domingo, 4 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]


Data: 4 de outubro de 2015 04:47

Caros Camaradas

Vai mais uma e talvez interessante, muito embora já tenha abordado esta situação. Agora com novos elementos. Por exemplo no meu Processo Individual vê-se nitidamente ter terminada a minha vida militar ali. O traço de cima para baixo isso indica.

Um abraço,
Mário Vitorino Gaspar


2. História de Vida > Só me Casei Depois de Vir da Guiné

por Mário Gaspar

Cheguei da Guiné a 6 de novembro de 1968 e passei à disponibilidade a 28.

Comecei por responder a anúncios de trabalho, fui a entrevistas de algumas empresas. Sabia o que queria e rejeitei aquelas que não me interessavam.

Fui contactado por uns serviços do Exér­cito que funcionavam na zona do largo da Estefânia, em Lisboa, devido a possíveis doenças tropicais. Queixava‑­me de problemas intestinais, mas não encontraram sinais de qualquer doença depois de ter feito exames, não só aos intestinos como às fezes.

Duas empresas me motivaram, a primeira
a Regisconta – “Aquela Máquina…” – como vendedor. Fui aprovado na primeira fase e as condições eram óptimas. Quando os dois possíveis indivíduos a contratar estavam eliminados, tinha pela frente 10 perguntas de Cultura Geral. Não sabia quem era o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não fui admitido. [Na altura, era o gen António Vitorino da França Borges, nomeado pelo Governo].

Em segundo lugar estava a DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA. Após Testes Psicotécnicos sou aprovado e tenho pela frente a entrevista que convenço, entro ao serviço a 27 de janeiro de 1969 como possível Lapidador de Diamantes.

Havia que fazer um estágio de 9 meses, mas assinei o con­trato em maio, quando o estágio terminava em setembro, portanto muito antes da data prevista, visto ter obedecido às pretensões desta grande empresa.

Resolvido a questão do emprego decidi casar-me com uma das madrinhas de guerra. Tive o cuidado de resolver, antes as responsabilidades com aquelas que assumira compromissos.

O acto realizou-se na Igreja de São João de Brito no dia 29 de junho de 1969, em Lisboa. No dia do casamento, no altar, no final do dis­curso do padre, ouvi o seguinte: 
– Acabo de casar o morto vivo!

Estranhei, mas logo esqueci aquela frase. Quando fui buscar o Registo de Casamento à Igreja, o Sacristão entrega-me a Caderneta Militar, resolvo abri-la e assusto-me. Dado como morto.

Leio na Caderneta Militar, numa das páginas: – 1967, “Desembarcou em Bissau em 17 de janeiro (1967), desde quando conta 100% de aumento de tempo. Morto em 12 de outubro (…)” e noutra folha: "Baixa de serviço em 12/10/1967 por Falecimento". 

Senti um arrepio percorrer‑­me o corpo. 



Fotocópias da minha morte na Caderneta Militar: Baixa de Serviço 
“Por falecimento” e “Morto”

A caderneta militar desliga‑­se da minha mão trémula. Volto a folheá‑­la. Resolvi ir à minha Unidade Mobilizadora. Na Secretaria fui atendido por um major, que depois de ler o que lhe estendia para as mãos, me respondeu:
– Não faz diferença nenhuma!
– Não faz a si mas faz‑­me a mim! – Respondi‑­lhe.

Venho a saber que o furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana falecera



Como se vê a morte do Vitor José Correia Pestana coincide com minha: "12 deoutubro, em Gadamael", por "acidente com arma de fogo".

Terá existido um engano. Não existe informação desde 28SET67 o que indica que estou MORTO

A partir do meu casamento sou conhecedor da minha morte a 12 de outubro de 1967.

Só me casei depois de vir da Guiné. Terminada uma comissão em que estive em contacto com a morte, regresso e a morte continua no meu trajecto.

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano Atirador e de MA



Na minha Caderneta Militar, não existe informação desde 28 de setembro de 1967 o que indica que estou... MORTO!

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
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5 comentários:

Luís Graça disse...

Mário, parabéns, pela vida!...E pela tua história de vida...

Já aqui comentámos que, infelizmente, não foste o único caso de troca de nomes. O António Batista da Silva, esse outro morto-vivo da nossa Tabanca Grande, que mora na Maia, passou por um processo ainda mais kafkiano" do que o teu: foi "morto e enterrado"...

O padre de São de Brito devia ser um gajo com sentido de humor (negro), quando te diz, a ti, à noiva, aos padrinhos e demais participantes da cerimónia:
- Acabo de casar o morto!...

A idade com que casaste está na média da nossa geração ... Em 129 respostas até à data, ao nosso "inquérito", cerca de metade dos camaradas da Guiné diz que se casou logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou no ano a seguir...

Que chegues pelo menos à bodas de platina, com a cabeça frescam são os meus votos...

Abraço. Luís

António Tavares disse...

Camarigos,

Quantos mais "mortos-vivos" haverá?

Para já conhecemos dois.

Felicidades, camaradas "vivos".

Abraço.

Mário Vitorino Gaspar disse...


Caros Camaradas

Seguiu já um texto que se for publicado explica melhor a situação.
Cópia onde consta o traço após a data 28SET967. MORTO – Abatido!
Se regressei a 30 de Outubro onde existe a informação. Não existe,
estou morto. O pior de tudo é que houve um Oficial no Regimento de
Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras fez emendas na Caderneta, na
minha Caderneta. Tudo a vermelho.
Posso também, todos podemos alterar as Cadernetas Militares?
Decerto que não

Mário Vitorino Gaspar

Mário Vitorino Gaspar disse...



Caros Camaradas
Se em Dezembro de 1968 soubesse que o Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa era António Vitorino da França Borges, tinha sido Vendedor e de Balcão
da Regisconta. O vencimento era óptimo, acabava mais cedo, talvez a actividade.
O Morto Vivo
NOTA: Luís, foste tu que respondeste e me informaste que era António Vitorino
da França Borges.
Nunca me interessei. Obrigado Luís!
Mário Vitorino Gaspar

Hélder Valério disse...

Caro Mário

Deve realmente ter sido uma grande surpresa!
E, como diz o Luís, o Padre do casamento tinha que ter 'sentido de humor' Podia não ter o 'sentido da oportunidade', mas humor, tinha de certeza.

A vida tem destas coisas.
Do teu relato confirma-se que era possível arranjar emprego com alguma facilidade. Havia a guerra, havia a emigração e uma coisa e outra gerava falta de profissionais. No caso de pessoas que tinham a 'questão da tropa resolvida' era então mais fácil.

Abraço
Hélder Sousa