domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11228: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (40): O sr. Dr. Matos

1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES 

40 - O Sr. Dr. Matos

Li atentamente e gostei bastante do interessante artigo do José Alberto sobre o ilustre médico do Colégio, o Sr. Dr. Joaquim T. de Matos; como é apanágio do autor, deixou pouca margem para acrescentar o quer que seja acerca de tão ilustre galeno. O José Alberto estava noutro patamar – que não nós – e lidava de modo diferente com as pessoas que trabalhavam no COA – e foram muitas e, regra geral, acima da média – connosco não era a mesma coisa! Eu tinha pensado escrever algo sobre o Dr. Matos, mas não descortinei tão ampla matéria que justificasse a minha vontade; isto, talvez, porque eu, Graças a Deus, não fui utilizador assíduo dos seus serviços. Posso afirmar que (não é apenas no caso do Dr. Matos) os médicos em geral não têm tido soberanas oportunidade de enriquecer, desalmadamente, à minha custa. O futuro a Deus pertence!
Acrescento apenas um caso em que ele me acompanhou, desveladamente, durante várias horas, em serviço noturno, a tratar do meu caso; e outro em que, sem nos “encontrarmos” estivemos envolvidos numa decisão tomada pela Dª Adília. Ele agiu, na prática, como fiel da balança.

No dia 11 de Novembro de 1952, durante o intervalo da tarde - hora da merenda - numa louca correria desenfreada no velho e exíguo recreio, antes de haver o ginásio, tropecei não sei em quê ou em quem, caí com o braço esquerdo debaixo do corpo, que, naquela altura, já era pesadinho: fraturei os dois ossos (rádio e cúbito) do antebraço. Não pensem que isto é um estranho caso de memória e elefante! Na verdade, aquele acidente ocorreu àquela hora, no dia de S. Martinho, do ano em que entrei no COA – tão simples quanto isso.

Senti dores horrorosas (mais ou menos), mas para que um qualquer PPC da época não me declarasse piegas, ou que alguém entendesse e manifestasse que eu era mais assustadiço que uma senhora grávida (certamente, àquele tempo eu nem sabia o que aquilo era) decidi engolir em seco e aguentei firme e hirto… como um adulto robusto e serrano. Alguns alunos sentenciaram que não havia osso(s) fraturado (s) porque eu movia, embora muito ligeiramente, os meus dedos tenros.

Cumpri o horário até às 19h00. Depois de jantar, como as dores não davam sinais aceitáveis de abrandar, solicitei a simpática colaboração do meu conterrâneo, Valdemiro, Amaral, (já falecido) para que me ajudasse a despir o casaco. O meu braço, o sinistro, quase não saía da manga, de tão inchado que estava; tinha já ma cor avermelhada… feia q.b.

O prefeito (creio que ainda era o Sr. Fernandes, o antecessor do velho Correia) levou o caso à Direção; avisaram logo o Dr. Matos que ordenou que eu me dirigisse, sem mais delongas, ao seu consultório; ele aguardaria ali até que eu chegasse. O Dr. Matos logo diagnosticou uma fratura. Telefonou a um tal Dr. Fernando, ortopedista, e solicitou a presença do Sr. Almeida que logo compareceu de carro no consultório. Na viatura, fui sempre carinhosamente amparado pelo nosso médico; com palavras meigas, dava-me ânimo e alegava que não era grave, que era coisa passageira.

O consultório do Dr. Fernando ficava numa rua cujo nome nunca soube mas sei que desembocava, vindo de baixo, na Estrada Nacional, junto ao jardim; ficava num 1º andar, no mesmo prédio ou ao lado do velho e já desaparecido Foto Paúl. Há uns meses percorri aquela rua e encontrei, creio que no mesmo rés-do-chão, ou muito próximo, um restaurante bastante razoável e agradável.

