segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15293: As nossas mulheres (13): Só se pode falar do passado porque o futuro começa amanhã (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 20 de Outubro de 2015:


SÓ SE PODE CONTAR COISAS DO PASSADO, PORQUE O FUTURO É SÓ A PARTIR DE AMANHÃ.

Mais uma para a nossas mulheres

Viver de recordações não uma atitude saudável ou será? Traz-nos fantasmas, existências mais ao menos romanceadas, conceitos alinhados com opções do momento, arrependimentos pelo que não fizemos, quantas vezes não douramos a pilula e assim evitamos pensar no que fizemos ou deixamos por fazer, convencidos que haveria sempre tempo. Depois, acabamos por constatar que o tempo escorreu-nos por entre os dedos e que nunca faremos nada sobre isso, nem recuperaremos o que perdemos.

Aquela viagem adiada para dias melhores, a beleza que passou e a que agora vemos passar. Tudo gira na nossa cabeça e pensamos, como era bom haver uma altura na vida, que se carregava num botão, voltávamos aos vinte anos e viveríamos como jovens os anos que nos faltam viver. Ficção cientifica talvez, na vez de irmos ao futuro, regressávamos ao passado e sabendo das nossas frustrações presentes, emendaríamos tudo o que não vivemos com intensidade suficiente na altura.

Assim teríamos aproveitado, ou pelo menos tentado, a nossa sorte com aquela miúda, de olhos verdes, linda, que a nossa falta de confiança ou timidez condenou à nascença qualquer vislumbre de romance.

“ És tão linda, que por onde passas nem a erva cresce” ou “O que se passará no Céu, para os anjos andarem cá na Terra”.

Na minha juventude estes piropos corteses, outros haviam chamado os de trolha acompanhados de assobiadelas estridentes lançados do alto dos andaimes, que diziam serem os parvos ou de mau gosto. Umas gostavam, riam-se apesar de tudo, mas outras tentavam responder à letra e raramente saíam a ganhar do confronto.

Quando estava na Guiné, era como sabem da praxe ter três ou quatro madrinhas de guerra com quem trocávamos cartas, confidências e fotografias. Dávamos largas à nossa veia de sedutores a 2000 km de distância, com a certeza que mesmo o conhecimento das nossas maiores parvoíces seria mínimo em terras, que nunca visitaríamos possivelmente e com pessoas que jamais nos cruzaríamos.

Impunidade era pois o manto com que nos cobríamos.

Umas eram bonitas outras assim-assim, pois como a minha avó dizia “não há meninas feias”. Elas nunca chegaram a saber na verdade, o que as suas cartas representavam para nós e a ansiedade, com que as recebíamos ou esperávamos.

Nalguns casos deram em namoro e casamento. Noutros casos só promessas de ocasião, que nunca haveriam de dar em nada.

Mas também aconteceram amargos de boca a alguns camaradas, quando resolveram deixar de escrever a uma das madrinhas, que já tinha assumido mais alguma coisa ainda que há distância.

Assim aconteceu com o meu nunca demais celebrado compadre “austrel”. Ele era artista de muita palheta, muita conversa e muitas promessas. Mal bispasse uma foto de uma irmã mais jeitosinha de um camarada, não descansava enquanto ele não lhe desse a morada e escrevia-lhe pedindo-lhe para ser madrinha dele. Acrescentava logo, que pedia correspondência porque tinha logo simpatizado com ela e que, não tinha mais nenhuma estivesse descansada etc, etc. Depois quando e se recebia resposta, não eram poucas as vezes que lia a carta, para uma plateia mais ao menos interessada nos pormenores que ela lá ingenuamente lá tinha escrito.

Mas que havia de fazer, ele era levado da breca e tinha imensa graça tendo um curso de malandragem de 1º escalão com muita inclinação para o disparate.

Numa altura em que o “cacimbo” mais o atacou, deixou de escrever a uma ou duas dessas moças. Dizia ele com ar compenetrado, que que se ia deixar dessas merdas, pois já não sabia o que havia de lhes dizer.

Por consequência e causa visível, um belo dia foi chamado ao nosso comandante, que lhe mostrou um pedido de informações a seu respeito. Dizia a pobre moça, que depois de ele lhe ter pedido namoro, deixou de receber correspondência e que temia que lhe tivesse acontecido alguma coisa de mal.

