Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 24 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10189: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (14): Dos planos de evacuação do território aos graves acontecimentos de Bissorã, em junho de 1974 (Paulo Reis, jornalista, freelancer / Luís Gonçalves Vaz)
A. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Luís Vaz [, foto à direita]:
Data: 28 de Junho de 2012 23:19
Assunto: Sobre os "Planos de Evacuação da Guiné" (Abril/Outubro de 1974)
Caros camarigos.
Para vosso conhecimento:
In: http://guineidade.blogs.sapo.pt/8234.html;
Luís Vaz
B. Reprodução, com a devida vénia, do poste publicado no blogue do nosso camigo e grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, Guineidade (que, embora disponível na Web, já não é atualizado desde setembro de 2006):
Quarta-feira, 7 de Junho de 2006 > Ainda sobre a descolonização da Guiné-Bissau: uma esclarecedora carta de Paulo Reis
Caro professor Leopoldo Amado:
Li a sua exposição com muito interesse. E aproveito para salientar alguns aspectos curiosos.
1 - Os acordos de Argel são assinados em 26 de Agosto de 1974, certo? Ora nos documentos que encontrei no AHM [, Arquivo Histórico-Militar,] há referências concretas a um 'Planeamento de redução de efectivos' já em curso em Julho de 1974, que incluiu a desocupação das localidades de Pirada, Bajocunda, Piche e Paunca;
2 - O documento mais completo que encontrei, até agora, é também anterior a 26 de Agosto e nele se utiliza a expressão 'Plano de Evacuação'(4AGO74);
Portanto, a ideia que tenho, neste momento, e baseado nos dados que coligi é a de que o processo de retracção do dispositivo militar português se iniciou e processou, numa primeira fase, completamente à revelia das negociações/instruções resultantes dos encontros de Lisboa, entre o Governo Português e o PAIGC.
Pelos dados que me adianta – nomeadamente os encontros de Cantanhez – julgo que isso terá servido para enquadrar o tal plano de evacuação. Ou seja, tanto a iniciativa política como militar, da parte portuguesa, parece não ter existido e ter andado a reboque das exigências do PAIGC.
Encontrei documentação da 2ª Rep interessante, onde se fala dos problemas de disciplina das unidades do exército português e das dificuldades em fazer a simples rotação de efectivos, já prevista há muito tempo. A partir de certo momento, a própria cadeia de comando estaria em risco, uma vez que os soldados portugueses só queriam ir para Bissau e embarcar para a Metrópole.
A ponto de em Junho de 1974, tropas do PAIGC terem entrado em Bissorã, a propósito de confraternizar. Depois de algumas cervejas, com os soldados portugueses, espalharam-se pela vila e capturaram o Cabá Santiago, um chefe de milícia muito conhecido, desertor do PAIGC, o Bajeba e o Sitafa Camará (ou Quebá), ambos chefes de milícia. Levaram-nos e fuzilaram-nos sem que as forças portuguesas reagissem, de acordo com o testemunho de habitantes locais e soldados portugueses.
Como lhe disse, ainda estou a 'arranhar' a documentação do AHM e pretendo ir mais longe – porque tenho a certeza que haverá outros arquivos (no própria Estado Maior do Exército e talvez na CECA) (*) de documentação do QG do CTIG. Não é possível que a documentação do Quartel General do Comando Independente da Guiné Bissau se resuma à que está nos arquivos do AHM.
Resumindo: é óbvio que a retirada militar foi feita como o PAIGC quis – ou melhor 'sugeriu' – em Cantanhez, que essa retirada já estava em curso em Julho de 74 e que o Governo português se limitou a dar o seu sim a uma situação que já existia, de facto. E que já não tinha capacidade militar para alterar, o que era do conhecimento de ambos os lados.
Por outro lado, já na altura no poder em Portugal se dividia, com Mário Soares e Almeida Santos a serem ultrapassados pelas estruturas do MFA, com Spínola em confronto directo com os sectores mais radicais e Fabião e Spínola em rota de colisão. Enfim...
Procurarei fazer uma listagem mais detalhada e descritiva da documentação com que me tenho cruzado. Uma vez que tenciono pedir cópias de muita dessa documentação, poderemos combinar um encontro, mais tarde, e terei todo o prazer em fornecer-lhe cópias daquilo que for útil.
Para já, na segunda-feira irei pedir cópias do tal 'Plano de Evacuação' e da listagem intitulada 'Desocupação de localidades' . São os documentos mais explícitos que encontrei, reveladores de um plano de retracção das forças militares portuguesas, mas que não fazem uma única referência ao PAIGC, aos encontros de Cantanhez, ou a qualquer outro aspecto político. Se estiver interessado em ter cópia desta documentação, para já, diga-me. Não sei quanto tempo eles demoram a fazê-lo, no AHM, mas logo que os tiver basta combinarmos e entregar-lhe-ei uma cópia.
Agradeço-lhe a gentileza sobre os contactos do lado do PAIGC. O único que consegui até agora, foi o do comandante Lúcio Soares, de que tenho o nº de telefone na Guiné. Mas nesta primeira fase, a hipótese de uma deslocação minha à Guiné ainda é apenas uma hipótese. Este trabalho de investigação está a ser feito à minha custa, sem qualquer financiamento. Só depois de concluída a fase da recolha de depoimentos e documentação disponíveis em Portugal é que me poderei abalançar a tentar obter financiamentos para uma deslocação à Guiné-Bissau, a fim de fechar o círculo desta História.
Com os meus melhores cumprimentos,
Paulo Reis
(Jornalista/investigador português)
2. Comentário de L.G.:
O autor da mensagem, dirigida ao Leopoldo Amada, era (é) membro da nossa Tabanca Grande desde meados de 2006. Aliás, ele continua a receber a correspondência (interna) da Tabanca Grande, embora não nos dê quaisquer notícias. Em junho de 2006, o Paulo Reis quando nos contactou andava a fazer um trabalho de investigação sobre os comandos africanos. O que levou, naturalmente, ao Arquivo Histórico-Militar. Nessa altura colaborou no nosso blogue com um texto sobre a retração das nossas tropas, a seguir ao 25 de abril de 1974.
Desse texto só se publicou uma primeira parte (**). Possivelmente, por alteração do respetivo endereço de email, perdemos o seu contacto. Não sei se ele chegou a terminar o seu trabalho sobre os comandos africanos. Possivelmente não, por falta de financiamento. Encontrei o seu rasto na rede LinkedIn, com morada em Macau [.vd.. foto acima].
Tem um "site" em inglês, com o título Madeleine McCann Disappearence. Gostavamos que ele nos voltasse a contactar, até para saber do seu prometido livro sobre os comandos africanos. Também gostaríamos de saber pormenores sobre os graves acontecimentos ocorridos em Bissorã, em junho de 1974, em que elementos do PAIGC, iludindo a boa fé dos militares portugueses, terão raptado e depois fuzilado chefes das milícias locais. Tem um novo endereço de email.
__________________
Notas do editor:
(*) CECA = Comissão para o Estudo das Campanhas de África. Direcção de História e Cultura Militar. Repartição de Documentação e Bibliotecas. Estado Maior do Exército.
