sexta-feira, 7 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17555: Serviço Postal Militar (SPM): o aerograma... multiusos: da simples correspondência postal ao marketing político, comercial, religioso e... artístico... Continuo a guardar quase todos os aerogramas e cartas que enviei aos meus pais... Talvez a pensar nos meus netos... (Belarmino Sardinha, ex-1º cabo radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74)






Um exemplo de como o famoso aerograma, nascido em 1961 no seio do Movimento Nacional Feminino, podia ter (ainda tem...) múltiplos usos, para além da sua função principal que era facilitar a correspondência postal entre os militares mobilizados para o ultramar e as suas famílias e amigos.

Fotos: © Belarmino Sardinha (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 4 do corrente, de  Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74),

Boa tarde Luís e Carlos,

Lembrei-me de escrever isto e enviar-vos. Como estamos a falar de SPM (*), aproveito para vos lembrar de um anterior texto que enviei e foi publicado. Tratava-se de um aerograma que recebi na Guiné, enviado por alguém de uma religião, sem que eu soubesse quem, com palavras de conforto ao mesmo tempo que procurava catequizar-me para a causa (**).

Além dos aerogramas de familiares e amigos havia estes e eventualmente outros.

E como de aerogramas se fala, aproveito para vos apresentar um trabalho cujo catálogo foi inspirado no correio aéreo (aerograma) dos militares em serviço, à data, nas províncias ultramarinas, que me foi entregue num almoço da Tabanca do Centro e que eu guardei por achar interessante. Trata-se de uma escultura levada a efeito por Nuno Sousa Vieira e Rita Gaspar em Novembro de 2004, a convite da Câmara Municipal de Leiria, cujo presidente da Câmara foi também militar na Guiné, trabalho esse que pretende homenagear o papel da mulher no contexto da guerra.

Falo agora dos aerogramas por mim enviados. O conteúdo nunca manifestou qualquer interesse, ao contrário de alguns camaradas que já aqui publicaram, eu nunca falei sobre as condições que tinha ou aquilo que fazia ou o que se passava, limitava-me a perguntar como era o estado de saúde dos meus pais e referindo que a minha saúde ia bem como sempre, lamentava a falta de assunto e lembrava que o mais importante era a passagem do tempo.

Desconheço se a censura era apertada ou não sobre este tipo de correio. Já com o correio pago, carta, posso dizer que uma vez dei por haver algo estranho, umas fotos que enviei nunca chegaram, mas foram caso único e desconheço a razão, suspeito, mas nunca consegui apurar a verdadeira causa. Quanto à circulação do correio, em termos de tempo, aerogramas ou cartas, sempre me pareceram normais, havia alguma demora apenas quando mudava de SPM.

Continuo a guardar quase todos os aerogramas e cartas que enviei aos meus pais. Por mais que uma vez estive tentado a deitá-los fora, mas depois dá-me um remoque e acabam por ficar, talvez a pensar que os netos poderão interessar-se e gostar de saber o que se passou, não com o avô, mas sobre a história do País, aquela que parece quererem apagar ou esquecer. Mas mesmo mantendo tudo interrogo-me, valerá a pena?

Enfim, quem cá ficar que decida o que fazer com estes papéis.

Belarmino Sardinha
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Leiria > O projeto SPM, dos artistas plásticos Nuno Sousa Vieira e Rita Gaspar Veira, com apoio da Liga dos Combatentes .- Núcleo de Leiria e Junta de Freguesia de Leiria
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Prezado Jovem

Que neste momento, quando receber este aero, esteja de boa saúde junto dos seus amigos, são os nossos votos. 

Somos como já deve saber, pelo carimbo que está na parte de fora, “O Correio Áureo”.
O Correio Áureo é um departamento das Assembleias de Deus, formado por dezenas de jovens que pretendem que os militares possam receber através do serviço de correspondência, apoio moral, revistas “Novas de Alegria” e “Caminhos”, literatura, Bíblias, Novos Testamentos etc.
A criação deste departamento foi ideia de um furriel miliciano, membro da Assembleia de Deus de Lisboa, quando prestava a sua comissão na província da Guiné. 

A missão do “Correio Áureo” é além de tudo, a de edificar espiritualmente os militares incrédulos. Isto é, aqueles que ainda não andam neste maravilhoso caminho. 

Talvez o jovem esteja agora a pensar a que caminho eu me estou a referir. (...)

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Belarmino: aqui tens o teu valioso contributo para o nosso blogue, que é já um museu vivo de memórias da guerra colonial, uma importante fonte de informação e conhecimento sobre a história de uma geração que soube fazer a guerra e a paz...

O título do poste procura interpretar a ideia que tu sugeres, do aerograma "multiusos": a TAP e outras empresas que patrocinavam a edição e distribuição do aerograma faziam a sua publicidade comercial (já nessa altura não havia almoços grátis...), o MNF cumpria a sua "missão patriótica" , etc. E deve ter havido outros usos do aerograma, como aquele que recebeste da Assembleia de Deus da Cova da Piedade que estive a reler e que acho uma delícia... E fizeste bem em guardar o "aerograma" dos jovens artistas plásticos de Leiria...

Quanto à tua correspondência do tempo da Guiné, é uma decisão ajuizada: deves guardá-la a pensar nos teus netos e bisnetos...A pensar também em ti!... As tuas cartas e aerogramas falarão sempre por ti e de ti e dos teus pais, independentemente do seu "interesse literário"...Têm interesse sentimental, documental, linguístico, biográfico, etc. Tu, que trabalhaste na SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), sabes do que é que falo... São documentos escritos em português do início dos anos 70!... Alguém se poderá vir a interessar pelas tuas cartas e aerogramas daqui a 50 ou 100 anos... Temos valorizado este material: vê as cartas de amor e guerra, do Manuel Joaquim (e companheira), que já publicámos... E de outros camaradas, que não vou agora citar.

Repara, os arquivos do país tinham, até há poucos anos, meia dúzia de cartas da I Guerra Mundial!.. E que pena tenho eu hoje de não ter as cartas que o meu pai escrevia de Cabo Verde à sua namorada, mais tarde sua esposa e minha mãe... Perderam-se na voragem do tempo, perderam-se por incúria nossa...

Em último caso podes oferecê-las ao Arquivo Histórico Militar, à Faculdade de Letras, à Torre do Tombo... Mas, por favor, não as destruas...Em última análise, terão sempre para ti e família um valor sentimental...

Temos que passar esta mensagem aos nossos camaradas, amigos, familiares, etc. que ainda hoje conservam cartas e aerogramas do tempo da guerra colonial (,mas também da emigração, da diáspora, do exílio, da prisão...), para que não deitem nada fora...

Um abraço fraterno do Luís


PS - Está atento, tu e o Pinto Carvalho, à festa da Ventosa, Lourinhã, que costuma ser em Agosto... Uma das noites o prato forte é o "peixe seco"... Esta segunda feira passada perdi o melhor "peixe seco" do concelho, que é o da Marquiteira, terra do meu amigo, camarada e primo Rogério Gomes... Não pude ficar lá nesse fim de semana... Tens que organizar aí uma excursão, com o Pinto Carvalho, o Jorge Narciso, e quiçá o Geada... A esta "noitada de peixe seco" costuma ir um grupo de camaradas da Lourinhã, e o Pinto de Carvalho também costuma alinhar... Vamos estar atentos. Eu, pessoalmente, gostava de ajudar a criar a confraria do peixe seco... É já um produto "gourmet", era a a comida dos pobres no inverno, no Oeste, tal como as "sopas dos ganhões" no baixo Alentejo... Hoje é comida "fina"!...

Juvenal Amado disse...

Belarmino

Antes de ir para a tropa também me quiseram catequizar até com a promessa que se pertence-se há congregação nem para a tropa iria. Bem nem com isso me convenceram como foi bom de ver.
Quanto ao desaparecimento de cartas com fotos também tenho ideia de me ter acontecido, já aerogramas até recebi um com 20$00 lá dentro que uma tia me mandou.

Um abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nunca tinha reparado nessa notinha de rodapé no aerograma:

"A TAP concede descontos e facilidades do pagamento nas passagens de avião entre o Ultramar e a Metrópole para os militares em serviço no Ultramar. Consulte os escritórios da TAP: Bissau (...), Luanda (...), Beira (...), Lourenço Marques (...)".

Hoje diríamos que era publicidade encapotada, a pretexto de uma "missão patriótica"... De facto, já nessa altura não havia almoços grátis...


Sabemos que,além da TAP, outras empresas apoiavam e patrocinavam esta iniciativa do Movimento Nacional Feminino:

Banco de Angola
Estaleiros Navais de Viana do Castelo
José Manuel Bordalo
A Lusitânia
Companhia Portuguesa de Pesca
Manuel Rodrigues Lago
Sacor
Cidla
Companhia Colonial de Navegação
Sociedade Central de Cervejas
Banco Borges e Irmão
Sociedade Concessionária da Doca de Pesca...

Algumas delas, segundo os investigadores Eduardo e Luís Barreiros (que escreveram a história do SPM), "tiveram frases publicitárias impressas, logo nas primeiras emissões de aerogramas editados pela Orbis. Esta publicidade, repetiu-se nos aerogramas editados em Agosto de 1962, Janeiro de 1964, Setembro de 1965 e Julho de 1966."

Direta ou indiretamente estas empresas estavam ligadas ao "esforço de guerra" ou tinham interesses nos territórios ultramarinos...