O “austrel” tentou logo ali minimizar a ocorrência, mas sendo o coronel Castro e Lemos daquela têmpera de não tolerar dúvidas ou omissões, logo lhe pregou ali uma valente descasca acompanhada de uma nada velada ameaça de que, se ele não escrevesse à pobre lhe dava uma porrada tal, que o mínimo que lhe acontecia, era ir despedir-se do batalhão ao cais de Bissau, quando o 3872 embarcasse para a Metrópole. Bem como nos devemos recordar, a pior ameaça que nos podiam fazer, seria vermos os nossos camaradas irem embora e nós ficarmos mais um mês e um dia.

É que não sabíamos quando era esse dia.

O nosso camarada passou a escrever todas as semanas e não foram poucas a vezes, que que nós gozámos com ele quando chegávamos ao abrigo e ele estava a dormir, abanávamos-lhe o beliche e gritávamos oh! “austrel” já escreveste?

Ele respondia-nos com uma linguagem que me escuso aqui de repetir está claro. Muitas coitadas não sabiam com quem se metiam.

Ainda lá fiz planos para conhecer uma ou duas quando regressasse, que ficou assim mesmo só nos planos. Hoje lamento que assim tivesse sido, foi um tempo que passou e já não volta para trás.

Em troca disso arranjei coragem e declarei-me à tal miúda linda de olhos verdes, que é a minha companheira há 36 anos feitos em 29 de Setembro. E ainda é assim, “onde ela passa nem a erva cresce”.

Um abraço
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8294: As nossas mulheres (12): A presença das esposas em teatro de guerra (Joaquim Mexia Alves)

4 comentários:

Luís Graça disse...

Juvenal,agora percebo por que é que a tua Vanessa é tão linda!.. Como mulher e como pessoa!...

Tens 175 referências no blogue, o que quer dizer que é um dos nossos mais ativos e produtivos (e saudáveis!) autores do blogue... É bom, ao fim destes anos todos, continuar a poder ler-te e a comentar-te... Beijinhos para as tuas queridas... Xicoração para ti!...

PS - O que será feito do camarada "austrel" que, como a grande maioria (90% ?) não tem computador, não tem email, não tem internet, tem zero a literacia informática, e que há muito esqueceu (opu foi obrigada a esquecer) a juventude perdida por matas e bolanhas da Guiné... É tristemente cruel, mas é a puta da verdade!... Ao fim de 12 anos os membros da Tabanca Grande somam apenas 704 membros, 6% dos quais já morreram...

Anónimo disse...



Sem querer sair do tema que propuseste, realmente essa miúda de olhos verdes que te enfeitiçou é uma mulher linda e elegante . " Quando me despedi em Vila Real da minha mãe, irmãs e irmãos, que estavam lá a estudar, levei comigo na memória para a Guiné além das lágrimas da minha mãe e dos meus irmãos, uns olhos verdes, duma colega duma irmã minha. Olhos tão verdes e tão lindos como Almeida Garrett esse escritor romântico descobriu no vale de Santarém, nas Viagens da Minha Terra." Esta citação é do poste 13920. Por razões, pouco razoáveis, que já devo ter exposto no blogue, nunca tive madrinhas de guerra, namoradas ou correspondentes, enquanto estive na Guiné, apesar de nunca me ter esquecido dessa amiga da minha irmã de olhos verdes e de outras de olhos azuis ou castanhos.
Gostei do teu texto, sempre tão actual, afinal novos ou velhos somos homens e sempre sensíveis aos encantos da beleza feminina. Fiquei muito contente quando ontem a Vanessa, que não conhecia, a propósito do meu poste mais recente, escreveu um comentário inteligente e agradável, ainda que em teu nome, penso que era da autoria dela, pois pareceu-me bastante feminino. Obrigado a ambos. O Luís Graça aproveitou logo para elogiar a simpatia da Vanessa e hoje vem elogiar-lhe a beleza. Juvenal és um felizardo na companhia dessas duas mulheres tão simpáticas e belas. Tens ainda a liberdade de sonhar com as outras, madrinhas de guerra ou não, mas com discrição, pois as nossas mulheres não gostam de companhias estranhas em casa, reais ou imaginárias.
Se me permites envio um beijo à Vanessa e outro à tua mulher. Um abraço para ti.
Francisco Baptista

Gil disse...

Juvenal, gostei do teu texto. O que descreves nele deve ter ocorrido com muitos de nós.

Abraço
VBriote

Amado, eu disse...

O passado é o berço do futuro, a nossa hhistoria é feita de escolhas racionais ou não, sao o que temos de mais genuíno e distintivo de todos os ooutros. Pai, tu és o berço da minha hi história e muito de orgulho de ser parte do teu futuro. Obrigado a todos p