domingo, 25 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15288: Libertando-me (Tony Borié) (40): Isto é a Flórida

Quadragésimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 21 de Outubro de 2015.




...isto é a Flórida!

As rajadas de vento passavam a 31 milhas por hora, naquela água revoltada do mar, podia-se ver, talvez a mais de um quarto de milha de distância da costa, dezenas de ondas seguidas, cobrindo-se umas às outras, pintadas de branco, que não era bem branco, pois havia alguns sinais, aqui e ali, mais escuros, que deviam de ser troncos de árvores, restos de costas tropicais que vinham dar à praia, fugindo da tempestade, da fúria daquele pequeno furacão, que devastava a areia, destruindo as dunas, onde dias antes era um lugar paradisíaco.

Este foi o cenário que encontrámos, quando, entusiasmados, na esperança de alguma aventura, viemos passar uns dias fora da cidade, fora do ambiente quotidiano, do conforto daquelas coisas que existem na nossa casa, procurando viver em contacto com a natureza, sem computadores, sem rádio ou televisão, sem ouvir e tomar conhecimento pelo que vai no mundo, pois no “six o’clock news”, que é o noticiário das seis, é só desgraças, são só notícias que excitam as pessoas, se for uma boa notícia, não tem interesse, tem que ser uma catástrofe, para aparecer a todas as horas ao abrir dos noticiários, assim têm maior audiência, faz deles os melhores.

Mas continuando, viemos cozinhar as nossas refeições numa fogueira, com lenha de cedro, perfumada com aquele cheiro que não existe à venda em nenhuma casa de perfumes, tomando banho na água do mar, ou em qualquer riacho, caminhando por trilhos selvagens, às vezes tropeçando, caindo aqui, levantando-se ali, dormindo no pequeno espaço da nossa caravana, falando e convivendo com novas pessoas, vindas de outros estados, também aventureiras, que gostam de conversar, que contam anedotas e vivências de aventura pela noite dentro, em volta da tal fogueira, onde o café e alguma cerveja, dão alguma cor àqueles rostos antigos, de pessoas da nossa idade.

Um casal que acampou num espaço ao nosso lado, portanto nossos vizinhos, oriundos do estado de Montana, falavam entre si, dizendo:
- Meu Deus, isto é a Florida? E viemos nós de tão longe para ver o mar, a minha avó, que nunca viu a cor do mar, chamaria a isto uma planície de neve a querer derreter-se, que saudades da minha Montana!


Quando o vento vinha do norte, a caravana balançava, havia pequenos ramos e folhas no ar. Para caminhar, colocava-se a mão sobre a testa, cobrindo os olhos, protegendo-os, era a natureza revoltada, que encontrámos nos primeiros dois dias da nossa fuga para o passado mas, como diz o ditado, “depois da tempestade bem a bonança”, agora o mar está calmo, a corrente é serena, pode-se mesmo pescar, apanhar sol, entrar nas pequenas ondas que estendem a água suavemente pelo grande areal plano, que existe, antes de tocar nas dunas, onde a vegetação rasteira tenta sobreviver, acolhendo algumas palmeiras que começam a tomar o sentido vertical, pois algumas vergaram no sentido sul, com o forte vento que vinha do norte. Limpámos todo o local à volta da nossa nova “vivenda”, abrimos o tolde da nossa caravana, passamos algumas horas lendo, admirando a natureza, meditando, criando em nós algum sossego de espírito, tentando limpar a nossa mente, já antiga e baralhada, deixando de pensar por alguns momentos em emboscadas, ataques ao aquartelamento, sobretudo naqueles irmãos mortos em plena juventude, embrulhados nos restos do camuflado, a cheirar a medo e pólvora, sujos de lama e sangue, daquela maldita guerra que lá vivemos, na então nossa Guiné.

Tony Borie, Outubro 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15263: Libertando-me (Tony Borié) (39): Tal e qual lá na Guiné

Sem comentários: