terça-feira, 10 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17844: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (7): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (continuação) (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)


1. Continuação da publicação das "Memórias Revividas" com a recente visita do nosso camarada António Acílio Azevedo (ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72, Bula e da CCAÇ 17, Binar, 1973/74) à Guiné-Bissau, trabalho que relata os momentos mais importantes dessa jornada de saudade àquele país irmão.

AS MINHAS MEMÓRIAS, REVIVIDAS COM A VISITA QUE EFECTUEI À GUINÉ-BISSAU ENTRE OS DIAS 30 DE MARÇO E 7 DE ABRIL DE 2017

AS DESLOCAÇÕES PELO INTERIOR DA GUINÉ-BISSAU (7)

5º DIA: DIA 03 DE ABRIL DE 2017 - BISSAU, SAFIM, BULA, BINAR E BISSORà
(Continuação)

BISSORÃ

Deixámos Binar para trás e encaminhámo-nos para a cidade de Bissorã, localizada cerca de 30 quilómetros para nascente, através de uma boa estrada, quase sempre plana e asfaltada, dando continuidade ao troço rodoviário que já tínhamos percorrido de Bula a Binar, ambos rodeados de grandes áreas florestais.

À entrada desta localidade, passámos por uma construção que já existia em 1973/1974 e que eu já conhecia, que com uma área coberta de cerca de 20 metros quadrados e aberta lateralmente, funcionava e continua a funcionar como Matadouro, conforme aliás se pode confirmar pela inscrição dessa palavra, em letras maiúsculas, sob o beiral do telhado, sendo neste local situado nas margens de um pequeno rio, que os seus habitantes matam ou mandam matar algum do seu gado que serve para a sua alimentação e que livremente passeia por todo o lado, como muitas vezes o pudemos verificar.

Foto 68 - Bissorã (Guiné-Bissau): Edifício, designado por Matadouro, conforme se pode ler na parte inferior do telhado e localizado à entrada da cidade, de quem vem de Binar, e local onde abatiam o gado, para alimentação

A maior curiosidade que ali se mostra e que pudemos confirmar no regresso por Binar, prende-se com o facto de depois do gado abatido e limpo, os proprietários das rezes, deixarem ali as vísceras, mas que ali páram pouco tempo, pois os jagudis (aves de rapina que muito abundam por todo o espaço da Guiné), se encarregam de fazer desaparecer em pouco tempo.

Chegados a Bissorã, cerca do meio-dia, localidade onde se fazia sentir uma temperatura bastante elevada, logo nos dirigimos para um agrupamento de escolas que se encontra à entrada da pequena cidade e destino previamente selecionado para a entrega de material escolar que levávamos.

Acolhidos neste espaço escolar pelo respectivo director, por alguns professores e por um grupo de alunos, fomos encaminhados para uma das salas onde fizemos a entrega desse material, enchendo de contentamento todas aquelas pessoas que, de uma forma muito cordial, nos receberam.

Material entregue, despedidas feitas, caminhámos a pé em direcção ao edifício da Administração de Bissorã, o mesmo da época colonial, onde fomos recebidos pela Senhor Secretário do Executivo, que nos informou ter o Senhor Administrador ido a Bissau em missão de trabalho.

Deu-nos as boas-vindas numa das salas do edifício, onde eram evidentes alguns sinais de degradação, fazendo-se acompanhar por dois outros colegas do mesmo executivo, que connosco dialogaram durante alguns minutos e agradecendo não só a nossa presença, mas também as ofertas que tínhamos deixado ao Director do Agrupamento das Escolas de Bissorã, que terá cerca de 750 alunos inscritos.

Foto 69 - Bissorã (Guiné-Bissau): Os colegas Vitorino e Isidro, entregando material escolar ao Director da Escola local, na presença de alguns dos seus alunos

Terminada a apresentação de cumprimentos e acompanhados por um membro da Administração, encaminhámo-nos para o Centro Médico local, distanciado da Administração cerca de 100 metros, onde fomos recebidos pelo responsável clínico, que se fazia acompanhar por dois enfermeiros, a quem fomos entregar um conjunto de material de primeiros socorros e medicamentos, atitude que muito os sensibilizou, dadas as carências que dizem sentir no seu trabalho diário.

O médico director, sensibilizado pela oferta recebida, transmitiu-nos o seu agradecimento e da equipa que chefia, pois as dificuldades que sentem no dia-a-dia são enormes e muito difíceis de ultrapassar, nesta pequena cidade do interior da Guiné e que em tempos recuados, chegou a ser uma urbe próspera e muito activa nas áreas do comércio, da agricultura e da pesca.

Tal como noutras localidades que visitámos, são evidentes por quase toda a Guiné-Bissau, os sinais de uma pobreza mais acentuada nalguns lugares, como aqui em Bissorã, bem traduzidos no mau estado de conservação da maioria dos antigos prédios da era colonial, que se encontram com sinais muito acentuados de degradação, talvez motivada por razões políticas, levadas a efeito pelos novos dirigentes guineenses, mal preparados para receberem o que os portugueses lá tinham deixado e entregue “de mão beijada” e de que talvez passados anos se tenham arrependido por terem feito essa infeliz opção.

Fazendo uma retrospectiva daquilo que conheci há cerca de 43 anos e o que agora vi, diria que Bissorã, tal como aconteceu noutras povoações da Guiné-Bissau, regrediu e regressou a épocas anteriores à intervenção dos portugueses na denominada “guerra colonial”.

