Portugal > Assembleia da República > Legislação régia > Ordenações manuelinas > Decreto, 1 de janeiro de 1521 > Como se podem engeitar os escrauos , e bestas, por os acharem doentes ou mancos > Sem Entidade Livro V. (Reproduzido com a devida vénia...) (*)
1. Apesar de nos podermos orgulhar de Portugal ter sido
Reprodução de uma xilogravura da edição de 1514 das Ordenações Manuelinas, impressa por João Pedro Buonhomini nas instalações de Valentim Fernandes, em Lisboa. Fonte: Wikipedia. Vd. cópia pública, em formato pdf, desta edição de 1514 na Biblioteca Digital Nacional |
um primeiros países a abolir a escravatura (no território nacional, em 1761, ao tempo do Marquês de Pombal, o todo poderoso primeiro ministro do rei Dom José), tivemos tráfico (luso-africano, convém sempre lembrar...) de escravos desde a expansão marítima, e utilização de mão de obra escrava, de origem africana, da ilha da Madeira ao Brasil, passando por Cabo Verde e pelo continente...
Originalmente os primeiros escravos vinham da Guiné (topónimo que designava uma vasta região da costa de África Ocidental, incluindo o Senegal, a Gâmbia, a Guiné-Conacri, a Guiné-Bissau, a Guiné Equatorial, etc.). Na legislação régia, há naturalmente referências aos "escravos da Guiné", que eram vistos na época de uma tripla perspectiva: (i) tinham alma e era preciso batizá-los; (ii) eram mão de obra valiosa (, fundamentais na exploração mineira e nas plantações de açúcar); (iii) tinham valor económico, sendo transacionáveis; e (iv) eram um "bem de luxo" para a corte e as classes dirigentes, uma forma de ostentação da riqueza, do poder e da honra (!)...
À luz dos nossos princípios e valores de hoje, esta linguagem "jurídica" das ordenações manuelinas (**) é chocante. (E mais chocante ainda a realidade que o poder régio procurava ordenar e regulamentar)... Mas estamos em 1521, mesmo no final do reinado de D. Manuel I, o "Venturoso", que irá morrer a 13 de dezembro desse ano, e que é descrito, por um dos seus biógrafos, "como um rei centralizador, inovador e reformador" (Costa, 2015, p. 259).
A 19 de dezembro de 1521 era aclamado rei seu filho, D. João III... Era o fim de uma época e o início de uma outra. (COSTA, João Paulo Oliveira e - D. Manuel I, 1469-1521: um príncipe do Renascimento. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005, col. "Reis de Portugal", 333 pp.).
2. Yoro Fall, conceituado historiador senegalês, antigo professor da universidade de Dakar, no Dicionário de História dos Descobrimentos (sob a direção de Luís Albuquerque) (Lisboa: Círculo de Leitores,1994), vol. I, "Escravutura", pp. 367-384, escvreve o seguinte:
(...) "o arranque económico da Europa foi largamente determinado, sobretudo no século XVIII, período de maior intensidade do tráfico de escravos, pela interconexão estabelecida entre a colonização da América e a utilização de escravos africanos na construção de novos espaços e de novas estruturas econonómicas" (p. 383).
A expressão "tráfico luso-africano" é dele, não é minha. É um artigo de leitura obrigatória... LG
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 17 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15260: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (2): "Que todos os que teuerem escrauos de Guinee os baptizem"... (Ordenações manuelinas, decreto de 1/1/1521)... Em busca do rei (cristão ?) de Guandem e Sará (Carta régia de 17/6/1603).
(**) Sobre as "ordenações manuelinas":
"(...) são três diferentes sistemas de preceitos jurídicos que compilaram a totalidade da legislação portuguesa, de 1512 ou 1513 a 1605. Fizeram parte do esforço do rei Manuel I de Portugal para adequar a administração no Reino ao enorme crescimento do Império Português na era dos descobrimentos. Consideradas como o primeiro corpo legislativo impresso no país
(,,,) , elas sucederam as pioneiras Ordenações Afonsinas, ainda manuscritas, e vigoraram até a publicação das Ordenações Filipinas (...) , durante a União Ibérica. Representam um importante marco na evolução do direito português, consolidado o papel do rei na administração da Justiça e afirmando a unidade nacional (...) " (Fonte: Wikipédia, com a devida vénia...).
Na Biblioteca Digital Nacional pode consultar-se, página a página (são 866!) a cópia pública, em formatop pdf, desta preciosidade bibliográfica.
2 comentários:
Naqueles tempos já se fazia a selecção pelos mais capazes ou menos capazes.
Agora era interessante, relacionar o que seria "enjeitar" em 1500, em 1800 ou em 2000.
Dicionário: rejeitar, não aceitar, repudiar.
Sem dicionário: Abandonar uma criança, um animal ou um idoso, Trancar as portas e janelas, solução final.
Na nossa incorporação militar antes de 1961, até um simples pé chato enjeitava o mancebo.
Por fim, ate quem não gastava um metro e quarta ia para artilharia.
Olá Camaradas
Este é mais um daqueles documentos que permite, a quem for intelectualmente honesto, ir começando a fazer uma ideia, mesmo vaga, do que eram aquelas terras (nem portuguesas!) naquele tempo. É certo que os tempos eram outros e as escalas de valores também, mas já naquele tempo existiam filósofos e pensadores de todas as origens que hoje ainda veneramos e, cujos conselhos poderiam ter sido seguidos.
Como o filme da História não se rebobina nem corrige é bom que se corrija o ideário. Mais vale tarde do que nunca.
Um Ab.
António J. P. Costa
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