segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20053: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte II: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 17-26)


Encosta sudeste da serra de Montejunto, que subi desde o sopé até ao cume nas circunstâncias descritas no texto.


Fotos (e legendas) : © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fernando de Sousa Ribeiro:

(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) é membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780;

 (iii) licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

(iv) está reformado;

(v) vive no Porto;

(vi) também gosta de Lisboa onde viveu e trabalhou;

(vii) tem página no Facebook.

(viii) a CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974. Esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes. Pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo. As outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu).




Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar)(*)

por Fernando de Sousa Ribeiro

(Continuação, pp. 17-26)


A semana de campo teve lugar na região envolvente da serra de Montejunto e incluía uma subida ao alto da serra no último dia. A cada dia da semana de campo, o alferes nomeava um soldado-cadete diferente para "comandar" o pelotão, isto é, para treinar o comando de um pelotão sob a supervisão dele. 

No primeiro dia, o alferes disse: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Fulano» (não era eu). No segundo dia: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Sicrano» (também
não era eu). No terceiro dia: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Beltrano» (continuava a não ser eu). E assim sucessivamente, até que chegou o sétimo e último dia e o alferes disse: «Hoje, quem vai "comandar" o pelotão vai ser o sr. Ribeiro». Tinha chegado a minha vez. Esperei o pior.

Anunciava-se um dia extraordinariamente quente, como se veio a confrmar. «Até o S. Pedro está contra mim», pensei. Mas a manhã passou-se sem novidades de maior. Eu, pelo menos, não me lembro de ter acontecido algo de especial. À tarde, pelo contrário, o caso mudou completamente de fgura.

Depois de termos almoçado (ração de combate, é claro), dirigimo-nos para a encosta sudeste da serra de Montejunto, a fim de subi-la a corta-mato até ao cimo. Tínhamos que vencer um desnível de 600 metros na vertical, às duas horas da tarde, quando o calor era mais forte e o sol, bem alto no céu, era mais escaldante. Encharcados de suor, a ponto de termos as fardas molhadas e coladas ao corpo difcultando os movimentos, e bebendo sofregamente a água que levávamos nos cantis até ela se
esgotar, subimos penosamente a serra, passo a passo, quase fazendo alpinismo. 

A meio da subida, ouviu-se uma voz:
— Meu alferes, não aguento mais! Não sou capaz de subir mais. Estou completamente esgotado!

Era um soldado-cadete açoriano que pesava mais de 90 quilos que tinha falado, quase a desfalecer. Depois de ter incitado o soldado-cadete a continuar a subida, sem resultado, o Lourenço virou-se para mim e ordenou-me:
— Sr. Ribeiro, ajude o seu camarada! O sr. Ribeiro é que é o "comandante" do pelotão e um comandante não pode deixar nenhum homem para trás. Vamos! Do que é que está à espera?! Não podemos ficar aqui parados!

Tirei a arma e a mochila ao açoriano e, quando me preparava para entregá-las a outros soldados-cadetes para as levarem, o alferes interveio:
— Não, não! O sr. Ribeiro é que vai levar a arma e a mochila e vai ajudar o seu camarada a subir!

Fiz então um dos maiores esforços de toda a minha vida. Só em Angola, durante as operações em Zemba, é que fiz esforços equivalentes. Com duas armas ao ombro e duas mochilas às costas, reboquei literalmente o gordo açoriano pela encosta acima, debaixo do sol implacável daquele dia escaldante de verão. Eu, que não tinha sequer cinquenta quilos de peso, transportei pelo Montejunto acima um peso que era duplo do meu próprio. Eu via tudo vermelho e sentia tudo a andar à roda. O ar escaldante que eu inspirava às golfadas pela boca aberta parecia não ser suficiente para me encher os pulmões. O meu coração batia a um ritmo alucinante. A boca, completamente seca por já ter bebido a água toda que havia no cantil, sabia-me a papel de música. Pensei: «Se eu não morrer agora, nunca mais morro; sou eterno». 

