sábado, 28 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18573: (De)Caras (107): A minha guerra: o 'burro do mato' e como saí daqui vivo... Canquelifá, 3 de fevereiro de 1971 (Francsco Palma, ex-sold cond auto, CCAV 2748, 1970/72)


Guiné > Região de Gabu > Cnaquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O Unimog 411 ("burrinho do mato"), depois da explosão da mina A/C, em 16 de abril de 1972.

Foto (e legenda): © Francisco Palma (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Francisco Palma (ex-soldado condutor auto rodas, CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72):

Data: 27 de março de 2018 às 08:56

Assunto: A minha guerra: o burro do mato e como saí daqui vivo. Memórias da minha estadia nas termas de Canquelifá (1970-72)

Canquelifá. Guiné, 3 de fevereiro de 1971

No seguimento do meu relato sobre o ocorrido em 2 de Fevereiro de 1971 (*),  após uma noite horrível de forte ataque directo cerca das 2 horas, ao arame farpado por cerca de 150 tropas IN, onde ficaram mortos o "Comandante" e seu adjunto,  a cerca de 30 metros do aramado, e tendo soado que o IN tinha sofrido cerca de 30 baixas, seguido de ataque com mais quatro mísseis (foguetões 122),  cerca das 4h,  logo que rompeu a luz do dia,  saíram 3 grupos operacionais (1 da CCAV 2748 e 2 da CART 3332),  bem como 2 condutores, onde me inclui, e um Cabo mecânico, como voluntários, para bater,  em linha e posição de fogo, a retirada das tropas inimigas (turras), até perto da fronteira com o Senegal, 

Apesar do "stress" (e, porque não, do medo) de possível novo confronto com o IN, fomos dobrando capim até sentiremos "agulhas" a cravarem-se nos músculos tal era a dor após tanto esforço. Impressionante como no meio da savana, não se ouvia macaco ou pássaros a piar, captávamos no ar o odor a sangue e encontrávamos coágulos de sangue e pequenos ossos no meio do capim e outros sinais de ferimentos, nunca tinha imaginado que o ser humano teria tal capacidade, e se me o dissessem eu certamente duvidaria.

Cerca de 20/30 minutos mais, encontrámos dois cadáveres IN, cobertos com pasto, tendo um camarada tropeçado nos pés dos mesmos e tombado em cima de um dos corpos. Mais 30 minutos junto a uma bolanha,  fomos mandados a parar silenciosos. O silencio fazia zumbir e doer os ouvidos, e sentíamos que, no outro lado das árvores da bolanha seca, julgávamos ouvir sons baixos de conversas, perante tal fomos mandados retirar e, com as devidas cautelas retirámos de volta ao aquartelamento sem mais percalços.

Passados que são 41 anos ainda julgo sentir aquela sensação que,  embora forte, não rejeitávamos em avançar em procura de combater o IN. (**)

Francisco Palma
Cond Auto Rodas 10003269
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Notas do editor:

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro amigo Francisco Palma

É sempre reconfortante estar com um "sobrevivente", daqueles que podem dizer, com toda a propriedade, que "renasceram".
É bom contar com a tua amizade.

Segue em frente pela 'picada da vida' com a alegria que possas ter e com o reconhecimento pela nova oportunidade que tiveste.

Um abraço, amigo "Xico"

Hélder Sousa

José Botelho Colaço disse...

Realidades puras da história da vida na guerra, mas se nós contamos estas histórias entre amigos que desconhecem o que era a guerra dizem entre "estás a regar" creio ser uma entre muitas razões de vários camaradas ao regressarem enterraram o "machado da guerra" e remeterem-se ao silêncio. Um abraço.