Texto (inédito): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.
1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.
Podias escutar a boa nova do padre vigário, no largo do convento, ora sombrio ora soalheiro, mas a vida ia, sem alarde, no sentido inexorável dos ponteiros do relógio: dextrorsum, aprenderás mais tarde, na escola, ou, por outras palavras, do berço à cova, donde ninguém escapava, os novos sucedendo-se aos velhos na fila da morte. E quem acabava, sua cova tapava.
2. Não te podias queixar do destino, e muito menos dizer que mais valia a morte que tal sorte… Felizardo, não sabias ainda o que era a morte. Mas também, coitado, não sabias o que era a sorte. O teu pai sempre te falou da "sorte grande", a lotaria em que ele jogava e que nunca lhe calhou…
Pelo menos, havia a bola, as pequenas alegrias da bola, de trapos ou de borracha (, dizia-se "bola de cauchu" e nesse tempo era um luxo). A bola, as paixões da bola, os cromos do Sporting e do Benfica, os relatos da bola para quem tinha rádio a pilhas, que a luz elétrica da barragem de Castelo de Bode [1], essa, ainda não chegava à tua casa, na rua dos Valados, só chegava a algumas casas, cafés e ruas da tua aldeia…
3. E havia a escola… Não, ainda não se dizia escolinha, como hoje. Era a escola do ensino primário, a escola do Conde Ferreira, mas a gente sabia lá quem era esse tal senhor Conde [2]!… E por detrás dos muros da escola, a central elétrica da SEOL [3]…
Sim, a tua escola tinha muros, a tua aldeia já não era muralhada, como no passado, mas continuava a ser uma terra sitiada, emparedada. A tua infância era sitiada, emparedada. Em frente, a poente, a grande muralha da China do Atlântico. Mais perto, as Berlengas e o cabo Carvoeiro. E, a nascente, a serra do Montejunto.
Tinhas pouco mundo, a partir da janela do teu quarto. Estavas a 2 km do mar, mas era muito longe. Ainda não havia o hábito citadino de os aldeões irem para a praia, no verão, nos seus burros, a não ser na festa do São João, em 24 de junho, feriado municipal. Até ao São Miguel, até às vindimas, os trabalhos no campo não deixavam folgar os corpos. E, só mais tarde, já na adolescência, nas férias grandes, é que ias de bicicleta até ao mar. Nunca fostes um destemido aventureiro, em pequeno, nunca andaste de barco, nunca fostes às Berlengas, "ali tão perto"...
Lembras-te do bibe azul às riscas, mais a sacola de serapilheira, pesada, onde levavas o caderno de duas linhas, de caligrafia, a caneta de aparo, a tabuada, o lápis de lousa e a ardósia, a "pedra", o canivete que servia de faca e apara-lápis, o pão seco com marmelada, ou com toucinho fresco, ou salgado, que era o presunto dos pobres.
Não, não havia frasco de tinta azul, o tinteiro, em porcelana, e a tinta azul eram monopólio do Estado, faziam parte da carteira onde te sentavas. Era a escola que dava a tinta, azul.
Recordas-te da cara, mas não do nome, do teu parceiro de lado, na sala fria, de piso térreo… Tinha a mania de apanhar moscas, espetá-las no bico do aparo e afogá-las no tinteiro… Depois, levava-as à boca, aparentemente deliciado… (Que será feito dele, pobre diabo, perdido na voragem do tempo ? Lembras-te que o avô tinha uma taberna e casa de pasto, na rua Grande, que cheirava a vomitado, a lixívia e a serradura.)
Em casa, os "deveres" eram feitos a lápis, da marca Viarco. Só podiam ser da marca Viarco. A Viarca tinha o monopólio dos lápis. Lápis a cores ? Não te lembras de os teres, eram um luxo, o dinheiro era pouco. Ou melhor: o dinheiro não existia ou, se existia, não passava pelas tuas mãos. Habituaste-te cedo a não pedir chupa-chupas à tua mãe, quando ias à rua e às compras com ela. À primeira (e última) estalada aprendeste logo a virtude cristã da temperança… Não foi preciso a tua mãezinha voltar a bater-te.
