sábado, 14 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18844: Os nossos seres, saberes e lazeres (276): De Aix-en-Provence até Marselha (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

É com a maior satisfação que partilho convosco algumas imagens de um museu excecional, enquanto arquitetura, enquanto acervo, enquanto organização museográfica e museológica. É claro que há de quê para esta imponência, a Roma das Gálias transformou Arles e o seu porto numa placa giratória entre o Mediterrâneo e a Europa do Norte, a decadência da região acontecerá com as primeiras invasões bárbaras, no século V, quando ruiu o Império Romano do Ocidente. Ficaram estes esplendorosos vestígios de um mundo antigo, genial na arquitetura, no saneamento, no direito, na capacidade de assimilação, na organização militar, e algo mais. Percorre-se Arles e sente-se na perfeição como estes vestígios falam do génio e como se vão articular, em uma singular harmonia, com a arquitetura medieval. É também outra dimensão atrativa inultrapassável que Arles oferece aos viandantes, que saem com o desejo de aqui em breve voltar.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (8)

Beja Santos

O viandante sabia da existência de um edifício moderníssimo destinado a abrigar as coleções excecionais da arte romana em Arles. É este o museu azul situado perto dos vestígios do circo romano, nas margens do Ródano, aqui está a arqueologia de Arles e vizinhanças, é um acervo que vai do Neolítico à Antiguidade tardia. Foi um projeto de Henri Ciriani inaugurado em 1995, é um museu tão excecional que tem três estrelas no Guia Michelin, a partir de 2016.


Já se falou um pouco da história de Arles, da Gália Narbonense, que se estendia desde os Pirenéus até aos Alpes, as principais cidades eram Narbonne e Marselha. A 6.ª legião de César instalou-se aqui, Arles tornou-se imediatamente um importante estaleiro naval, construíram-se fortificações e monumentos públicos, Arles transformou-se num ponto de comutação de vias marítimas e terrestres, este período de relativo esplendor vai sofrer com as invasões dos Ostrogodos, Visigodos, Normandos e Francos, a partir do século V. Começava a decadência de Arles.


O museu contempla áreas distintas: Arles antes da chegada dos Romanos; os Romanos em Arles; um grande porto fluvial-marítimo; as atividades artesanais e agrícolas, a vida quotidiana, os ritos e práticas funerárias do mundo romano e, por fim, Arles e o mundo cristão. Acervo riquíssimo instalado neste edifício triangular de linhas depuradas, facilmente visível a uma boa distância. Acervo de tal maneira rico onde é possível encontrar fragmentos de cerâmica grega, o presumível retrato de César, a estátua colossal de Augusto ou a estátua de Neptuno, ânforas, baixos-relevos, sarcófagos, mosaicos e joias. Sem esquecer esse caso único que é um barco inteiro da Antiguidade, espantosamente intervencionado e conservado.


O busto presumível de Júlio César.



Este museu permite ficar com ideia do que era o polo comercial grego, Arelate, importante até à conquista romana. Arelate era a pequena Roma das Gália. No fim do I século a.C. Augusto deu a Arelate um impulso económico e arquitetónico de grande fôlego. Havia dinheiro, pois aqui convergiam as rotas comerciais do Alto Império, Arles apropriou-se de um património cultural excecional.



A lógica de organização do museu é de que esta casa de cultura é muito mais do que uma coleção de objetos belos, serve para descobrir e compreender o passado: como viviam os Romanos, em que deuses acreditavam, quais as suas atividades económicas, daí circular-se em espaços que possuem essa lógica cronológica e temática, está tudo cuidadosamente pensado para responder a estas diferentes questões, há mesmo maquetes que procuram restituir os monumentos romanos no seu estado original.


Está aqui a mais importante coleção arqueológica antiga da Provença, coleções excecionais que fazem de Arles e este museu uma obrigação para qualquer visitante que queira saber e compreender a vida do Império Romano nas Gálias.



Se a escultura é excecional, este barco é o ex-líbris do Museu Arqueológico de Arles, há ânforas, muita loiça em cerâmica, há metal em lingotes, tudo serve para confirmar a importância e a intensidade do porto de arte para a Europa do Norte e o mundo mediterrânico. O viandante jamais supusera ver com os seus olhos um autêntico barco do mundo antigo, permaneceu séculos dentro de lamas, foi assim que escapou à deterioração total, uma equipa de cientistas transformou-o neste documento histórico inultrapassável.



O viandante está regalado, começou pela cidade romana, esteve no teatro e no anfiteatro, viu sinais espalhados pelas ruas, percorreu os criptopórticos, descansou as pernas e bebeu uma cerveja na Praça do Fórum, aqui perto deste museu andou pelas termas de Constantino, vai partir amanhã para outro destino, faz contas jamais esquecer este museu acolhedor e dinâmico, ainda tem algumas memórias que quer aqui exarar e deixa-as para o apontamento seguinte, é melhor deglutir este banquete do génio romano, não podendo deixar de saudar a esplêndida e arrojada arquitetura que o encerra e que inclui um horto que nos dá a perceção do mundo romano. Arles é para guardar no coração, e para toda a vida.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18818: Os nossos seres, saberes e lazeres (275): De Aix-en-Provence até Marselha (7) (Mário Beja Santos)

Sem comentários: