste nosso querido país...
Não fazemos juízos de valor sobre o comportamento dos nossos camaradas, antes, durante e depois da guerra... É uma das nossas regras. O único limite é o do "bom senso e bom gosto"...
Enfim, é uma história com "moral"... Faz-nos sorrir e pensar, a mim pelo menos fez-me sorrir e pensar...
Obrigado, Silva...Quando é lanças o livrinho cá para fora ?
LG
Obrigado Luís
Para além dos elogios (exagerados, claro), agradeço também a vossa compreensão, relativamente aos chamados "excessos de linguagem". Ainda bem.
Para ultimar o livro, faltam-me duas histórias (para as 50). Aguardo a oportunidade mental para as escrever.
Um grande abraço para toda a malta do Blogue
Obrigado Luís
Para além dos elogios (exagerados, claro), agradeço também a vossa compreensão, relativamente aos chamados "excessos de linguagem". Ainda bem.
Para ultimar o livro, faltam-me duas histórias (para as 50). Aguardo a oportunidade mental para as escrever.
Um grande abraço para toda a malta do Blogue
Também gostei do escrito, pleno de pilhéria, e com a triunfante e inopinada moral do casamento de Deus com o Diabo.
Convivência também é isso. E eu sorri... e ri.
Parabéns, e um abraço ao Silva.
JD
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