Ah!, e o livro de leitura da 3ª classe, com os meninos, na capa, tão lindos, envergando a farda da Mocidade Portuguesa, e que lá iam para a escola, cantando e rindo. Não, não levavas a fisga para matar pardais, já não gostavas de armas, quando eras pequenino, nem muito menos de matar pardais e de roubar os ninhos dos passarinhos, como o "Brutamontes" e os gajos do seu bando.
4.Havia o jogo dos cinco cantinhos, e o da cabra-cega, mais o berlinde, o arco e o balão, o abafa, as caricas, o pião, a alegria (quando não o receio) da hora do recreio. Que o melhor da vida era a brincadeira, mas foi na escola e no recreio e na catequese que aprendeste a lição: quem comandava a vida, e impunha a lei, a regra, o respeito, o pudor, a ordem e o progresso, o asseio e a decência, tinha um sino, uma sineta ou uma campainha, a professora na escola ou o padre e o sacristão na igreja, que marcava as horas e os dias e as semanas e os anos…
Lembras-te do bibe azul às riscas, mais a sacola de serapilheira, pesada, onde levavas o caderno de duas linhas, de caligrafia, a caneta de aparo, a tabuada, o lápis de lousa e a ardósia, a "pedra", o canivete que servia de faca e apara-lápis, o pão seco com marmelada, ou com toucinho fresco, ou salgado, que era o presunto dos pobres.
Não, não havia frasco de tinta azul, o tinteiro, em porcelana, e a tinta azul eram monopólio do Estado, faziam parte da carteira onde te sentavas. Era a escola que dava a tinta, azul.
Recordas-te da cara, mas não do nome, do teu parceiro de lado, na sala fria, de piso térreo… Tinha a mania de apanhar moscas, espetá-las no bico do aparo e afogá-las no tinteiro… Depois, levava-as à boca, aparentemente deliciado… (Que será feito dele, pobre diabo, perdido na voragem do tempo ? Lembras-te que o avô tinha uma taberna e casa de pasto, na rua Grande, que cheirava a vomitado, a lixívia e a serradura.)
Em casa, os "deveres" eram feitos a lápis, da marca Viarco. Só podiam ser da marca Viarco. A Viarca tinha o monopólio dos lápis. Lápis a cores ? Não te lembras de os teres, eram um luxo, o dinheiro era pouco. Ou melhor: o dinheiro não existia ou, se existia, não passava pelas tuas mãos. Habituaste-te cedo a não pedir chupa-chupas à tua mãe, quando ias à rua e às compras com ela. À primeira (e última) estalada aprendeste logo a virtude cristã da temperança… Não foi preciso a tua mãezinha voltar a bater-te.
Ah!, e o livro de leitura da 3ª classe, com os meninos, na capa, tão lindos, envergando a farda da Mocidade Portuguesa, e que lá iam para a escola, cantando e rindo. Não, não levavas a fisga para matar pardais, já não gostavas de armas, quando eras pequenino, nem muito menos de matar pardais e de roubar os ninhos dos passarinhos, como o "Brutamontes" e os gajos do seu bando.
4.Havia o jogo dos cinco cantinhos, e o da cabra-cega, mais o berlinde, o arco e o balão, o abafa, as caricas, o pião, a alegria (quando não o receio) da hora do recreio. Que o melhor da vida era a brincadeira, mas foi na escola e no recreio e na catequese que aprendeste a lição: quem comandava a vida, e impunha a lei, a regra, o respeito, o pudor, a ordem e o progresso, o asseio e a decência, tinha um sino, uma sineta ou uma campainha, a professora na escola ou o padre e o sacristão na igreja, que marcava as horas e os dias e as semanas e os anos…
E um ponteiro, a professora também tinha um ponteiro que servia para bater na cabeça dos meninos, quando erravam as respostas às suas perguntas ou se distraíam com as moscas ou com o vizinho do lado ou as provocações do "Brutamontes", do lado de fora da janela da escola.
5. E o sino tinha vários códigos, os da morte e os da vida… Foi lá que te ensinaram, sem demoras, a murro e pontapé, os mais velhos, ou a puxões de orelha ou com a menina dos cinco olhinhos e o ponteiro, a senhora professora, que o lugar ao sol conquistava-se, com sangue, suor e lágrimas, como o pico mais alto do mundo, o Everest: não, não era para todos, meu menino, o lugar ao sol, era para quem Deus queria, com a ajuda da senhora professora, do padre e da catequista, e não era decididamente para os fracos, os faltosos, os retardatários, os cábulas, os distraídos, os hereges, os pecadores, os comedores de moscas.
5. E o sino tinha vários códigos, os da morte e os da vida… Foi lá que te ensinaram, sem demoras, a murro e pontapé, os mais velhos, ou a puxões de orelha ou com a menina dos cinco olhinhos e o ponteiro, a senhora professora, que o lugar ao sol conquistava-se, com sangue, suor e lágrimas, como o pico mais alto do mundo, o Everest: não, não era para todos, meu menino, o lugar ao sol, era para quem Deus queria, com a ajuda da senhora professora, do padre e da catequista, e não era decididamente para os fracos, os faltosos, os retardatários, os cábulas, os distraídos, os hereges, os pecadores, os comedores de moscas.
Montijo, Escola Conde Ferreira. Autor ACS Costa (2007). Cortesia de Wikipedia. |
6. Sim, com sorte, haveria o bife ao domingo, o polvo na maré-baixa, o coelho de caça do ti Manel da Quinta, o bacalhau com grão-de-bico à sexta-feira, batatas, cebola e salsa, no tempo da Quaresma, se tu lá chegasses, ao domingo, à maré-baixa, à Quaresma, ao tiro certeiro da espingarda de caça do caçador...
7. Com sorte, e a bênção de Deus, e graças à tua santa mãe que sabia fazer das tripas coração, e multiplicar por cinco o pão nosso de cada dia, e confiar em Deus Nosso Senhor que ao menino e ao borracho costumava pôr a mão por baixo. (Quando, lá no céu, não se distraía: é que às vezes Ele, santo velho, padre eterno, também gostava da brincadeira, como qualquer um, e deixava cair, por entre as nuvens esfarrapadas e esburacadas, ora um menino ora um borracho.)
Hoje, há seguros para tudo, dos acidentes de lazer aos terramotos, mas naquele tempo, não. Deus era o teu seguro. Vitalício, do berço à cova. E não tinhas medo dele, tinha um ar de avozinho. Só mais tarde, começou a meter-te medo… Ou melhor, começaram a ameaçar-te, “in nomine Dei”, em nome de Deus.
8. Havia as rixas, as travessuras, as pedradas, às vezes as cabeças rachadas, brincava-se aos índios e aos cobóis, havia a figura do "Brutamontes", que era o terror do pátio do recreio e do largo do convento, e das ruas e ruelas da tua aldeia.
O "Brutamontes" e os outros matulões da sua igualha tornavam a vida dos pequenos num tormento, obrigando-os a fugir por portas e travessas até chegar a casa, esbaforidos, depois da escola.
Não, ainda não se falava em "bullying", muito menos se aprendia inglês, nem a escola do tal Conde de Ferreira 1866, que ficava em frente à casa de Deus, fora feita para os meninos de coro, vestidos de sobrepeliz branca e asas de anjinho, voando sob nuvens de algodão.
9. Mas estás a ver agora, ao alto, ao centro, na parede, encardida, da tua velha escola, tendo do lado esquerdo o quadro negro, a imagem do Cristo crucificado, o tal, que era filho de Deus Pai, e que morrera para te salvar, e que tu devias imitar, piedosa, devota, denodada e encarniçadamente, todos os dias e horas da semana, na escola, no recreio, no urinol, na catequese, na rua, em casa, na igreja, em terra e no mar, para seres um menino bem comportado, e um português digno do seu glorioso passado.
10. Aprenderás, um pouco mais tarde, já na puberdade, a perturbante (, quiçá mesmo terrível) lição: "éramos todos filhos de Deus, mas uns mais do que outros", e tu não passavas de um enteado!... Tal como os coxos, os marrecos, os cegos, os surdos e os mudos ou os pobres de pedir… Afinal, se Deus o marcou, algum defeito lhe achou…
Que coisa horrível, essa, que te meteram na cabeça, a de seres um enteado de Deus, como se não fôssemos todos filhos do mesmo Pai!... Alguém já ta soprava ao ouvido, quando ias ao urinol, no largo do convento, em caracol, que tresandava a urina e a creolina… E esse alguém só podia ser o Diabo, ou o "Brutamontes", que costumava soprar coisas más aos ouvidos dos meninos.
Talvez por isso o tempo parava, no domingo à tarde, e tu ficavas tristonho e bisonho, a olhar para os ponteiros, imóveis, do relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia, e a ouvir, ao longe, o cão que uivava na vinha vindimada do Senhor.
Aldeia, aldeões ? Ou vila, vilória, vilões? Tanto faz, todos os habitantes da tua terra se conheciam uns aos outros. Havia meia dúzia de ruas, não mais, na tua aldeia, e chegavam: a rua da Misericórdia, a rua Grande, a rua do Castelo… Acrescenta-lhe a rua do Clube, a do Poço Novo, a da Farmácia, e a do Quebra-costas… E dois ou três largos: o da Câmara, o do Convento, o das Aravessas...
(Continua)
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[1] No rio Zêzere, afluente do Rio Tejo. Inaugurada em 1951.
[2] Joaquim Ferreira dos Santos (Porto, 1782-Porto, 1866), 1º conde de Ferreira. Da sua imensa fortuna, deixou ao Estado Português 144 000$000 réis para construir 120 Escolas de Instrução Primária, para ambos os sexos. A construção seguiu uma tipologia única. Uma das escolas foi a da Lourinhã, infelizmente já derrubada em tempos pelo impiedoso camartelo camarário.
[3] SEOL – Sociedade Eléctrica do Oeste, Lda. Desde o início dos anos 60 fornecia a energia de alta tensão aos municípios do Oeste Estremenho.
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (158): Afinal a guerra também era ototóxica...
6 comentários:
Grande texto, meu caro Luís, retrato esfuziante das nossas vidas de meninos sábios há sessenta anos atrás!
Abração,
António Graça de Abreu
Obrigado, António, pelo estímulo, é um texto com 14 anos... É um certo ajuste de contas com a terra que me viu nascer e com a minha infância... Não se escolhe a terra onde se nasce, nem a língua materna, nem o pai nem a mãe, nem os companheiros de brincadeira e de escola... Há uma relação de amor-ódio com a terra que nos viu nascer... Levou muitos anos a reconciliar-me com um certo passado...Mas um dia teria que escrever este longo poema em prosa, composto por 100 pequenas cenas (, chamei-lhe "pictogramas")... Um alfabravo, Luís
Vale a pena viver-se uma ja’ longa vida quando se a sabe descrever com a sensibilidade intensa deste texto.
Consegues fazer participar nas situacöes,e näo menos,na maneira como säo olhadas a muitos que as näo viveram.
E e’ nesse pequeno-grande ”detalhe” que se separam as aguas entre escritores e...escribas.
Um abraco do J.Belo.
(O ”tal” livro....quando?)
Meu caro Luís Graça
Interessante esta tua ideia de aproveitares o que alguns consideram e chamam de "silly season" em que, alegadamente, o pessoal está de férias (os que estão...), portanto com menos disponibilidade para contribuírem com "matéria de fundo" e/ou comentários, para nos contemplares com 100 "pictogramas", apresentando assim o teu percurso desde a infância e fazendo uma espécie de "ajuste de contas" com a terrinha que te viu nascer.
Escrevi interessante, embora isso possa não ser um sentimento generalizado por parte dos leitores, já que alguns têm tendência para criticar tudo o que não fale de "guerra ou de rumores de guerra". No entanto eu acho que estes "frescos" sobre as nossas infâncias, as terras, suas gentes e vivências, é muito importante para explicar o contexto em que milhares de jovens participaram em acções de guerra em terras longínquas em relação aos seus berços e como se adaptaram às condições que sabemos e que várias vezes têm sido descritas. Ajuda também a explicar a "americano" como foi possível o militar português "viver" nas condições que viveu.
Já tenho lido por aqui pedaços bem interessantes de como era a vida nas terras donde proviemos, designadamente o Brunhoso através da escrita do Francisco Baptista, dos escritos do JERO, do José Saúde, do Juvenal, das figuras pitorescas que o Jorge Cabral retrata e também o "Silva da Cart" e de tantos outros, aos quais encontrei quase sempre pontos de contacto com as minhas memórias.