E continuava a subir, mecanicamente, pondo um pé à frente do outro, sem ver nada, a não ser vermelho, e sem sentir nada, a não ser o peso do camarada açoriano e das mochilas e das armas que eu trazia. No preciso momento em que esgotei todas as minhas forças e me senti desfalecer, com os joelhos a dobrar-se, alguém me disse:
— Já chegamos ao cimo. Não precisas de puxar mais.

Foi então que reparei que já não sentia o peso do açoriano, que me tinha largado a mão. Parei. Voltei a ver. Recuperei a consciência de onde estava e do que fazia, isto é, recuperei totalmente os sentidos. Eu tinha acabado de atingir o limite mais extremo das minhas forças. Mas tinha conseguido! Estava no alto da serra, onde uma brisa fresca me reanimava. Se o Lourenço esperava vergar-me e obrigar-me a pedir-lhe perdão, enganou-se. Não cedi, não dobrei, não fraquejei. Mantive o meu orgulho
intacto.

Entreguei a arma e a mochila ao açoriano, que já podia deslocar-se pelos seus próprios meios, pois agora iríamos seguir por um caminho horizontal, e o Lourenço conduziu o pelotão para o interior de um pinhal, que havia um pouco mais para diante e para baixo. Mal chegámos ao pinhal, atirámo-nos logo todos para o chão, ompletamente esbaforidos. Gritou-me o alferes:
— O sr. Ribeiro não pode descansar! O sr. Ribeiro tem muito que fazer! O sr. Ribeiro vai encher os cantis dos seus camaradas numa fonte que há lá adiante, ao pé dos radares da Força Aérea. E vai a pé! Vai e vem as vezes que forem necessárias até que todos os seus camaradas tenham os cantis cheios.

A fonte fcava a cerca de 500 metros do local em que nos encontrávamos. Estava eu a recolher os primeiros cantis dos meus camaradas, para os levar à fonte, quando chegou a minha salvação, sob a forma de um major ao volante de um jipe.

Era o comandante do batalhão de instrução que chegava. Depois de ter trocado algumas palavras em voz baixa com o alferes, o major perguntou a este o que é que eu estava a fazer. O alferes disse-lhe que eu estava a recolher os cantis do pelotão para ir enchê-los à fonte.
— E vai a pé?! — perguntou o major.
— Claro — respondeu o alferes. — Vai as vezes que forem necessárias.
— Não vai nada a pé — retorquiu o major. — Vai comigo no jipe.

Virando-se para mim, disse o major:
— Nosso cadete, recolha os cantis todos e ponha-os aqui no jipe. Vamos à fonte num instante encher isso tudo.

Depois de eu ter colocado os cantis no jipe, o major mandou-me subir para a viatura e fui com ele encher os cantis na fonte. Finalmente pude descansar um bocadinho, sentado no jipe! E que bem me soube a água da fonte, tão fresca e tão saborosa!

Quando acabamos de encher os cantis, o major disse-me:
— Esta madrugada, o pessoal todo vai fazer um "golpe-de-mão", para concluir a semana de campo, e você é que vai comandá-lo.
— Eu?!!! — exclamei, espantado.
— Sim, você — confrmou o major. — O nosso alferes Lourenço propôs-me o seu nome e eu aceitei. Para mim, é completamente indiferente. Tanto me faz que seja você ou outro qualquer.

E acrescentou:
— Mas primeiro vamos levar os cantis. Depois tratamos do "golpe-de-mão".

Entregues os cantis aos seus donos, o major e eu fomos no jipe até ao local previsto para o "golpe-de-mão". À chegada, estavam à nossa espera os comandantes das duas companhias de instrução do 2.º ciclo do COM (a 2.ª e a 4.ª companhias), mais um ou dois oficiais que me eram desconhecidos e de cujos postos já não me lembro.

