Luís Oliveira |
Esta é a primeira crónica que ele nos prometeu escrever para o blogue da Tabanca Grande, e que nos acaba de chegar...
2. Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (1): a ansiedade da partida e o calor humano da chegada, em 2 de março de 2019
Depois as conversas com os amigos:
‑ Tás é tótó, agora o velhadas quer ir para a Guiné! Pensas que tens vinte anos...isso era dantes, agora estás lixado, vais levar com os mosquitos, com a lagartada, pensas que tens a EPAL, estás f…! Tem mas é juizo e passa o bilhete a outro, os guineenses já nem falam português, nem te percebem!
E os dias foram passando lentamente, a ansiedade aumentando até que, tal como há quarenta e cinco anos atrás, chegou aquela tranquilidade que me protege nas alturas mais complicadas, passei a dormir melhor, a obsessão do embarque ficou distante e a partida, e tudo o que surgiu a seguir, passou a ser uma data de calendário com uma nota em agenda: “!Voo TAP TP1479, 17.40 do dia 2 de Março”.
E lá estava eu no aeroporto, convencido a ficar fechado naquele contentor voador durante quatro horas, sem direito a soltura, sujeito ao ar forçado e à simpatia das hospedeiras. Nem quero falar do que chamaram “jantar”, porque por sinal tratou-se apenas de um pormenor. O “pormaior” foi o assalto que a companhia de bandeira nacional fez a todos os passageiros cujas malas de cabine não cabiam na reduzida forma que criaram com o fim sacar cento e cinco Euros a todos os desprevenidos.
A minha mala de cabine que voou para Londres, Barcelona, Madrid, Roma, Milão nunca pagou um Euro e apresentava a medida certa, desta vez ou dilatou com o calor ou a TAP temia a sua dilatação no espaço aéreo Guineense e cobrou a quem podia e a quem não o podia fazer. Passageiros houve que deixaram a bagagem para que a mala apresentasse a elegância exigida pela bitola TAP.
Escola Privada Humberto Braima Sambu > O novo uniforme dos alunos. Cortesia da Página do Facebook da Escola. 21 de novembro de 2018 |
Chegados a Bissau, digo chegados porque a Silvia Barny, voluntária do ParaOnde, também viajou neste voo e, após recolhidas as bagagens, tivemos a emotiva surpresa da recepção. Além do director da escola, o professor Humberto Braima Sambu e alguns professores, um numeroso grupo de alunos com o uniforme da escola cantaram as boas vindas e proporcionaram um acolhimento extraordinário.
Estava na Guiné das minhas memórias, o mesmo povo, a mesma simpatia daqueles que nunca deixarão de ser irmãos.
Bissau, 5 de Março 2019
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Nota do editor;
(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19482: Ser solidário (222): O nosso camarada Luís Mourato Oliveira parte dia 2 de março para Bissau, para fazer voluntariado durante 3 meses, através da organização sem fins lucrativos "ParaOnde"... E qualquer ajuda humanitária adicional pode ser encaminhada para (e seguir por conta de) a loja "Paris em Lisboa", no Chiado
3 comentários:
Luís Oliveira, és um grande ser humano e a Tabanca Grande deseja-te a melhor estadia possível, aí, nestes 3 meses em Bissau... É uma pequena grande aventura, para ti...E obrigado pela tua primeira crónica!... Da Lourinhã, com um alfabravo do Luís Graça.
PS1 - Quero ainda ver esses miúdos e miúdas guineenses... campeões, daqui a uns anos, da cidadania e da dignidade humana (e porque não, também, de andebol?!...)
PS2 - Se puderes, manda também umas "chapas" de Bissau e arredores...
Foi mais ou menos assim, que se passou comigo, quando lá voltei 15 anos depois, mas em ambiente muito diferente, e lamentavelmente, ia sozinho, sem um destino na mente, apenas apagar os fantasmas.
Nunca me arrependo de lá ter ido, mas agora com a minha idade, já penso mais na saúde, e nas minhas capacidades físicas e mentais.
Boa sorte, e já agora também umas chapas de coisas novas.
Saúde meu amigo,
Virgilio Teixeira
Parabéns! O texto é claro, e descreve situações engraçadas, entre elas, uma que já vivi, quando durante um almoço com amigos referi que gostaria de voltar à Guiné. Foi a risada geral (felizmente não éramos muitos), e libertaram-se os dichotes em tudo semelhantes aos que o Luís Oliveira descreve muito bem. Há uma diferença de dez anos entre os eventos, mas foi como se fosse agora, melhor, o que li, foi como se tivesse sido então. No meio de chinfim gozado, inopinadamente, ouviu-se uma voz grossa: ó Zé, vou contigo! E passámos a ser dois as vítimas daquela malta inspirada e bem disposta. Depois seguiu-se um período de combinações com a organização da coluna, e no dia aprazado lá fomos em fila de pirilau para viaturas, carregados de «morfes», pacotes de vinho, whiskies, e o que mais calhou. Não me recordo se levámos macaco e outras ferramentas, o que estávamos, era desejosos de aventura, que não chegou a ser tanta. Ao entrarmos por Pirada, já a lua ia alta, depois de cinco dias de correrias e surpresas à média de mil quilómetros por dia, já não reconheci o sítio, mas fui abordado pelo chefe da alfândega que pretendia conhecer-me (é o que dá levarmos "bufos" na companhia) e fez ele a sua apresentação. Correu tudo bem e depressa. Junto à parede exterior do edifício, juntava-se uma pequena multidão, que pela janela assistia a um jogo de futebol televisionado na Europa. Acabada a nossa identificação, novamente o chefe do posto veio ao meu encontro, e após uma conversa franca e sorridente, selámos o encontro com um abraço de genuína admiração recíproca. E abalámos rumo ao Gabu, por uma picada que já tinha sido muito mais suave, sempre em direcção a Bissau, onde chegámos tarde e cheios de fome a um alojamento que ignorava as nossas necessidades de esfomeados, mas disso já tínhamos experiência, e o problema resolveu-se com recurso aos enlatados.
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