Neste teu caso concreto, também.
Não tenho a pretensão se seguir ponto por ponto, tanto mais que a matéria parece vasta e neste momento até já saiu a "parte 2" e até um comentário num "post" em que, aproveitando a terminologia do momento até apelas à feitura dum "sindicato independente de comentadores e colaboradores do Blogue". Tem graça, tem oportunidade, e não deixa de ter um certo fundo crítico à falta, escassez ou menor produção, de contributos para o Blogue.
Mas, sabes Luís, também tenho pensado nisso e se é verdade que às vezes "parece" haver menos contributos, por outro lado isso também vai ao encontro da satisfação dos que dizem, com toda a razão, que a velocidade de entradas e saídas da "montra" é muito grande e que desse modo os artigos saem rapidamente da "página da frente" e perde o encanto.
Não vou, portanto, pegar em cada um dos teus "quadros" (pictogramas, como lhes chamas) mas sim em alguns aspectos de alguns deles.
Por exemplo, tenho algumas referências da "terrinha" onde nasci (onde fui nascer...), ia lá com regularidade, algumas vezes ao ano (Natal, 1º de Janeiro que era o dia de anos da minha tia-madrinha, pela Páscoa, pela "Festa", sempre no último sábado de Agosto). Passei lá bons momentos, e já na adolescência as "férias de verão" foram a oportunidade para algumas "descobertas".
Tenho que ficar por aqui pois já são caracteres a mais....
.... pois continuando, mas pouco, para não incomodar...
Para não me alongar, que isto já se estendeu, vou referir que na "terrinha" onde cresci e vivi, e como disse na minha apresentação ao Blogue (já faz tanto tempo...), onde tive a felicidade de beneficiar das várias "universidades" que Vila Franca facultava aos seus habitantes, também havia uma "Escola Primária Conde Ferreira", também junto ao Adro da Igreja, mas eu frequentei a "Escola do Bacalhau" que ficava distante da Conde Ferreira a largura duma rua que ia até ao "Monte Gordo" com a pedreira do "António Maria", aquele monte esburacado que se vê sobranceiro a Vila Franca, e umas casas térreas, pequenas, encostadas ao muro da Escola do Bacalhau.
Esta, do Bacalhau, era uma escola mista, no sentido de que também havia o sector feminino mas nada de misturas, aulas separadas, alas separadas, recreios separados...
As nossas brincadeiras nos recreios não seriam muito diferentes dos que relembras mas tínhamos, naturalmente, um outro aspecto que no teu relato não consta: brincávamos "aos
toiros"... um dos rapazes "era o toiro", por isso levava dois pauzinhos, um em cada mão, e lá ia atingindo um ou outro dos que se aventuravam a enfrentá-lo. Também tínhamos um outro entretém que, bem vistas as coisas, nos ia preparando para quando chegámos aos nossos 20 anos... era a guerra de pedrada entre a "Conde Ferreira" e o "Bacalhau" que tinha vantagem por ter um muro enquanto a "Conde Ferreira" tinha guardas em ferro mas espaçadas e nada protegiam. Ao longo do tempo, algumas cabeças partidas e telhas das tais casinhas encostadas.
Ainda vou referir que o meu Professor Afonso não tinha uma "menina dos cinco olhos"... tinha a "Mariana".... uma régua (um pedaço de pau) bem jeitosa, duma madeira rija que ele usava para "abrir a mente" aos insubordinados, aos distraídos, aos que erravam... às vezes era uma "geral"... fui contemplado (apesar de ser um "menino do Professor") com 2 reguadas na 1ª Classe, com 4 na 2ª Classe e depois perdi a conta, principalmente por via das "colectivas". A expressão que usava era "salta a Mariana!" e vai disto, umas reguadas nas palmas das mãos, bem puxadas de cima a baixo. Como é natural, havia uns mariquinhas que choravam logo, outros que aguentavam mais tempo e havia até quem por raiva e/ou determinação, aguentava sem manifestação de fraqueza.
Vou ficar por aqui.
De manhã, se tiver embalagem, comento mais alguma coisa.
Hélder Sousa
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