Já agora seria interessante que aparecessem testemunhos de camaradas nossos a confirmara que vieram de férias à metrópole com "descontos e facilidades de pagamento nas passagens de avião", concedidas pela TAP (que tinha o monopólio do negócio e que estava interessada em andar com os aviões cheias, para lá e para cá...).

Anónimo disse...

Juvenal, era "expressamente proibido incluir qualquer obje(c)to ou documento" no aerograma...

Como era proibido...

colher flores nos jardins públicos
ou mijar na rua
ou dar comida aos pombos
ou ouvir a Rádio Argel
ou cuspir no chão
ou fazer um manguito ao Venerando Chefe do estado
ou ir para a cama com o namorado/a namorada
ou atravessar a linha de comboio sem primeiro "parar, escutar, olhar",
ou acender o cigarro com isqueiro sem licença,
ou comer carne à Sexta Feira Santa,
ou a mulher casada viajar para o estrangeiro sem a autorização do marido
ou a enfermeira casar (até 1963...)
ou a mulher usar biquini na praia
ou abortar
ou alegar obje(c)ção de consciência para não ir para a tropa
ou matar o próximo
ou a cobiçar a mulher alheia
ou a roubaros pobres...

... e que mais ? Gostava um dia de ter a lista completa das proibições que estavanm em vigpr no tempo e no espaço que nascemos, tu e eu...

Fica bem, em paz... Luís Graça

Anónimo disse...

Luís,
Obrigado pelos teus comentários e apreço sobre os aerogramas. Custa-me sempre destruir aquilo de que gosto, deixei de comprar algumas revistas que considerava interessantes porque depois não queria desfazer-me delas e o espaço...

Compreendo o que dizes e espero que alguém depois de mim saiba valorizar a razão pela qual guardo.

Quanto ao peixe seco espero alinhar com o Pinto Carvalho e o Jorge Narciso, que vejo menos, mas tenho que procurar falar com ambos, contudo isso não te isenta de teres de estar presente quando combinarmos. Pena já ter passado o dia do melhor peixe seco. Confesso que nunca provei, sei da sua existência, mas é para mim uma novidade o sabor.

Um abraço,
BS

Valdemar Silva disse...

Também era proibido:

uma mulher casada comprar um carro sem autorização do marido*
dar um 'Viva a República'
entrar numa Repartição Pública com chapéu, boina ou boné
chamar 'Diabos Vermelhos' à equipa da Benfica
vender Coca Cola
e, anedoticamente, enxertar uma oliveira com uma cerejeira por poder dar limoeiro.

até parecia que era proibido não ser proibido.

Cumprimentos
Valdemar Queiroz

* presenciei a situação caricata de um senhor oferecer um carro a uma menina e como
ela queria ter o carro em seu nome o marido teve de dar autorização.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Anedota ou não, era proibido, na função pública, usar tinta vermelha, quando muito podia usar-se a tinta de cor carmesim...

Era proibido uma mulher fumar em pública (o cigarro estava associado a "mulher da má vida")...

Era proibido (, lembrou esta manhã em Fânzeres, na Tabanca dos Melros, a Dina Vinhal) os namorados terem manifestações de carinho em público (e nomeadamente beijaram-se)...

Era proibido uma mulher entrar na igreja sem véu...

Era proibido um homem chorar...

Era proibido uma mulher usar calças...

Era proibido o divórcio (em caso de casamento católico)...

Era proibido uma mulher ser juiz...

Anónimo disse...

Parece-me que há derrapagens de memória na história do era proibido.Nomeadamente na questão dos beijos.Mas enfim.
J.Dias

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Tamos a confundir aquilo que era proibido (legalmente) (como é o caso da portaria d CML que proibia a coisa na mão e a mão na coisa"), com aquilo que se convencionava ser proibido O homem chora e a mulher usar calças ou fumar em público).
Mas era giro fazer um levantamento destas proibições.
Vai um questionário em 6 perguntas, daqueles do costume?
Ou um simples levantamento para quem se lembrar?

Um Ab. e bom domingo
António J. P. Costa

Henrique Cerqueira disse...

A proibição mais engraçada na altura e a meu ver era:
No tempo de Salazar foi criada uma "taxa?" para quem usasse isqueiro para fumar.E então a proibição dizia mais ao menos que: Só era permitido usar isqueiro sem pagamento de taxa desde que fosse "DEBAIXO DE TELHA"ou seja se subentendia que dentro de casa ou afins.Vai daí a malta mais afoita passou a andar com um caco de telha no bolso e sempre que usava o isqueiro na via pública o fazia com a telha por cima.Penso que muitos ainda se lembrarão dessa proibição.
Um abraço.
Henrique Cerqueira