Diante de nós estava uma aldeia abandonada, situada num recôncavo da serra que era muito grosseiramente circular. Disse-me o major:
— Esta madrugada vamos fazer um "golpe-de-mão" a esta aldeia. Dentro dela vão estar alguns soldados da EPI [Escola Prática de Infantaria], que irão fazer de inimigo. Você vai ter à sua disposição oito pelotões, quatro de cada companhia, que irão desencadear o "golpe-de-mão". Você vai ter que reservar um pelotão para fazer o "assalto" ao objetivo, mais um pelotão que deverá fazer a "proteção" à retaguarda. Os outros seis pelotões farão o que você melhor entender. Você é que vai determinar que papel é que eles irão desempenhar. Fica ao seu critério.

Apontando para a aldeia e zona envolvente, o major acrescentou:
— O cenário em que tudo se vai desenrolar é este. Agora você vai decidir que dispositivo é que quer montar para a "operação".

Armado em Napoleão seguido pelos seus ajudantes de campo, avancei para o alto de um monte, dos vários que envolviam a aldeia, a fm de observar melhor o terreno. Como eu disse, a aldeia fcava num recôncavo vagamente circular, o qual estava rodeado por algumas cristas de montes pouco elevados. Os montes eram pouco elevados mas, mesmo assim, dominavam o recôncavo e cercavam-no. Entre dois desses montes havia uma espécie de vale, por onde passava a estrada que conduzia à aldeia.

Disse eu ao major:
— Eu proponho que se faça um cerco à aldeia.
— Porquê? — perguntou o major.
— Porque o terreno é favorável a um cerco e assim apanhamos o inimigo todo dentro do objetivo, sem lhe dar hipótese de escapar — respondi.
— Muito bem. — disse o major — Faz-se então um cerco.

E perguntou:
— Concretamente, onde é que vão ser colocadas as nossas forças e a partir de onde é que vai ser desencadeado o "assalto"?

Eu pensei em voz alta:
— O "assalto" deverá ser tão rápido quanto possível, para apanhar o inimigo de surpresa.

E decidi:
— Acho que vou lançá-lo a partir daquele vale, por onde passa a estrada. Ali, praticamente não há obstáculos à progressão das nossas tropas, que assim poderão entrar no objetivo e "apoderar-se" dele rapidamente, sem dar tempo ao "inimigo" para reagir.
— Muito bem, sim senhor! É isso mesmo. — comentou o major com evidente satisfação. — Então é ali que o grupo de "assalto" vai fcar. E quem é que vai desencadear o "assalto"?

Respondi:
— Proponho que seja o pelotão do CCC.

O pelotão do CCC  (Curso de Comandantes de Companhia) era o pelotão dos futuros capitães milicianos, onde estava o Antunes [, futuro cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes, o último comandante da CCAÇ 3535].
— Há alguma razão especial para ser esse pelotão a fazer o "assalto" e não outro? — perguntou-me o major.

 Respondi:
— Há, sim, senhor. Como eles vão ser comandantes de companhia, e nessa qualidade vão ter responsabilidades acrescidas no futuro, precisam de ter uma preparação mais cuidada e, portanto, deverão desempenhar o papel mais importante nesta "operação".
— Muito bem, sim, senhor! É isso mesmo! — exclamou o major. — E quem é que vai
fazer a "proteção" à retaguarda?
— A "proteção" à retaguarda poderá ser feita pelo pelotão menos operacional, pois em princípio não deverá intervir no "golpe-de-mão". Proponho que seja o quarto pelotão da 4.ª Companhia.

O quarto pelotão da 4.ª Companhia era composto por soldados-cadetes que estavam destinados a ter diversas especialidades não operacionais ou pouco operacionais.
— Sim, senhor. Muito bem. E onde é que os vai colocar?

Aqui eu hesitei. Pensei em espalhar o pelotão pelas cristas dos montes, mas virado para fora. Reparei no entanto que não fazia muito sentido fazê-lo pois, se eventuais "reforços" "inimigos" vindos do exterior "atacassem" algum dos montes pela retaguarda, estariam em desvantagem logo à partida, pois estariam a "atacar" de baixo para cima. Certamente não fariam tal. O que fariam com certeza, seria "atacar" pelo ponto mais vulnerável, que era o vale por onde passava a estrada de acesso à aldeia e onde eu tinha colocado o pelotão de "assalto".

