Empada - José Teixeira escrevendo
1. Em mensagem do dia 29 de Junho de 2017, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos as duas primeiras "Cartas de amor e paz em tempo de guerra", série que esperamos seja continuada.
Meus caros amigos editores:
Junto mais um texto com um tema novo e pouco trabalhado – Cartas de amor.
Espero que gostem.
Abraço do
Zé Teixeira
Guiné > Bissau > 29 de dezembro de 1971 > Chegada do T/T Niassa. Foto do ex-al mil, António Sá Fernandes, CART 3521 (Piche) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão) (1971/73). |
1 - Barco Niassa, 5 de maio de 1968
Minha querida
Pára! Senta-te no sofá e procura concentrar-te em mim, pois neste momento, eu, o teu amor, estou junto a ti, de alma e coração, na amurada do Niassa.
A minha maior preocupação é saber como estás. Calculo que tiveste de fazer um enorme esforço para voltares a ti, já que a minha partida para a Guiné te desorientou. Conheço-te o suficiente para avaliar o teu sofrimento. Creio que tu sofreste mais, com a minha partida, que propriamente eu.
Agora confia na tua força de vontade para voltares a ser, tal como és: alegre, comunicativa, sempre bem-disposta, com Fé em Deus, que te diz que o teu amor voltará, disposto a amar-te ainda mais. Voltarei para construirmos o nosso futuro em felicidade.
Parto para esta guerra confiado no amor que me dedicas e essa confiança será o meu alento para as lutas na Guiné. Neste momento sinto mais medo da luta que terei de travar comigo mesmo que propriamente da guerra que terei de fazer, ou seja, a luta contra os bandoleiros que infestam a Província. Conto com a tua ajuda moral e sobretudo espiritual para vencer todas as batalhas que terei de travar para bem do nosso futuro. Deste modo, com a tua ajuda, daqui a vinte meses, estarei junto a ti, com Missão Cumprida, para não mais me afastar.
Sabes! Estou contente comigo mesmo. Não contava com tanta resistência de minha parte, na despedida. Parti confiante. Os únicos momentos em que vacilei, foi quando me despedi da minha mãe. As lágrimas teimavam em descer pela face, mas consegui segurar-me. Também me custou separar-me de ti. Ainda estou a ver-te sentada no cais de Campanhã a dizer-me adeus, com o teu sorriso de dor e coração apertado.
Não sei como classificar esta viagem em que vamos metidos num porão enorme, como animais para o matadouro. São centenas e centenas de jovens de olhar perdido e estômago revoltado. O cheiro a vómito é abafador, tal como calor que nos persegue dia e noite.
Quinta feira ao fim da tarde sentia uma grande dor de cabeça. Havia algo dentro de mim que não estava bem. Faltava-me a tua presença, sempre querida. Isolei-me na proa do barco, no meio de centenas de camaradas. Então tu apareceste através do telegrama que recebi com a tua mensagem de amor. Não calculas quanto me soube a tua presença ali a meu lado. Como adivinhaste que eu precisava de ti? Sabes, o telegrama veio na hora certa.
As viagens marítimas são formidáveis, mesmo num barco carregado com cerca de mil e oitocentos homens. O ambiente por vezes até parece um arraial minhoto. Muitos encostam-se à amurada e espraiam o olhar no vazio dos céus e mar que nos rodeia. De algum modo estou gostando e espero repeti-lo dentro de vinte meses no sentido inverso. Aí, sim, cantaremos de alegria.
Dizem que estamos a chegar, mas sei que não vou desembarcar hoje, Domingo, em Bissau. Dizem que vamos partir noutro barco e desembarcar algures nas margens do Rio Cacheu. Conto desembarcar com o pé direito, sem foguetes ou balas a assobiar por cima da cabeça.
Confiado no grande amor que me dedicas, fico-me por aqui, com desejos que te encontres bem, na companhia da tua família.
Recebe um grande abraço e muitas saudades do que te quer de alma e coração.
Teu Jorge.
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2 - Bissau, Niassa, 7 de maio 1968
É meia noite. Como ainda não desembarquei, vou escrever mais um pouco, enquanto o Vítor não desembarca. Pedi-lhe para levar esta carta com ele para pôr no correio.
Está um calor sufocante e uma barafunda enorme. Malas, sacos, embrulhos, homens aos magotes desnorteados. Ordens e contra ordens. Tudo anda aos trambolhões na proa do barco. A minha Companhia deve desembarcar amanhã de manhã para uma lancha e subir o Cacheu.
Minha querida:
Só agora, longe de ti, em terras que não conheço, sinto bem quanto te amo. Não calculas quanto tenho sofrido nestes dois últimos dias. Como vou eu aguentar cerca de dois anos sem te ver, sem a tua presença?
Éramos tão felizes, mas a felicidade não pode durar sempre.
Desculpa este desabafo. Apetece-me chorar. Mas não. Um homem nunca chora.
Um grande abraço e um grande beijo deste que te ama com todo o coração.
Teu Jorge.
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2 comentários:
São as grandes cartas de amor de quase todos nós. Enobrecem nossas vidas, enriquecem o blogue. Salvé, Zé Teixeira!
António Graça de Abreu
Zé: é mais uma partilha generosa, as tuas cartas de amor, depois do teu diário. Só temos as cartas que escreveste à tua Armanda, as que recebeste ter-se-ão perdido, presumo. Não te conhecia por Jorge... Mas deixa-me dizer-te que o simples facto de as publicares no blogue é um ato de coragem, de camaradagem e sobretudo de amor, é uma declaração pública de amor à tua companheira de uma vida. E que maturidade já revelavas tu nessa época, em 1968!
Estou sensibilizado pelo teu gesto de partilha! Não te posso responder com a mesma moeda, pela simples razão que, nesse tempo e lugar, eu não escrevia, nem cartas nem aerogramas, muito menos cartas de amor...
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