(**) 9 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P858: Plano de Evacuação da Guiné (Abril/Outubro de 1974) - I Parte (Paulo Reis)
Texto do Paulo Reis, jornalista freelancer que está a fazer um trabalho de investigação sobre os comandos africanos, e membro da nossa tertúlia:
Caros tertulianos:
Tenho andado a analisar documentação diversa sobre a guerra da Guiné, no Arquivo Histórico Militar. Enconteri alguma informação que poderá ser do interesse de muitos de vocês, embora não esteja relacionada directamente com o tema que estou a investigar - os Comandos Africanos. Enviei este conjunto de info's ao Luís Graça, caso ele considere de interesse, a sua publicação no blogue. Aproveito para vos enviar o mesmo texto, pode ser que tenha também algum interesse para vocês. Com os meus melhores cumprimentos. Paulo Reis, jornalista. Telemóvel > 918627929
Plano de Evacuação da Guiné (Abril/Outubro de 1974) - I
O material disponível, no Arquivo Histórico Militar, é escasso e a sua classificação ainda não está completa. No entanto, consegui encontrar algumas informações sobre a maneira como se processou a retirada das tropas portuguesas e o desmantelamento nas unidades de recrutamento local, nos arquivos do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné). A documentação é, como disse, escassa e dispersa, com muitas lacunas. Assim, num despacho (nº5054/B/74) de 4AGO74, assinado pelo Comdt Militar e Adjunto-Operacional, Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, escreve-se:
“Por determinação do Brig. Comdt. Chefe:
"a. Serão extintos todos os Pel Caç Nat [Pelotões de Caçadores Nativos] com excepção daqueles que por serem as únicas forças que guarneçam uma determinada localidade não seja aconselhável extinguir.
"b. As praças da PU (#) dos Pel extintos reverterão para a CCAC da PU mais próxima.
"c. Os graduados e as praças europeias dos Pel Caç Nat extintos serão aproveitados para recompletamentos".
Uma circular (nº 2012/C) da 3ª Repartição do QG, datada de 5AGO74 e assinada pelo Chefe de Estado Maior Interino, António Hermínio de Sousa Monteny (Ten Cor do CEM), remete para ordens do Brig Comdt Chefe, segundo as quais deveriam ser “desde já desactivados os seguintes Pel Art [Pelotões de Artilharia], sendo a situação do pessoal e do material definidos por determinação administrativo-logística a emanar pelas repartições competentes”.
A lista dos Pel Art a desactivar é a seguinte:
1º Pel Art - Cacine
5º Pel Art - Bissau
15º Pel Art - Bissau
25º Pel Art - S. Domingos
28º Pel Art - Piche
31º Pel Art - Bajocunda
33º Pel Art - Ingoré
Pel Art Ev - Binta
Em documentos dispersos, sem sequência, encontrei algumas referências a CCAÇ [Companhias de Caçadores] a desmantelar ou desmanteladas. Assim, num documento intitulado “Planeamento de redução de efectivos – alteração nº 1 (23 Julho de 74 – assinado pelo chefe da 3ª Rep, Mário Martins Pinto de Almeida, Tem Cor CEM, doc. Nº 558/INF/C) refere-se a “desocupação das localidades de Pirada, Bajocunda, Piche e Paunca (?). A CCAÇ 11 será desactivada em virtude da passagem à disponibilidade de grande parte dos efectivos”.
O documento mais completo data de 20 de Agosto (de recordar que o Acordo de Argel foi assinado a 26 de Agosto de 1974) e consiste numa acta de reunião das chefias militares e do Brig Comdt Chefe, onde é definido o "Plano de Evacuação". O oficial relator é identificado apenas como Fernando José Pinto Simões. A reunião terá sido realizada alguns dias antes, no dia 15 de Agosto. A data de 20 de Agosto é a data de registo de saída do documento, com carimbo da Repartição de Operações.
No texto refere-se, entre outras coisas, que “todas as tropas africanas têm que estar pagas até 31AGO, incluindo as que estão em Bissau”. Esse pagamento, como se refere mais adiante abrange os meses até 31DEZ74.
Outra nota diz respeito às CCAÇ Africanas: “O pessoal europeu pertencente às CACÇ Africanas vai para o Depósito de Adidos até à liquidação das contas”. Nessa mesma reunião é nomeada uma Comissão de Transportes, para coordenar a retirada e transporte para Portugal, presidida pelo Cor Tir CEM Santos Pinto.
Noutro documento, sem data, que surge aparentemente anexo a este “Plano de Evacuação” são listadas um total de 77 unidades. O extenso documento inclui várias páginas com uma grelha onde estão listadas, da esquerda para a direita o nome da unidade, o trajecto (localidade onde está, percurso e destino, Bissau), e outros pormenores, como data de saída da localidade, chegada a Bissau, aquartelamento, partida para Lisboa, etc. etc. Este segundo documento tem, no final, o nome do Comdt Militar, Brigadeiro Galvão de Figueiredo, mas não está assinado por este. Está, sim, autenticado pelo Chefe de Estado Maior Henrique M. Gonçalves Vaz, Ten Cor CEM.
Paulo Reis, Jornalista (Cart Prof nº 734),
Telemóvel > 918 62 79 29
Nota de P.R.:
(#) Ignoro o que PU, neste contexto, possa significar. Elementos do AHM adiantaram-me duas hipóteses: Polícia de Unidade (pouco provável, dizem) ou Província Ultramarina (mais provável...)
(***) Útimo poste da série > maio de 2012 > 13 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (10): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)
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3 comentários:
Caro Luis Graça
PU= Pequena Unidade, normalmente abaixo de Pelotão, Secção, Equipa.
CCoutinho
Caro Luis Graça
Lamento talvez não tenha sido explicito.
Unidade básica orgânica na Guerra do Ultramar, era o Batalhão.
Por exemplo um Agrupamento era de escalão Regimento.
As Sub-Unidades dum Batalhão eram obviamente as Companhias, dendo que as PU eram os Pelotões ou as Secções que eventualmente guarneciam certas localidades.
Há umas listas de siglas aprovadas pelo Exercito, creio que a partir dos anos 50, ter-lhe-ao sido acrescentadas mais, mas não houve alterações nos significados.
Não me admira absolutamente nada que no AHM,não percebem puto disto.
Se fosso só isto.
CC
Camarada Luís Gonçalves Vaz
Eu estive em Bissorã desde finais de Novembro de1972 até inicios de julho de 1974.Em Bissorã estava na ccaç13 e foi o meu grupo de combate que teve o primeiro contacto com o PAIGC nos inicios de Maio de 1974 no ponto de encontro entre Bissorã e Olossato,durante uma picagem de protecção a uma coluna de reabastecimento.
LOgo nessa altura houve grande euforia entre as nossas tropas e o PAIGC e só posteriormente vieram ao nosso encontro na referida estrada uma "caturba " de civis (comerciantes)e traziam como companhia alguns dos altos comandantes do nosso batalhão.Honestamente chegou a sêr caricato as conversas entre esses Comandos e os guerrilheiros (mas isso são contas de outro rosário )
Esta conversa toda que tenho aqui é para dizer que a partir desse dia os guerrilheiros do PAIGC tanto em grupos como individualmente passaram a entrar e sair completamente á vontade em Bissorã. Ás vezes era caricato que os nossos grupos de combate continuaram a sair em patrulhamento e quase sempre nos encontrava-mos com guerrilheiros que iam visitar os seus familiares a Bissorã. Bom o que é serto é que em junho não houve nenhuma invasão do PAIGC para capturarem o Cábá e se o fizeram teve de ser com auxilio dos nossos comandos e em segredo,caso contrario e pelo que ouvi mais tarde e já em Bissau vários desses "tropas" (ponho aspas porque o Cábá Santiago era totalmente autónomo e só saía em operações próprias e quase sempre na certeza de apanhar homens ou armamento,pois que ele Cábá era um antigo combatente do PAIGC e desertou para as nossas tropas,mas não obedecia a ninguem das tropas portuguesas).Essa situação já era esperada pois que sempre que eramos atacados ficava sempre recados para o Cábá.
Nota: Os nossos soldados da CCAÇ13 não foram maltratados e actualmente um dos meus antigos soldados (de nome Branquinho)até é chefe de tabanca penso eu que em INHAMAT.
Por tudo isso acho estranho que seja verdade essa captura em Junho.
Desculpem lá este inorme texto mas o meu jeitinho para narrar é mesmo do piorzinho e daí esse texto inorme para expor pouca coisa.
Um grande abraço Henrique Cerqueira
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