OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS
11 - DEIXEM QUE RECORDE MÁGOAS E EXPLIQUE O PORQUÊ DE ABANDONAR O K3
Foi-me dada a ordem para ir emboscar num local onde só deveria ser preparada tal operação, com um efectivo mínimo humano, equivalente ao d'uma Companhia (O Sr Cmdt Batalhão o dissera) e não apenas com nove homens tantos quantos constituíamos a Secção de Morteiros.
A comunicação foi-me imposta directamente pelo, DESDE HÁ DUAS HORAS, Cmdt Companhia, cargo que ocupou dado o desaparecimento físico do Senhor Capitão, vitimado que fora por traiçoeira mina comandada.
Revoltei-me inicialmente, dados os riscos e o possível desastre, mas acatei e cumpri, como não podia deixar de ser, não sem que antes recordasse a determinação superior de que "nos carreiros não menos de 150 homens a emboscar".
A progressão enviesada através da mata fez-se após preparada com redobrados cuidados. Chegados ao local, dispus as tropas em presença, ao longo de mais ou menos 50 metros e ladeando o objectivo, que ficava perpendicular à estrada que fazia a ligação do e para o K3.
Talvez uma hora depois, o "vigia" mais afastado, veio rastejando até mim e segreda-me:
- É pá, vem ali uns "zaravultos" e não são tão poucos como isso.
Desloquei-me lá e apesar da copiosa chuva, do nevoeiro e da mata cerrada, confirmei que na verdade, havia movimentações ali a 100 metros e que apesar da forma cuidadosa na deslocação, iriam cair na boca do lobo.
Alterei de imediato o dispositivo antes montado, de forma a constituir nova zona de morte para quem lá vinha (o inimigo decerto, ou muito provavelmente).
Pelas experiências antes vividas, foi minha convicção que após aí entrados, não mais de lá sairiam para contar como fora.
Passados foram minutos terríveis, os dedos já tremiam nos gatilhos, e se não liquidámos o 2º Pelotão da nossa CCAÇ 1422, foi porque ouvi do lado de lá:
- Oh Veríssimo... NÃO DISPARES... SOU EU O MACEDO.
Acontecera que, no aquartelamento e após acalorada discussão (ao que soube mais tarde), aquele Senhor Alferes Miliciano também sabedor da ordem dos 150, tomara a iniciativa de ir colaborar e ajudar no nosso regresso, não sem que antes tivesse a autorização do mandante, arrancada a ferros, dizem.
(Este acontecimento doía-me cá dentro há 47 anos mas penso que desta vez lá se vai tal "fantasma")
Crente não fui ou sou, mas naquele dia e àquela hora, Deus passou por ali, materializado naquela voz:
"OH VERÍSSIMO NÃO DISPARES"
Barro > Uma emboscada montada pela CCAÇ 3
Foto: © A. Marques Lopes. Todos os direitos reservados.
Contei metade? Está contado.
Ponderadamente pensei depois, qual a atitude a tomar e decidi ser preferível e aproveitando a oportunidade dum pedido de voluntários para a constituição duma 3ª CCOM/QG, oferecer-me para tal, em vez de continuar ali onde agora teria de, para além de combater o IN, também combater ordens como a daquele terrível dia 12 de Junho de 1966.
Só que não me foi fácil desistir daqueles camaradas e amigos... da minha 1422 que ajudara a preparar desde o RI 15... que comandei no desfile antes do embarque no Niassa e que fazia parte agora da minha família.
(continua)
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11229: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (28): 29.º episódio: Memórias avulsas (10): Ninguém me ama
3 comentários:
Olá Veríssimo,
Congratula-te! Aquele capitão foi um percursor deste outro, o Gaspar poupadinho, e tu já tens a experiência de te safares da crise.
Levas vantagem!
Um abraço
JD
Caro Veríssimo
Há coisas que realmente custam a digerir.
Principalmente por quem tem a noção das responsabilidades.
Se dizes que agora te 'libertaste' das recordações desses momentos, fico contente, por ti e por nós, por, também por este aspecto, se ter contribuído para a 'terapia' através do nosso Blogue.
Abraço
Hélder S.
Olá Veríssimo.
"Sou eu Veríssimo, não dispares"!.
Houve muitas e muitas anomalias dessas, onde algumas vezes terminaram em tragédia, pelo menos no meu tempo, onde ainda era quase tudo improvisado e a nossa preparação, tanto em combate, como na organização, não era lá muito boa, infelizmente.
Tal como o Helder diz, fico contente por te teres "libertado", e fizes-te muito bem em ter contado este episódio aos teus companheiros.
Um abraço.
Tony Borie.
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