domingo, 29 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18580: Blogpoesia (564): "Depois das cataratas...", "Dos confins dos tempos...", e "Por sebes e veredas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Depois das cataratas… 

Depois das cataratas, aquele tombo colossal, 
Mais parecia o fim do mundo, 
Aquele estendal de espuma, 
Onde não havia sobrevivência, 
Eis que a paz voltou, na serenidade da planície. 
Onde as águas tumultuosas sossegaram, 
Num paraíso de paz e de harmonia. 
Vieram de novo os peixes. 
Se tingiram de verde as margens e os campos contíguo ao rio, 
Reverdeceram na abundância. 
Foram embora, por evaporação, os males das águas paradas, 
Tudo ficou puro e vivificante. 
Abençoadas cachoeiras e aquele trambolhão, parecia mortal. 
Afinal, não. 
Foi assim um novo começo. 
De novo, tudo mudou para melhor… 

Ouvindo Hauser e Petri Çeku ao violoncelo
Berlim, 22 de Abril de 2018 
7h8m 
Jlmg

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Dos confins dos tempos… 

A história humana marcha em passadas seculares desde os confins dos tempos. 
Caminhos sinuosos. Abruptos, por vezes. 
Outras, benignos. 
Onde vicejaram as páginas mais eloquentes. 
Houve reinados de glória. 
Onde a justiça e a paz foram rainhas. 
Outros houve negros de sangue e carnificina. 
Choveram bênçãos grandiosas. 
Se difundiram crenças e religiões de muitos matizes. 
Todos unidos, voltados para o mesmo Oriente. 
Não se sabe quem vai à frente. 
Há bons sinais no horizonte. 
Uma vontade magistral de implantar a paz. 
Mas também trevas onde serpenteiam a maldade e a desorientação. 
Haja esperança e fé em quem tudo move… 

Ouvindo Vaughan Williams, sinfonia n.º 3
Berlin, 25 de Abril de 2018
6h51m
Jlmg

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Por sebes e veredas… 

Por sebes e veredas circundantes, 
Se sobe ainda, ao cimo dos castros megalíticos. 
Lugarejos e refúgios das gentes primitivas. 
Abrigos contra as chuvas e as neves regeladas. 
Aonde, nem as feras, mais atrevidas, 
Não ousavam. 
Impávidos, como os castelos, 
Resistiram aos tempos através das eras, 
E, hoje, são santuários, 
Dos espíritos. 
Cujos corpos sepultaram. 
Ali sobem, vagabundas e curiosas, 
De perto e longe, 
As gentes hodiernas, como a um museu, 
De arquitectura, sempre aberto, 
E que o tempo não fechou. 

Berlim, 27 de Abril de 2018 
6h39m 
Ouvindo Adagieto de Gustavo Mahler, sinfonia n.º 5 
Dia de sol
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18549: Blogpoesia (563): "As borboletas", "Pressurosos, bem alinhados...", e "Como será o paraíso...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Mendes Gomes

Acho que já uma vez comentei no sentido de dizer que aprecio a poesia, melhor, quem é capaz de assim escrever, transmitindo os seus sentimentos dessa forma, mas que me faltam conhecimentos para ajuizar criticamente o que leio.
Por isso poucas vezes comento sobre os poemas que leio, embora muitos deles me despertem os sentidos.
Destes três que hoje podemos ler, ressalto a mensagem implícita no primeiro deles: o rejuvenescimento, a ressurreição, o recomeço após a aparência de 'fim-de-tudo', de morte, de desastre. ...
"Vieram de novo os peixes. Se tingiram de verde as margens e os campos contíguos ao rio, Reverdeceram na abundância.
Foram embora, por evaporação, os males das águas paradas, Tudo ficou puro e vivificante.
Abençoadas cachoeiras e aquele trambolhão, parecia mortal.
Afinal, não.
Foi assim um novo começo.
De novo, tudo mudou para melhor… "

É isso mesmo. Tantas vezes é preciso "perder" para depois se "ganhar"!

Abraço
Hélder Sousa

Fernando de Sousa Ribeiro disse...

Também não posso deixar de comentar, mais uma vez, os magníficos poemas escritos pelo camarada Mendes Gomes, assim como a música que os acompanha. Sinto uma enorme inveja por não conseguir escrever assim.

O primeiro poema ("Depois das cataratas...") remete-me logo para as quedas de Calandula, em Angola, antigamente chamadas do Duque de Bragança, que tive o privilégio de visitar. Depois das cataratas e da sua turbulência, as águas do rio Lucala acalmam-se e avançam tranquilas, por entre margens frondosas e transbordantes de vida, a caminho do rio Cuanza, onde desaguam. A vida também é assim, com grandes tombos, a que julgamos não sobreviver (muitos não sobrevivem mesmo, infelizmente), mas ela continua. A música de Heitor Villa Lobos (um arranjo para violoncelo da cantilena das Bachianas Brasileiras n.º 5) é lindíssima. Gosto mais desta versão para violoncelo do que da versão original para voz soprano, que acho demasiado aguda e demasiado exigente para as cantoras que se atrevam a entoá-la.

O segundo poema ("Dos confins dos tempos...") vai, de certa maneira, no mesmo sentido do anterior. O poeta, no fim, procura dar-lhe um desfecho positivo e otimista. A música, porém, não segue o mesmo caminho. A Sinfonia n.º 3 ("Pastoral") de Vaughan Williams é tudo menos otimista. Chega a ser trágica, ao contrário do que a designação "Pastoral" sugere (não sei de onde vem este nome de "Pastoral", mas está nos antípodas da sinfonia n.º 6 de Beethoven, também chamada "Pastoral"). A evocação da terrível carnificina que foi a 1.ª Guerra Mundial é que é a verdadeira razão de ser desta arrepiante sinfonia de Vaughan Williams.

O terceiro poema evoca os castros e a vida que neles floresceu. Nestes tempos de agora, nós vamos visitar os antigos castros e citânias em passeios de fim de semana e achamos tudo aquilo muito pitoresco e até bonito, sem nos lembrarmos das terriveis dificuldades que foram sentidas pelas gentes que naqueles lugares inóspitos nasceram, cresceram, amaram e morreram, contra feras e a fúria dos elementos. O poeta está aqui para nos lembrar que aquelas pedras milenares nos contam histórias de vidas passadas, que nós quase nunca ouvimos. A música, essa, é sublime. É música de Mahler conduzida por Bernstein, e não é preciso dizer mais nada.

(Escrevi estas linhas enquanto ouvia o Concerto para a Mão Esquerda, que Maurice Ravel escreveu de propósito para o pianista Paul Wittgenstein, que ficou sem o braço direito na 1.ª Guerra Mundial. É uma obra igualmente arrepiante).

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro