Aqui estou eu, compenetradíssimo, a passar a stencil a Presse
1. Em mensagem do dia 8 de Julho de 2018, o nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), enviou-nos esta recordação do seu tempo de Bissau:
RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU
PEDAÇOS DA HISTÓRIA DA GUINÉ
7 - Recordações do STM/CTIG
Procurando rememorar o STM de Bissau, onde passei 25 meses, entendo dever procurar fazer um pouco de história acerca do STM que eu já conhecia antes de chegar à Guiné - comecei a fazer serviço como Operador de Mensagens no QG da 2.ª Região Militar em Tomar a partir de Março de 1968 - começarei por dizer que Transmissões sempre existiram em todos os Exércitos, em todos os tempos, com os meios e as técnicas que existiam, porque a troca de informações, para o êxito das missões, sempre foi considerada indispensável. Porém, diga-se em abono da verdade que Transmissões propriamente ditas, independentes das várias Armas, nomeadamente da Arma Mãe, a Engenharia, só começaram a existir no nosso Exército a partir da década de 50 com a criação do STM – Serviço de Telecomunicações Militares no antigo BT – Batalhão de Telegrafistas - na Graça, em Lisboa, e posteriormente com a instalação do Regimento de Transmissões, no Quartel da Arca de Água, no Porto.
No Centro de Transmissões de Tomar, para além do Centro de Mensagens, existia o Posto de Rádio com ligações ao Batalhão, às Unidades Militares da Região, incluindo o QG do Campo Militar de Santa Margarida e às outras Regiões Militares, existia ainda o Posto de Teleimpressores que tinha ligações directas com o Batalhão e com o QG do Campo Militar e também tínhamos um Posto de Fac-simile, um aparelho Siemens da 2.ª Grande Guerra, que todos os dias fazia exploração com o Batalhão para garantir e confirmar a sua operacionalidade. Fazendo um apelo à memória já cansada, penso que ainda me lembro de vários indicativos dos teleimpressores, RPFE, RPTB, etc., como me lembro de indicativos telegráficos como o TECOMUNICATERRA, Direcção do Serviço de Telecomunicações Militares, o CHEMILDOIS, Chefe do Estado Maior da 2.ª Região Militar, etc.
Entrando agora no STM de Bissau, começo por dizer que naqueles tempos longínquos, quando ninguém sabia o que eram telemóveis e a Rádio não era nada do que hoje é, algumas notícias ouviam-se em Onda Curta, mas sempre com má qualidade e normalmente a horas impróprias, sentia-se a falta de informação escrita, apesar de Bissau ter um periódico que saía de vez em quando.
Mas notícias chegavam todos os dias a Bissau, expedidas de Lisboa, para todo o mundo, em Morse. Havia que trabalhá-las.
Por isso, para suprir aquela falta de notícias, o Destacamento do STM do CTIG começou por organizar a sua recepção, a sua interpretação, a sua impressão e a sua posterior divulgação pelas Unidades Militares de Bissau.
Davam cara a este trabalho voluntário, como o 1.º Sargento Liberal da Silva gostava sempre de sublinhar, para além dele próprio, o 2.º Sargento Caldas da Silva, o 1.º Cabo RADIOT Irineu e este modesto escriba que fazia a interpretação do “apanhado”, o trabalho dactilográfico nas folhas de stencil, a impressão no duplicador Gestetner e muitas vezes até a distribuição pelos serviços do QG, pelas Messes do QG e Unidades de Bissau.
Era uma equipa pluridisciplinar digna de todo o registo, digna de ser recordada ao fim de todos estes anos, mas seja-me permitido dizer, o Irineu, o RADIOT era uma peça chave, por razões óbvias, mas acima de tudo pela sua grande capacidade de recepção.
Tudo funcionava sob o comando e orientação do Comandante do Destacamento, o então jovem Capitão João Afonso Bento Soares, hoje distinto General na reforma.
O 1.º Sargento Liberal Silva, coordenava a equipa, se bem que esta muitas vezes já funcionasse automaticamente como se estivesse em auto-gestão, o 2.º Sargento Caldas da Silva tratava da Expedição já que era o CMsgs, que ele chefiava, que tinha as viaturas e os estafetas.
Seja-me permitida uma palavra de saudade para estes dois últimos amigos que já nos deixaram há muito, e de uma forma especial para a memória do Sargento Caldas, grande amigo, que naquelas terras africanas passou grande parte da sua vida.
Como já tive oportunidade de referir, completava a equipa o Radiotelegrafista Irineu, este modesto mas atrevido escriba, os estafetas e os motoristas de serviço.
De vez em quando acontecia um ou outro contratempo. Era o stencil que se rompia e tudo tinha que voltar à primeira forma. Era a tinta que borrava o trabalho e tudo também voltava ao princípio, mas a noite era nossa e tudo acabava sempre em bem.
No outro dia de manhã, quando o serviço o permitia, eram dirigidos vários exemplares às 4 Repartições do QG, ao CEM, ao COMCHEFE, ao Palácio do Governador e a cada Unidade de Bissau, sendo que esse trabalho acabava sempre perto da hora da 2.ª refeição, tudo feito com recurso a Protocolo.
Como se pode imaginar, o STM, para além de ter posto no ar as 4 Redes de Rádio para o interior da Guiné e fazer a sua manutenção para que as mesmas estivessem sempre operacionais nas 24 horas de cada dia, mantinha também uma Rede para o Metrópole, no BT, para a Comando Chefe, para a Marinha e para a Força Aérea existiam também redes de Teleimpressor, como também para Mansoa, mas, por questões de segurança, por causa de algumas vulnerabilidades, só eram usadas em situações que não envolvessem matérias sigilosas, dizia o STM de Bissau para além das suas responsabilidades no contexto operacional que se vivia, também sabia colaborar em missões de informação geral como era o caso da distribuição da Presse Lusitânia como se pode constatar pelas reproduções.
Assim, por mera curiosidade, mas também para matar algumas saudades acumuladas com o andar dos tempos daquelas noites loucas, vão aqui dois exemplares, sendo o primeiro do dia 13 de Julho de 1969. Na 1.ª página fala-se da visita Presidencial ao Brasil, o Professor Marcello Caetano, da viagem no avião a jacto da TAP, da sua chegada e da calorosa recepção que teve à sua chegada aquele país irmão.
Nesta segunda página, como poderão verificar, temos a chamada VIDA DESPORTIVA, fala-se de futebol, da Taça Ribeiro dos Reis, de atletismo, da digressão do Vitória de Setúbal a Angola e a Moçambique e dava-se conhecimento da Chave do TOTOBOLA daquela semana, sendo que na semana em análise só pontificavam equipas secundárias, possivelmente devido a alguma interrupção do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, quem sabe se motivada por algum jogo da Selecção Nacional.
Mas esta da Chave do Totobola, não deixa de ser interessante recordar já que para além da Lotaria Nacional, naquela altura, o Totobola era o único Jogo Social explorado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e era muito apreciado e procurado naquela época.
Na página seguinte reproduz-se a PRESSE do dia 31 de Julho de 1969.
Nesta 1.ª página, para além das notícias da política da altura, e muitas vezes eram exaustivas como convinha, regista-se a chegada a Lisboa do Paquete “Vera Cruz” com tropas de regresso do Ultramar, mas também se dá nota da VIDA DESPORTIVA que inclui ciclismo – VIII Grande Prémio Robbialac – dum acidente dentro desse Grande Prémio onde esteve envolvido o grande Joaquim Agostinho e termina a página com uma referência ao Campeonato Nacional de Juniores de Andebol de Onze.
Nesta página é dada nota de alguma dificuldade de ligação do grande Eusébio ao Benfica.
A página completa-se com notícias da chamada Vida Internacional.
Era assim que o Destacamento do STM do CTIG, colaborava na difusão das notícias do mundo junto das outras Unidades Militares.
É mesmo bom recordar, para que a memória não esqueça.
Carlos Pinheiro, no dia 4 de Dezembro de 2011, passados mais de 42 anos dos factos.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9273: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (6): Notícias da Guiné de 9 de Fevereiro de 1969
4 comentários:
Caro camarada Carlos Pinheiro:
De certeza que nos encontramos algures em Bissau, entre os anos 67 e 69. Vinha muitas vezes a Bissau, ao QG e ficava instalado do Club de Oficiais e dava uns banhos na piscina que bem sabiam.
Percorria a Bissau toda e arredores, nas minhas motorizadas, cheguei a ir até Nhacra e quase cheguei a Mansoa a caminho de Mansaba, quando fui mandado para trás, dizem que era perigoso, mas para mim, não ligava nada a isso, era um ingénuo com sorte.
O Bento, as esplanadas todas de Bissau, as ostras e os camarões, os passarinhos fritos do Zé da Amura, o Solar dos 10, o Grande Hotel, são coisas inolvidáveis, poderíamos estar aqui a falar tanto tempo. Fica para mais tarde.
Esse serviço de Transmissões era importantíssimo, eu cheguei a comentar que em São Domingos visitava muitas vezes a 'tabanca' do elemento da PIDE que lá estava, falavamos de tudo menos de politica e era lá que ouvia a Rádio Argel e aquela voz de trovão, que todos conhecem. Nem sabia do que falavam, mas era para a gente se render ao IN, porque nós eramos uns assassinos, etc.
O meu irmão, Sargento Radiomontador, montou o primeiro ponto de contacto com Lisboa, em Cabinda nos anos 64/66 talvez, e falou a primeira vez com o nosso pai por via rádio, é obra.
Essa foto conheço bem outras iguais, o pessoal lá da Secretaria, a bater à máquina as Ordens de Serviço e a História da Unidade, em Stencil e depois passar aquilo na máquina mas foi a forma de ter hoje comigo um exemplar original da história do meu batalhão, BCA1933. Essa malta trabalhava a qualquer hora. E também o pessoal das Transmissões, comandado pelo Alferes Mesquita e uma grande equipa de auxiliares, tínhamos as informações todas.
As transmissões foram para o Quartel da Arca d' Água, acabado o RE2, esteve lá uns anos, ficou tudo abandalhado, eu morava lá perto, e o meu pai era militar de carreira e era ali que prestava serviço, entre outros sítios.
Conheço bem aquele Quartel, depois passou para lá a PSP e ficou a ser o estaleiro das viaturas apreendidas, etc.
Agora existe a EPT - Escola Prática de Transmissões, no antigo RI6 da Senhora da Hora, que conheço também muito bem.
Fica esta novidade, e um grande abraço,
Ab, Virgilio
Caro amigo Pinheiro,
Conheci muito bem o Sarg. Caldas, foi uma pessoa que para além de ser natural de Vila Fria - Viana do Castelo, meu conterrâneo, participou também no meu casório em 1971. Naquele tempo, eu frequentava no Rtm Porto (Arca D'água) a especialidade de radiotelegrafista. Ficou logo combinado que caso fosse mobilizado para a Guiné me deitaria a mão, como se costuma dizer, o que veio a acontecer. Frequentei o estágio nas TRMS (Santa Luzia) em Bissau e me convidou a ficar em casa dele, o que aceitei de imediato, até ir para a minha companhia que estava estacionada no XIME (CART 3494). Era uma pessoa excepcional não esquecendo a sua esposa Dona Julieta, pessoa que muito estimo, julgo viverem na zona de Lisboa, ela esteve cá na minha casa em visita depois do Sarg. Caldas falecer. São pessoas que não esquecerei!
Sousa de Castro
Caro amigo Sousa de Castro
Pensava eu que o Sargento Caldas seria natural de Darque. Foi um grande amigo e também lá estive na casa dele várias vezes sempre com a mesa bem posta. Já não me lembrava do nome da esposa nem dos filhos, mas era gente muito boa e hospitaleira. Vi o Sargento Caldas da Silva já muito depois do 25 de Abril, em Lisboa, mas nessa altura ele já estava muito doente. Passado pouco tempo encontrei o 1º Sargento Figueiredo, que era do Cripto, que me comunicou a morte dele. Tive imensa pena. Era um homem muito bom e muito bom amigo e amigo do seu amigo.
Amigo carlos Pinheiro:
Muito apreciei este seu vibrante relato que nos leva aos primórdios desta bela iniciativa que autorizei e apadrinhei ficando grato pelo esforço da vossa bela equipa; esforço esse que muito apreciado era pelos militares em geral, a par dos telefonemas que o STM lhes proporcionava
para poderem falar com os seus familiares nos fins de semana. Eram pequenas contribuições do STM que os militares aproveitavam para amenizar as muitas dificuldades que a comissão impunha...
Um grande abraço do ex-comandante e sempre amigo
João Afonso Bento Soares
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