Quem em caça, política, guerra e amores se meter, não sairá quando quiser
por Luís Graça (*)
Quem terá sido o 'grafiteiro'
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam,
são lobos que saem" ? (**)
É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
E em todas guerras houve ‘grafiteiros’.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o nosso Fernando Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
puros e duros,
violentos,
conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do ‘lobo mau’)...
Foto de Tino Neves (2007) |
não foste foi para a guerra
e vieste de lá impunemente,
igual...
Os teus amigos e familiares deram conta disso:
já não eras o mesmo,
nunca mais foste o mesmo...
É isto
que o inspirado (ou provocador) autor do mural de Mueda (*)
te quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
a frase feita para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...
Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos, de resto, os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a 'formação' racionalista,
dos seus comandantes,
que estudaram na cartilha marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudaram-te
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…
Mas também ajudaram a criar
laços de abnegação, coragem e camaradagem...
Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventaste, à tua imagem e semelhança,
e para quem transferiste
qualidades e defeitos humanos...
Aliás, deuses que inventamos todos os dias…
Precisamos, de resto, dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (enganadora) da ciência e da tecnologia.
Há quem diga
que há três espécies de homens:
os vivos, os mortos e os homens que andam no mar...
Devias acrescentar uma quarta categoria;
o soldado para quem a guerra nunca acaba...
Patriota, revolucionário ou mercenário,
não importa.
Há homens que são incapazes de deixar de combater...
(Como há homens que são incapazes de viver fora do mar)...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra será mais forte que a razão...
É um pulsão muito forte.
o que os leva a matar e a morrer
por pátrias, causas, bandeiras ou ideologias
que muitas vezes não são verdadeiramente as suas...
O ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável
ou formatável…
A guerra também pode ser viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode inclusive
ser uma forma (heróica ?) de suicídio.
Como, de resto, diz o provérbio popular,
"Quem em caça, política, guerra e amores se meter,
não sairá quando quiser"...
Lourinhã, 28/2/2015
___________________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14258: Manuscrito(s) (Luís Graça) (46): Quando o absurdo da morte bate à porta dos amigos...Para o Zé Belo, em memória de Britt-Marie
(**) Vd. poste de 26 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14301: Pensamento do dia (20): "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saem. Adeus, checas". (Grafito, c. 1968/70)
2 comentários:
Pois é Luis, mais de quarenta anos passados, cá estamos nós tentando, ainda,exorcizar os Fantasmas da Guerra.
É,os "Meninos de sua mãe",voltam sempre da guerra envelhecidos, alguns tão velhos, que não suportam a "luz do sol".
É um privilégio nosso, podermos neste fórum que é o Blog, atenuar essas marcas que a guerra deixou em muitos de nós.
Obrigado, por manter aberta esta "janela.
Forte abraço.
VP
Olá Vasco tu que estás lá longe, noutra longitude e latitude, não vês este céu cinzento que nos cobre e não vês a morrinha que vai caindo e que nos entra na cabeça e nos entope o cérebro.
A melancolia entra-nos pela janela, neste dia de chuva e nuvens baixas.
Gostei muito do que escreves-te e dedico-o, ou porque não sei escrever melhor por causa da morrinha ou da melancolia decorrente, ao nosso poeta Luís Graça, como um poema sem rima, um poema transatlântico, já que tu o escreveste e eu o classifiquei.
Um grande abraço a ambos
Francisco Baptista
Enviar um comentário