Foto 70 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino entregando diverso material de saúde a um médico e dois enfermeiros, do Centro de Saúde local

Foto 71 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino em frente à antiga Messe dos Oficiais Bissorã

Foto 72 - (Guiné-Bissau): Instalações do Tribunal Provincial de Norte, sediado num antigo edifício comercial, do tempo colonial

Foto 73 - Bissorã (Guiné-Bissau): Entrega de bolas de futebol aos dirigentes do Sporting Clube de Bissorã 

Foto 74 - Bissorã (Guiné-Bissau): O colega Vitorino e um elemento da Administração local, junto a memorial que recorda a presença por aquelas paragens da Companhia de Artilharia 1525 (CART 1525)

Concluídas estas visitas de trabalho, direccionámos os nossos passos para um pequeno e muito modesto restaurante local, onde, depois de contacto prévio, fomos almoçar um peixe da região, acompanhado por batata e salada e que “afogámos” com umas cervejas fresquinhas, pois tal como atrás referi, estávamos perante um dia de muito calor.

Terminado o almoço e como o calor era ainda muito, resolvemos descansar numa área onde existiam muitas árvores, principalmente cajueiros, aproveitando para tentarmos localizar a antiga pista de aviação da localidade que, além de estar quase toda tapada por vegetação que por ali foi crescendo, parte dela também foi ocupada pela construção de um pequeno armazém, que se dedica ao tratamento da castanha de caju, que nesta zona se desenvolve com grande abundância.

Pouco depois deixámos Bissorã, decidindo regressar a Bissau, não sem que pelo caminho fizéssemos um desvio para visitarmos a pequena aldeia do Biambe, em cuja Escola também fomos entregar algum material escolar e uma bola de futebol.

Ao lá chegarmos, todos nós ficamos algo impressionados com o facto de uma das salas de aulas dessa Escola funcionar num antigo abrigo subterrâneo das nossas antigas tropas estacionadas naquele lugar, pela simples razão de um edifício escolar ali existente só ter duas salas de aula, espaço insuficiente para albergar o número de alunos, em idade escolar do Biambe.

Esta pequena aldeia do Biambe, bastante populosa, fica situada, sensivelmente a meia distância, entre Binar e Bissorã, numa zona de grande vegetação.

Vejam pois as carências que ainda continuam a existir por terras guineenses, realidade que me leva a colocar a seguinte questão: Se no Biambe, até este espaço construído e deixado pelos portugueses, foi aproveitado para sala de aulas, porque será que não fizeram o mesmo em muitos outros edifícios, com muitas melhores condições, espalhados por toda a Guiné?!

Com muita simpatia, fomos recebidos pelo Director da Escola, que nos informou que a povoação do Biambe possui muita gente jovem, ainda em idade escolar, afirmação que muito nos surpreendeu, atendendo ao facto de ela se localizar um pouco afastada de outras zonas habitacionais de maior dimensão geográfica e populacional, mas que mesmo assim tem cerca de 100 alunos, distribuídos pelas três salas de aula, que acima referi.

São realidades como esta que nos levam a pensar e a tentar ajuizar sobre as grandes injustiças que o mundo actual nos apresenta, justificando, se calhar o velho ditado “todos iguais, mas todos diferentes”. Pobre mundo, para onde caminhas?!

Foto 75 - Biambe (Guiné-Bissau): Visita a uma escola que funciona num antigo abrigo subterrâneo das tropas portuguesas, no tempo da Guerra do Ultramar e onde entregámos algum material escolar e bolas de futebol. Sintam a vontade destes miúdos em aprender, ainda que em condições bem adversas.

Efectuada esta visita ao Biambe, de que muito gostei, dada a simpatia e nobreza das suas gentes, sediadas em zona algo afastada de outras povoações, regressámos a Bissau, não sem que antes nos detivéssemos em Bula, a fim de visitarmos as instalações do antigo quartel, onde no meu tempo esteve estacionado o Batalhão 8320/72, de que, tal como atrás refiro, comandei temporariamente a 1.ª Companhia, sediada inicialmente na povoação de Pete e mais tarde em Nhamate.

Foi para mim uma enorme desilusão ver o estado lamentável de destruição em que encontrámos o antigo quartel de Bula, localidade onde, naquele tempo, além do Batalhão 8320/72, estavam também ali estacionados, a Companhia Independente 8353/73 e um Pelotão de Panhards, sendo ali também o local de grande permanência da Companhia de Comandos Africanos, chefiada pelo então Alferes Marcelino da Mata.

No local onde existiu a Porta de Armas, localiza-se agora uma pequena construção onde se instalou um pequeno Corpo de Polícia de Segurança Pública, mas onde são bem evidentes carências de toda a ordem, já que nem uma viatura possuem para efectuarem deslocações em serviço.

Terminada esta visita, regressámos à nossa “base” em Bissau, localizada no Aparthotel Machado, para tomarmos um refrescante duche e depois jantarmos, porque, pelo menos, o apetite não o perdemos.

Seguem-se mais umas fotos do interior do antigo quartel de Bula.

Foto 76 - Bula (Guiné-Bissau): Visitas às arruinadas instalações do antigo Quartel de Bula, onde o Rebola e o Azevedo, estão acompanhados por uma agente e um agente do Corpo Policial que está ali instalado num pequeno edifício

Foto 77 - Bula (Guiné-Bissau): Outra imagem do interior do quartel, onde apareço eu e o Rebola, e o Vitorino à esquerda, com 2 agentes policiais locais, vendo-se em segundo plano alguns dos degradados edifícios do antigo quartel

Fotos: © A. Acílio Azevedo

(Continua)
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Nota do editor CV

Último poste da série de 6 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17827: As memórias revividas com a visita à Guiné-Bissau, que efectuei entre os dias 30 de Março e 7 de Abril de 2017 (6): 5.º Dia: Bissau, Safim, Bula, Binar e Bissorã (António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil)

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