1. Em mensagem de hoje 19 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos assim de seu pai:
O meu Pai
As mães são sempre tão sábias, tão carinhosas que desde meninos
desarmam as nossas maldades e malandrices. De corpo e alma fomos
moldados por elas, para elas não temos segredos. Sofrem muito quando
nos desviamos dos bons caminhos que devíamos percorrer mas também
sabem que os filhos, pela sua natureza, estão sempre sujeitos a esses
desvios.
Os nossos pais com menor conhecimento da nosso intimo e das nossas
inclinações, fazem um esforço maior para nos compreender e erram mais
nas suas relações connosco. Fazem um grande esforço físico e mental
para nos agradar, mas estão sempre em desvantagem em relação às mães
que nos moldaram e se sabem moldar para nos aconchegar.
Com os pais há sempre mais choques sobretudo quando somos também
homens em competição com eles e não gostamos muito de ser comandados
de qualquer forma.
Em relação ao meu pai, procuro ser comedido para não entrar em
descrédito, tão criticado dentro de portas pelo seu autoritarismo e
intolerância, pelos filhos mais velhos (homens) e tão respeitado em
toda aldeia, em todo o concelho e fora dele, pela sua honra, pela sua
palavra, pela sua verticalidade.
Produtor de cortiça, era por tradição familiar que tinha herdado do
seu pai e do seu avô também negociante da mesma. As relações
comerciais da minha família com os fabricantes de Lourosa remontam já
há mais de um século.
Na família conta-se a estória, que eu nunca lhe ouvi, pois ele
nunca se vangloriava de nada, que em ano de pouca cortiça, ele
conseguiu juntar uma boa rima dela.
Um dia passou por lá um grande
fabricante, hoje um dos maiores ricos deste país e lhe disse para lhe
pedir um preço, pois ele estava disposto a pagá-la bem.
Ele terá respondido, que a ele não lha venderia por preço nenhum,
já que ele tinha amigos em Lourosa que lhe compravam a cortiça em anos
bons e em anos maus.
Nunca enriqueceu, trabalhou muito e poupou muito, deu toda a
educação escolar possível aos filhos.
Morreu cedo, aos 59 anos, para grande pena minha, nunca consegui
fazer com ele as pazes que gostaria, depois de tantos choques e
desavenças, motivados pelo seu autoritarismo e pelo meu orgulho.
Nunca esqueci, as primeiras lágrimas que lhe vi, quando me
fui despedir dele, antes de partir para a Guiné.
Esta mensagem ao meu pai, esse homem duro e autoritário, foi o
regedor de Brunhoso, mas que me comoveu tanto nessa partida, foi
inspirada na mensagem do José Carlos Gabriel, ao pai dele, tão
contida, tão profunda tão sentida, que me sensibilizou tanto.
Obrigado
José Gabriel por me ajudares a fazer alguma justiça ao meu pai.
Um abraço
Francisco Baptista
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de Março de 2015 > Guiné 63/74 - P14387: Pensamento do dia (23): No dia do pai... "Meu pai, estejas onde estiveres, saberás que te amo muito e te perdoei o nos teres deixado tão prematuramente" (José Carlos Gabriel, ex-1º cabo cripto, 2ª CCaç / BCaç. 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Caros camaradas
Ainda há quem duvide das vantagens dos Blogues...
Neste nosso caso, e apesar de não se 'falar de guerra' (não é bem verdade, pois ela está presente, reparem que a recordação do Francisco sobre as lágrimas que viu no seu Pai foi quando partiu par a Guiné), está toda uma emoção que representa um gesto de paz com a memória e isso é algo que também deve honrar os ex-combatentes.
Este tipo de homenagem, se assim se pode dizer, pois na realidade é muito mais do que isso, já que tanto no caso do Francisco como no do J. Carlos Gabriel que o inspirou o que se trata realmente é de 'arrumar o passado' seria desperdiçada em qualquer lugar do "Face".
Por isso repito: este tipo de terapia faz todo o sentido que seja feito por nós, entre nós, e isso é um mérito indiscutível que o Blogue já tem proporcionado a muitos camaradas.
Abraço
Hélder S.
A referência feita ao meu pai.
Tudo aconteceu ontem depois de ter recebido um telefonema da minha filha que durou mais de uma hora.
Estava sentado ao computador e depois de ter desligado a chamada dei por mim a abrir o Word e começar a escrever as lembranças que tenho dele.
Ao fim de umas páginas parei e entrei no nosso Blog.
Li a publicação do camarada Armando Faria e o poema da Florbela Espanca.
Deu-me vontade de também dizer algo aproveitando a data comemorativa do DIA DO PAI.
Foi a publicação do camarada Armando Faria que me levou a faze-lo e fico satisfeito que outros o tenham feito inspirados na minha.
Um abraço para todos os camaradas.
José Carlos Gabriel
O conflito de gerações há de ser eterno, porque natural. Não sei se algum de nós escapou a esta inevitabilidade - a do confronto entre o velho e o novo, entre o estabelecido e o que se pretende estabelecer. O meu Pai foi um homem de grande generosidade, espírito de sacrifício e desprendimento para todos os seus oito filhos. Era austero e severo. Para ele só havia uma forma de viver: trabalho, trabalho e mais trabalho, habilidades, vender gato por lebre, enganar...não era com ele. Devo-lhe uma grande parte do que sou. Obrigado meu Pai João Ferreira de Carvalho.
O teu post é um hino à frontalidade e à verdade. Entre nós combatentes pode-se falar de tudo, mesmo do âmago do nosso ser.
Um abração.
Carvalho de Mampatá
Enviar um comentário