A radioscopia pareceu-me uma coisa engraçada. Nunca tinha visto nada assim! Foi divertido ver as quatro metades dos meus dois ossos a “bailarem”, um tanto desconexadamente. O Dr. Fernando não queria que eu olhasse, porque podia assustar-me, mas eu mirei sempre, pois tinha todo o interesse em observar com que “linhas iriam coser-me”. O Sr. Almeida segurava com firmeza o meu úmero esquerdo, junto ao cotovelo; o Dr. Matos puxava com força a minha frágil mão; o Dr. Fernando entrelaçava os dedos e, com as palmas das mãos, comprimia, duramente, o meu braço no local da fratura. Depois de cada aperto/esticadela, eu voltava à radioscopia e achava aquela “caranguejola” sempre engraçada.

Já depois da meia-noite o serviço de corregimento estava concluído. De seguida, envolveram o meu braço desde o meio do úmero até à base dos dedos, com uma espessa e resistente camada de gesso, fazendo um ângulo reto entre o braço e o antebraço.

O Sr. Dr. Matos – nunca esquecerei – acompanhou-me até à camarata e, com muito carinho e cautela, e dedicação, ajudou-me a despir e a deitar. Foi a minha primeira noite de braço ao peito. No dia seguinte, o Sr. Almeida levou-me ao Porto para ser observado pelo então famoso ortopedista Dr. Abel Portal; o exame teve lugar no edifício da Europeia Seguros. Depois da observação cuidada e exaustiva, o doutor ortopedista transmitiu ao Sr. Almeida o seguinte recado: - Diga lá ao Dr. Fernando e ao Dr. Matos que, por muito que se esforcem, nunca mais farão um trabalho melhor que este! Está absolutamente perfeito! Se estivesse melhor… não prestava! As últimas palavras não foram proferidas pelo hábil Dr. Abel Portal, são da minha lavra.! Um certo domingo o Senhor Almeida repreendeu-me , severamente, porque eu fazia de goleiro durante uma brincadeira com bola; nem Keeper podia ser.

Na verdade, depois de me ser retirado o gesso, nunca senti qualquer mazela naquele braço que pudesse ser atribuída à fratura e já lá vão uns anos; até parece que me aproximo da velhice.

O outro caso que vou narrar, é bem diferente. Parece-me que eu frequentava o 5º ano. Mas, seja qualquer for a data, isto ocorreu no ano em que fomos flagelados por um surto alargado da perigosa e fortemente contagiosa gripe asiática.

Alguns alunos (internos e externos) estavam já de baixa faltando, justificadamente, às aulas. O Sr. Almeida estava fora! Talvez nalguma caçada. Um grupo de alunos propôs à Srª Dª Maria Adília que encerrasse o Colégio durante uns dias ou até que o flagelo fosse debelado. Ela não concordou! No dia seguinte de manhã aconselhámos, insistimos, quase obrigámos (ou impusemos mesmo ?!) alguns alunos a não comparecerem às aulas da tarde desse dia. Entretanto mais uns alunos receberam baixa médica. Parecia que a artimanha iria proporcionar bons frutos. Conversámos novamente com a Srª Diretora, enumerando (com exagero) o número de baixas e a sua progressão. A Srª Dª Adília conferenciou com o Dr. Matos e… o Colégio foi encerrado durante não sei quantos dias. Costuma dizer-se que a justiça divina pode tardar… mas não falta! Na verdade, eu fui um dos mais acérrimos defensores do encerramento da escola e consegui manter-me imune à gripe. Quando cheguei a casa, supondo ter uns dias extra de livre brincadeira, adoeci com a dita gripe, passando, na cama, aqueles dias de encerramento do Colégio. Quando tive “alta” estava na hora de voltar ao COA. Triste sina a minha!

Castigo merecido!

Dizem as velhas da minha terra que… “Deus castiga sem pau nem pedra! Mas bem que podia não ser tão rigoroso comigo!

Saudações colegiais.
Fevereiro 2013
BT
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 3 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11184: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (39): Uns alunos foram à matança

Sem comentários: