1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Julho de 2017:
Queridos amigos,
Em companha, com tantas vontades à solta, há que negociar o consenso para os itinerários. Há aqueles que se sentem afoitos para grandes passeios pedestres, todos querem dar uma saltada até Glasgow, há lá coisa preciosas para ver, desde a Coleção Bute, uma exposição sobre caricatura francesas do século XIX com destaque para Honoré Daumier e até para ver uma aguarela de Turner recentemente descoberta; imperou uma maioria que tinha sugerido abadias e mosteiros, Glasgow ficaria para mais tarde.
E todos se regalaram, e no regresso a Moffat começou a aventura de entrar nos seus segredos, nessa tarde muito se comprou nas chamadas lojas de beneficência, gravatas, cd's, livros e algo mais.
Ameaçava chover mas não choveu.
Amanhã a companha continuará a peregrinação interior.
Um abraço do
Mário
Passeio por uma grande abadia em ruínas, voyeurismo em Moffat (4)
Beja Santos
Continuamos no Sul da Escócia, daqui só se sairá para ir à região de Manchester e depois tomar o avião, ainda falta tempo. O viandante e companha decidem um passeio para se embrenharem no património histórico da região, a escolha mais importante recai sobre Jedburgh Abbey, uma jóia cisterciense, de dimensões impressionantes. Por diferentes títulos, foi um dia inesquecível. Algures, pediu-se para parar o carro, quis-se homenagear este soldado da I Guerra Mundial. Tem sido dito à saciedade que não há lugarejo em toda a Grã-Bretanha em que não se agradeça o dever cumprido, a morte nas trincheiras ou nos mares e até nos ares, aquela guerra inconcebível cujos generais, de todas as fações, prometiam a vitória em semanas. Enganaram-se, mas o mundo mudou, democratizou-se, houve crises avassaladoras, totalitarismo e autoritarismo ameaçaram as democracias. Mas esta gratidão permanece, um século depois, o viandante impressiona-se em todas as circunstâncias, por ali andou à volta até encontrar um ângulo feliz, de acordo com as suas preferências e do céu baço. Mantém-te firme no teu serviço, nobre soldado.
Não há viajante que percorra a Grã-Bretanha fora dos grandes circuitos turísticos e que não se interrogue com tanto monumento destruído, derruído, um verdadeiro abandono. Diferentes coisas aconteceram. A mais grave foi no reinado de Henrique VIII, na rutura com Roma porque o Papa não aceitava a anulação do casamento com Catarina de Aragão, deu-se a nacionalização de todo o património conventual e monástico, desapareceram riquezas incalculáveis, algumas foram postas a recato e vendidas no estrangeiro. Temos sinais dessas vendas no Museu Nacional de Arte Antiga, com alabastros preciosíssimos de Nottingham, há mesmo paramentos ingleses no museu da Igreja Matriz de Ponta Delgada. O viandante visitou na região de Leeds Kirkstall Abbey, uma jóia da arquitetura cisterciense, de 1152, nos dias de sol por aqui andam as famílias a desfrutar este belo panorama.
Kirkstall Abbey, na região de Leeds
Sweetheart Abbey, na região de Dumfries e Galloway, não foram só as guerras religiosas que conduziram a estas destruições, estamos numa ampla área em que houve guerras entre ingleses e escoceses, os conventos e mosteiros iam perdendo gente, foram votados ao abandono. Irão reganhar interesse com o romantismo. Mas isso é uma história que precisa de muitos complementos.
Aqui está Jedburgh Abbey, imensa e ainda altaneira, mostrando o românico e o gótico da mais fidelidade. Pois é dentro de uma igreja enorme que um aristocrata do século XIX pediu para lhe porem o túmulo, está protegido por uma cripta. O viandante contempla por todos os ângulos a grandeza e vale a pena dizê-lo o esplendor arquitetónico, dá para imaginar como seriam as portas, os vitrais, o coro, o sumptuoso altar. É o que há, cada um reconstitui esse esplendor de outrora conforme pode, há mesmo o auxílio de um vídeo que ajuda a compreender como vibrou aqui o passado.
Passeou-se demoradamente em todos os sentidos, há vestígios da vida monacal, da sua sala de capítulo, dos quartos, dos refeitórios. E há depois este lindo cemitério, indiferente ao bulício da estrada que passa bem perto. Chegara a hora de amesendar, entrou-se num restaurante e pediu-se empada do pastor, nome campestre para um bom puré de batata recheado de carne picada. Comida apaladada, regressou-se a Moffat de barriga cheia.
O Star Hotel vem no Guiness, é o hotel mais estreito do mundo, o que não tem em largura é dado pelo comprimento, tem muito boa comida, aqui se pode manjar os pratos tradicionais da Escócia. Atenda-se à segunda imagem para ver a extensão que ninguém pode suspeitar quando contempla a fachada. Vamos continuar o passeio.
No velho cemitério de Moffat está sepultado alguém que contribuiu para mudar o curso do mundo, na mobilidade dos transportes, o engenheiro John Loudon Mc Adam inventou a macadamização, com brita e gravilha nas estradas, tudo ficou mais consistente, as viagens mais rápidas e seguras. Como a imaginação anda por onde quer, lembrei-me, tinha eu sete anos, de ver rasgar a quinta do Visconde de Alvalade para abrir a Avenida dos Estados Unidos da América entre a Avenida de Roma e o Campo Grande, usou-se a técnica de Mc Adam, inicialmente, aplainado o solo, jogaram por cima muita gravilha e o caterpillar deu a consistência necessária. Mais tarde veio o alcatrão.
Amanhã prosseguimos à descoberta de Moffat.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17824: Os nossos seres, saberes e lazeres (232): Em Moffat, no coração do Sul da Escócia, a explorar os arredores (3) (Mário Beja Santos)
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