Disse isto mesmo ao major, acrescentando que colocaria o pelotão de "proteção" virado para fora e protegendo as costas do pelotão de "assalto". Assim este poderia concentrar-se na sua tarefa sem se preocupar com o que lhe viesse por trás.
— Exatamente! — exclamou o major com entusiasmo. — É isso mesmo! Muito bem! Sim, senhor!

A seguir, o major mandou-me indicar-lhe o que eu faria com os restantes pelotões. Respondi que faria com eles um cerco ao "objetivo", colocando «um pelotão neste monte, outro naquele, outro naquele monte acolá», etc.
— Há alguma razão específica para você colocar os pelotões nessas posições e não noutras? — perguntou-me o major.

Respondi:
— Eu tenho que ter o cuidado de evitar que fquem dois pelotões frente a frente, em posições diametralmente opostas relativamente ao "objetivo", para que não se alvejem mutuamente. Tenho que os distribuir de forma desencontrada. Cada pelotão não pode ter outro do lado de lá. Por isso os coloco nestas posições.

O major, ainda mais entusiasmado, repetiu:
— Muito bem! É isso mesmo! É preciso minimizar as baixas causadas pelo fogo "amigo"! Muito bem! Agora diga-me que pelotões é que vai colocar nessas posições.

Respondi-lhe que podia colocar «o pelotão de minas e armadilhas aqui, o das transmissões ali, o primeiro pelotão da 2.ª Companhia acolá, o segundo pelotão mais para o outro lado», etc.
— Está bem. Fica então assim — concordou o major. — Está definido o dispositivo para o "golpe de mão". Agora vou mandar chamar os cadetes que vão "comandar" cada um dos pelotões, para você lhes dar as instruções correspondentes aos lugares e tarefas que irão desempenhar. Eles precisam de saber onde é que vão estar e o que é que vão fazer.

Ao fim de algum tempo, os "comandantes" dos vários pelotões juntaram-se-nos e eu indiquei a cada um deles a posição que iria ocupar e o papel que teria que desempenhar no "golpe de mão". Quando acabei de dar as instruções, o major disse-nos:
— Agora vamos tratar das transmissões.

Mandou que nos entregassem rádios AVP-1, a cada um dos "comandantes" de pelotão e a mim próprio, e no fim disse-me:
— Agora você vai escolher os canais de rádio que vai utilizar. Vai escolher um canal principal e um de reserva. Pode escolher como quiser. Cada canal é tão bom como qualquer outro; isso é completamente indiferente. A seguir, vai escolher os nomes de código que vai corresponder a cada pelotão, para quando os chamar pelo rádio. Isso fica também ao seu critério. Quaisquer nomes são bons.

Eu lá indiquei uns canais escolhidos à sorte e também os nomes, do género Águia 1, Águia 2, Águia 3, etc.
— Pronto — concluiu o major. — Já está tudo decidido. Mas antes de se irem embora, quero dizer-lhes que o "golpe de mão" vai ter lugar às cinco horas da madrugada em ponto. À meia-noite, quero que comecem a ocupar já os seus lugares. Aqui o nosso cadete [eu próprio] vai estar aqui à espera, para orientar os pelotões no que for preciso. De hora a hora, o nosso cadete [outra vez eu] vai entrar em contacto com cada um dos pelotões pelo rádio, para saber se está tudo bem e pronto a entrar em
ação. Às cinco horas em ponto, ele dará a ordem de fogo e o "golpe de mão" será executado.

