Interior do Museu de Fitzwilliam, em Cambridge
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Novembro de 2016:
Queridos amigos,
Era o último dia, reservei para ele toda a energia disponível para percorrer jardins, voltar à King's College Chapel, percorrer horas a fio uma portentosa exposição em iluminura, nunca vi coisa com tal dimensão e grandiosidade, foi despedir-me dos colégios, sentei-me em frente à ponte de Silver State, andei a cheirar nas livrarias.
Há anos que uma semana não tinha uma dimensão de um mês, tal a diversidade de sítios, tal o comprazimento com a beatitude das formas, o agrado que permite visitar uma cidade universitária no início do ano letivo.
Despeço-me com saudade de Cambridge e um dia destes dou-vos notícia de uma nova viagem.
Um abraço do
Mário
Central London, em viagem low-cost (6)
Beja Santos
O viandante confessa que se está a despedir do seu leitor em estado de nostalgia, tivesse o dom da ubiquidade e neste exato momento passeava-se por Cambridge para rever o que tanto lhe agradou e procurar conhecer mais, a cidade universitária oferece muitíssimo. O que se vê neste estacionamento de bicicletas parece pura banalidade, mas atenda o leitor à profusão de mensagens apensas ao gradeado: concertos, espetáculos de toda a índole, conferências, troca de informações, por aqui se pode medir o pulso da vibração cultural entre exposições, récitas de teatro, apelos à solidariedade.
Todos os colégios têm cunho próprio, identificam-se por emblemas, o vestuário capricha pela sua própria simbologia, quem estuda em Peterhouse, Pembroke, Queens, Clare ou Christ’s tem a sua própria indumentária, os seus brasões. E há estabelecimentos comerciais para satisfazer a questão da identidade.
Esta região chama-se os Backs, ou seja, seis dos colégios mais antigos de Cambridge dão para o rio, possuem prados, jardins, são fundos com alamedas que permitem passeios de barco, de contemplar a magnífica arquitetura dos colégios. Na gíria turística, uma visita a Cambridge fica incompleta sem pôr o pé numa destas bateiras, muitas vezes conduzidas pelos alunos. Na primeira imagem desfruta-se uma vista do King’s College vizinho da mais esplendorosa capela que o viandante conhece.
Este é o Clare, o segundo colégio em, antiguidade de Cambridge, a sua ponte que liga para os Backs é magnífica, daqui também se pode avistar a fachada principal da King’s College Chapel.
O viandante sente-se atraído pelo colorido das bateiras, felizmente que uma nesga de sol modificou a paisagem, alterou as cores do rio Cam e dá perfeitamente para ver como o ambiente incita à contemplação, pega-se num livro e aqui se desfruta a natureza, é um aprazimento ouvir relógios e sinos, a cidade ganha mística, percebe-se como estes estudantes que acabam de chegar se sentem tão maravilhados pelo recolhimento e o vigor destes monumentos do passado ao serviço do presente e do futuro.
O museu mais importante de Cambridge chama-se Fitzwilliam, prende logo a atenção a solidez do edifício neoclássico com um vestíbulo magnificamente decorado. O seu património em coleções de arte é deveras impressionante. Para comemorar os 200 anos do museu, na altura em que o viandante por lá passou, decorria uma exposição sobre a arte e a ciência dos manuscritos iluminados, era um festival de iluminuras de incalculável valor. Estavam patentes manuscritos excecionais e o visitante tinha à sua disposição um itinerário entre os séculos XIII e XVII, percorrendo o Reino Unido, a Pérsia e o Nepal, e muito mais. Subestimamos a iluminura, há quem por ignorância a trate por arte decorativa. Ora estes manuscritos são as melhores fontes para estudar as técnicas da pintura, a arte do fabrico das cores, os materiais e poder estudar a história, usos e costumes, enfrentar uma dada realidade nestas belíssimas cores, como a imagem mostra.
Sim, Cambridge é uma cidade de colégios, onde prima a vida estudantil e afã cultural, mas o seu monumento número um é a King’s College Chapel, Henrique VI lançou a primeira pedra em 1441, as obras terminaram sete décadas depois, no reinado de Henrique VIII. Entra-se e fica-se aturdido com a sua abóbada em leque, nas paredes laterais há vitrais fabulosos construídos por flamengos e ingleses, a meio um grande órgão, e não se visita Cambrigde sem ouvir neste ambiente o coro juvenil do King’s, atenção a quem por ali viaja, habitualmente pelas seis da tarde tem-se entrada gratuita no ofício religioso, o viandante teve esse privilégio podendo estar constantemente a olhar o quadro “A adoração dos reis magos” por Rubens.
Acabou a viagem? A viagem nunca acaba, o viajante é que desanda para outras paragens. Nada como despedida desta viagem a Londres e Cambridge falando de uma exposição que estava patente na National Portrait Gallery sobre a presença dos negros na Grã-Bretanha antes de 1948, fixa-se esta imagem como se um menino dissesse ao outro: “Toma atenção pá, o que se vai passar nesta fotografia é uma coisa séria, ficarás para a posterioridade, alguém te recordará por teres ficado congelado no que vamos fazer”.
É assim um relato de viagem, como aqui se pretendeu fazer, deixei a minha saudade e aprazimento partilhando-os convosco.
Até à próxima.
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Nota do editor
Último poste da série de 15 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17141: Os nossos seres, saberes e lazeres (203): Central London, em viagem low-cost (5) (Mário Beja Santos)
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