segunda-feira, 11 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11238: Notas de leitura (464): O arquiteto Luís Possolo na Guiné, pelos anos 50 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Andava a coscuvilhar aqui na Almedina do Saldanha quando deparei com um sujeito inequivocamente ao lado de um Felupe, logo quis saber quem era este Luís Possolo.
Achei as ilustrações tão admiráveis, deste Possolo que andou pela nossa Guiné que logo procurei saber mais. Li o artigo sobre a arquitetura em Bissau, que recomendo e pus-me em contacto com um neto de Possolo, o Prof. José Saldanha, do ISCTE, que me referiu a natureza do projeto em que se insere esta publicação dedicada a Possolo.
Estou absolutamente seguro que todos o confrades, portugueses e guineenses, vão gostar desta revelação. A fotografia da capa é um achado de que não vou largar mão tão cedo.
Desfrutem!

Um abraço do
Mário


O arquiteto Luís Possolo na Guiné, pelos anos 50

Beja Santos

Nos finais de 1944, foi criado em Lisboa um organismo exclusivamente dedicado à execução de projetos de arquitetura e de urbanismo para os territórios coloniais, o Gabinete de Urbanização Colonial (GUC), que se veio a tornar a peça central dos programas de obras públicas das colónias.

Bissau tornou-se capital da Guiné em 1941, era flagrante a carência absoluta de infraestruturas, havia que transformar uma praça ou entreposto comercial numa capital moderna. O GUC concebeu importantes infraestruturas na colónia, mobilizou uma plêiade de arquitetos que adaptaram o Palácio do Governo, transformaram a Sé Catedral, apresentaram projetos não executados para o mercado municipal, para a Câmara Municipal, alteraram o projeto do edifício dos CTT, bem como o Pavilhão de Tisiologia do Hospital de Bissau, mais tarde o HM 241. Para quem quiser aprofundar esta matéria e conhecer com todo o rigor o que estes arquitetos fizeram na Guiné, recomenda-se a leitura do artigo “Arquitetura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização Colonial (1944 – 1974)", consultando o sítio: (http://www.usjt.br/arq.urb/numero_02/artigo_ana.pdf).

Um dos arquitetos envolvidos nestes projetos foi Luís Possolo, que vai ficar ligado projetos de casas para a Praia de Varela, o projeto de um quiosque em madeira, provavelmente pensado para a Avenida Marginal e à decoração da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné, hoje sede do PAIGC. Acaba de sair o livro “Luís Possolo, um arquiteto do Gabinete de Urbanização do Ultramar” edição do Centro de Investigação de Arquitetura das Áreas Metropolitanas, ligado ao ISCTE (o livro está a ser distribuído nas livrarias Almedina). Possolo obteve o diploma de arquiteto pela Escola Superior de Belas Artes, em 1953. Frequenta no ano seguinte em Londres o primeiro curso em Arquitetura Tropical, depois ingressa no Gabinete de Urbanização Colonial. Os seus primeiros projetos dizem respeito ao Lobito, edifício da Capitania do Porto e Escola Comercial e Industrial. Segue-se o projeto de um conjunto de casas germinadas para a Praia de Varela, casas de fim de semana de funcionários administrativos coloniais. O autor apresenta duas soluções de cobertura para cada tipo de casas. Resta acrescentar que este complexo turístico da Praia de Varela se tornou rapidamente na coqueluche da sociedade de Bissau. O governador tinha ali a sua casa de férias. No meu livro “Mulher Grande” refiro como a estância era frequentada até pela alta sociedade da Gâmbia e do Senegal. Em Julho de 1961, as forças de François Mendy, depois de atacarem S. Domingos vandalizaram Suzana e Varela de tal modo que o turismo se tornou impraticável e a partir de 1963, por razões de segurança a estância de férias fechou.

Possolo trabalhou em diferentes territórios africanos. Elaborou um projeto de uma estação de camionagem para S. Tomé e Príncipe, para o mercado de Quelimane, mas a lista não se fica por aqui. Trabalhou igualmente em regime liberal e nessa qualidade é dele o Projeto da Fábrica de Cimentos de Nacala, Moçambique, porventura o seu projeto mais grandioso. Dedicou-se igualmente à decoração de interiores, é dele a decoração da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1964, a entidade tornou-o sócio efetivo por tal prestação.

O quiosque em madeira (que nunca viu a luz do dia) era bastante amplo, com balcão para uso dos clientes e era envolvido por uma esplanada, conforme desenho que aqui se publica. Possolo deu asas à imaginação, este desenho remete para um imaginário tropicalista que certamente teria mais que ver com Miami ou Rio de Janeiro.


O livro que é dedicado tem uma fina conceção e a sua capa acolhe uma das mais belas fotografias que até hoje vi: Possolo terá ido a Varela, tirou uma fotografia no meio de Felupes e depois esta em que está com um Felupe tendo a avioneta por fundo, há ali um sabor de passado, presente e futuro dado pelo jogo de perfis serenos mas resolutos dos dois principais fotografados, símbolos do antigo e do moderno, do perene e do transformado. Quando vi o livro disse logo para mim que estes elementos tinham que chegar à tertúlia. Contatei o seu neto, o professor José Saldanha que amavelmente digitalizou a fotografia da capa e o desenho do quiosque. Espero que desfrutem a altíssima qualidade destas fotografias e não resisti a juntar, extraído do referido artigo “Arquitetura em Bissau” uma fotografia muito singular do monumento sito na antiga Praça do Império, hoje Praças dos Heróis Nacionais, trabalho do fotógrafo Eduardo Costa Dias, em 2009. É um angulo soberbo, parece que a escultura se está a mover graças a uma misteriosa contorção cilíndrica. E nada mais há a dizer para além desta alegria dos sentidos!

 Desenho do quiosque

Vista parcial da base do monumento da antiga Praça do Império
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 8 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11211: Notas de leitura (463): Lilison di Kinara, um artista de quem aqui não se fala; Liberdade ou Evasão de António Lobato (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Mário Beja Santos

Por sinal concordo com a tua apreciação da foto com o Arquitecto, o Felupe e o avião.
É uma interpretação bastante feliz e que realmente aponta para o que nos dás conta.

Relativamente à questão de se procurar avançar com uma arquitectura que integre os elementos 'naturais' (em design e em incorporação de materiais) parece-me que 'passou o tempo'.
Hoje, tal como está o território, como estão as economias e como estão os 'poderes', isso não passará de boas intenções.
Mas lá que teria terreno para que jovens arquitectos com visão e sem preconceitos se lançassem numa tarefa de ´modernismo' isso parece-me que sim.

Abraço
Hélder S.