Procedeu-se tudo como o major determinou. Estava uma noite fantástica. Depois de um dia escaldante, a noite estava morna, mesmo apetecível para se estar ao ar livre. Uma maravilha. Nem quero imaginar como seria estar parado durante umas horas no meio daquela serra, numa noite fria de inverno e com chuva ainda por cima…

Às cinco horas em ponto, assim que dei a ordem de fogo pelo rádio, desencadeou-se um estrondo tão grande, com perto de duas centenas de G3 a disparar todas ao mesmo tempo no meio do silêncio da noite, que apanhei um valentíssimo susto. Mesmo estando à espera dos disparos, não imaginava que o barulho pudesse ser tão grande. Devemos ter acordado toda a gente num raio de 100 km ou mais… Parecia que a serra vinha abaixo.

Terminado todo aquele estardalhaço, o major veio ter comigo dar-me os parabéns, porque, disse ele, «a operação foi um êxito completo. Apanhamos o inimigo todo dentro do objetivo e capturamos x espingardas, y metralhadoras e z morteiros». E disse isto com tanta convicção, que quem o ouvisse julgaria que tinha sido a sério! Os oficiais de carreira muito gostam de manobras militares! Eles pelam-se por estas coboiadas.

E assim acabou o 2.º ciclo do Curso de Ofciais Milicianos atiradores de Infantaria da minha incorporação. Regressamos a Mafra para dormirmos e a seguir fomos para nossas casas, não sem antes nos terem dito que no dia tal deveríamos estar de volta, para sabermos as nossas notas finais, qual o teatro de guerra para onde iríamos ser mobilizados, qual a unidade em que seríamos colocados e para nos serem impostas as novas divisas de aspirantes.

Quando regressei a Mafra no dia marcado e olhei para a pauta onde as notas estavam afixadas, nem queria acreditar na nota que me tinha sido atribuída: treze valores vírgula zero zero. Era a nota máxima! A nota 13 era o limite que separava os simples oficiais atiradores, como eu, dos oficiais de Operações Especiais.

Os oficiais de Operações Especiais não podiam ter menos de 13 valores; os oficiais atiradores, em princípio, não podiam ter mais de 13, a menos que fossem verdadeiramente extraordinários, caso em que rebentariam a escala. Na minha incorporação houve mais dois ou três atiradores que tiraram 13 valores como eu e houve um que rebentou a escala, tendo recebido à volta de 15. Chamava-se Poças, era uma jóia de moço e como "prémio" foi mobilizado para a Guiné em rendição individual.

E foi assim que um (futuro) alferes comandou o seu próprio (futuro) comandante de companhia, mais uma data de outros (futuros) capitães!

[Foto à esquerda: 

Capitão miliciano José António Pouille Nobre Antunes, que comandei no fim da semana de campo do 2.º ciclo do COM, quando ambos éramos soldados-cadetes. Posteriormente, já com o posto de capitão miliciano, foi ele que me comandou, assim como toda a CCaç 3535, a partir da segunda quinzena de abril de 1973]


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Nota do editor:

20 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Grande texto, Fernando, entras com "chave de ouro"... Como era extenso, tive que o "partir em dois"...

É impressionante a tua capacidade para reconstituir as duras cenas da instrução militar na Máfrica... A descrição é seca, assertiva, despojada de sentimentos de vingança ou de ódio por aqueles "durões" de opereta, que eram os nossos instrutores militares...

Deste um grande exemplo de dignidade e de coragem, no teu COM... LG

Fernando Ribeiro disse...

Agradeço os elogios, Luís, mas não os mereço. Na verdade, eu não tinha sentimentos de vingança ou de ódio por aqueles "durões" de opereta, como muito bem lhes chamas. O que eu tinha (e tenho) era desprezo por essas criaturas e procurei resistir-lhes. Eu era (e sou) orgulhoso demais para lhes reconhecer qualquer ascendente sobre mim.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nunca fomos um "povo de brandos costumes"... Esse é um dos mitos quse se construiu no tempo do Estado Novo... Muitos de nós sofremos, antes do 25 de abril, a violência institucionalizada nas escolas, nos quartéis, nas esquadras das polícias. nas prisões, nas empresas...

Os instrutores militares, pelo mnenos alguns que conhecemos, de Mafara a Tavaira, não nos prepararam para nenhuma guerra, nem nos fzieram melhores homens e portugueses, muito menos cidadãos...Era uns pequenos sádicos: todo o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente... É a "impunidade" que permite a violência institucionalizada... Abraço, Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando, acrescenta a família, a igreja, o seminário, os internatos, as forças armadas, a a marinha mercante, a pesca, os barcos do bacalhau... Eram "total institutions", institituições com pendor totalitário... Na família, sobretudo, na família camponesa do Norte, o pai era pai e patrão, e a mãe, matriarca...

A violência (física) dos progenitores e dos mais velhos, era aceite culturalmenente... Era qualquer coisa de "natural": "que, dá o pão, dá o pau (a educação)"... Leia-se: a "formatação"...

O poder do padre e do professor era grande... Mi+udas novínhas saídas das Escolas do Magistério Primata era umas sádicas, algumas delas... Hoje, já não diabolizamos os nossos professores do ensino primário... (E eu não tenho, pessoalmente, razão de queixa, era um aluno excecional e privilegiado; mas tenho colegas que ficaram "traumatizados" com a escola "primária" do Estado Novo, onde se usava todos os dias a bofetada, o puxão de orelhas, o ponteiro, a "menina dos cinco olhos"... para "abrir a cabeça dos burros"...

Para não falar das instituições, "física, simbolica e culturalmente fechadas" como os seminários, internatos, etc. Em suma, a "Máfrica" não era uma "exceção"...

Valdemar Silva disse...

Luis, essa da 'Escolas do Magistério Primata' não rima mas é verdade. ah!ah!ah!

Ab.
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Luís, a pesca do bacalhau era tão dura, que servia de alternativa ao serviço militar. Quem fosse para a Terra Nova, pescar bacalhau para encher os bolsos ao Henrique Tenreiro, livrava-se de ir para a Guiné ou outro teatro de guerra. E houve pescadores que preferiram a guerra! Na minha companhia houve quatro pescadores, três deles de Sesimbra e um de Matosinhos.

E também havia a Mocidade Portuguesa, inspirada nas Juventudes Hitlerianas, para formatar a malta. Eu nunca passei de soldado raso na Mocidade. Como é que se chamava o posto? Lusito? Então eu fui lusito até ao fim. Havia um puto com mais um ou dois anos do que eu e que supostamente mandava em mim. Acho que o posto dele era comandante de castelo ou algo assim. Era filho de um militar e queria imitar o pai, dando-nos ordens a torto e a direito. A malta não lhe "passava cartão" e ele, sentindo-se sozinho e cheio de vontade de brincar, acabava por mandar a Mocidade às malvas e brincava connosco. Enfim, a Mocidade foi uma fantochada, mas marcou-nos muito profundamente também.

Valdemar Silva disse...

Eu, na MP, fui caixa trrran..tan.tan. e nos desfiles marchava à paisana e mais uns outros. Não havia dinheiro para fardas....e lá íamos cantando e rindo.
Todos com muito respeitinho e a pedir a bênção ao padrinho e ao prior, do padrinho sempre ia havendo 2 tostões pra rebuçados, do prior um 'vê lá o que andas a fazer que este meu dedo advinha tudo'.
E aquele do 'S' na fivela do cinto da farda era já o símbolo prós 1000 anos como os outros que tinham acabado.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, não queria ofender as minhas amigas que fizeram, no tempo da outra senhora, a Escola do Magistério Primário... O Primata, escapou-se-me, malditas teclas!...Ou a culpa é dos dedos que tocam nas teclas ? Ou dos neurónios que comandam os dedos ?...

Que Deus nos livre do Alzheimer!... Mas a culpa é das alterações climáticas... Ou será da merda dos telejornais que não vejo ?... Comprei uma televisão toda XPTO para a casa nova, mas pouco lhe "ligo"...

Boa continuação da "onda"... Qualquer dia temos que fazer, tu, e eu e mais uns poucos um "sindicato independente dos comentadores do blogue"...Somos cada vez menos e em vias em extinção... Proponho a "requisição civil" da Tabanca Grande!... LG

Valdemar Silva disse...

Luis, desde que não nos falte o 'combustível' cá vamos comentando.
E ainda temos muita gente que gosta deste nosso blog-convívio.

Valdemar Queiroz

A. Murta disse...

Luís graça, desculpa lá, mas a culpa é mesmo dos neurónios. Eu ainda estava a ler no teu comentário que “O Primata escapou-se-me, malditas teclas!...”, e de imediato a sorrir-me por achar que devias era culpar os neurónios e não as teclas. Logo a seguir reparo que te interrogas sobre a culpa deles no comando dos dedos. Claro que são os neurónios.
Olha eu… Acabei de jantar há bocado e levantei-me para ligar a máquina do café. A seguir dirigi-me a uma caixa na banca da cozinha e tirei um pequeno bolo de coco para acompanhar o café. Fiquei com ele na mão esquerda e com a direita peguei num pequeno papel anotado pousado na pedra da banca. (Uso muito a “memória” espalhada por todo o lado em papelinhos). Vendo que estava ultrapassado o assunto do papelinho, quase em simultâneo esborrachei o bolo de coco na mão esquerda e dirigi-me para o balde do lixo, mas, estranhando a textura, olhei para cima da banca atrás de mim e vi o papelinho pousado…
Estava sozinho e fartei-me de rir a olhar para o bolo esborrachado na palma da mão! Foram mesmo os neurónios os culpados. Estão assim os meus, os teus e os da maioria de nós. Mas não precisas de te preocupar com o Alzheimer… Li algures que quando damos conta destes pequenos “desconcertos” cerebrais (temos consciência deles), e ainda nos rimos, estamos a milhas do Alzheimer.

Grande abraço.
António Murta
(Comentador Independente do Blogue)

Hélder Valério disse...

Bom dia!

É só para confirmar que isso dos neurónios "toca a todos"...
E já sorri de satisfação com estes comentários.

É preciso continuar, sim senhor, e quanto mais nos envolvermos menos possibilidade temos de esborrachar os "bolinhos de coco"...

Haja boa disposição!

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Caro António Murta
Como não tem havido comentários, notoriamente, de cariz ideológico partidário, religioso ou clubista, no nosso blogue, gostaria e acharia interessante que explicasse, caso o entenda, a razão da necessidade de se considerar 'Comentador Independente do Blogue'

Ab.
Valdemar Queiroz

Hélder Valério disse...

Caro Valdemar

Não tenho qualquer procuração do Murta para responder por ele e, por isso, com esta minha intervenção não tenho pretensões em fazê-lo.

Mas, em minha interpretação, que me provocou um sorriso quando vi, ele subscreveu a sua (dele, pois suadela é agora, no Verão) assinatura com um, entre parêntesis (Comentador Independente do Blogue) para corresponder à também gracinha do Luís Graça num comentário público mas dirigido a ti, Valdemar, com um "Boa continuação da "onda"... Qualquer dia temos que fazer, tu, e eu e mais uns poucos um "sindicato independente dos comentadores do blogue"...Somos cada vez menos e em vias em extinção... Proponho a "requisição civil" da Tabanca Grande!...

Entrando por esta "porta" encontro a resposta para a assinatura do Murta.
Com está na "moda" criar "sindicatos" de actividades parciais... é só mais um!

Abraço
Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

OK, Hélder
Distração a minha, não percebi.
…..independentes....como diria o boneco da 'Contra-Informação'.
Espero que o Murta entenda a minha confusão.
Evidentemente, não precisamos de 'requisição civil'.
Mas, se fizéssemos greve era bem decretada. O nosso blogue não pode estar parado.
Já passaram 50 anos que andamos por Piche, daqui a mais dez anos cá estaremos para
contar 'aquele vez que eu estive em Piche'.
Agora, pra não dizerem que já não falamos da Guiné, conta lá como é que aparece o poster do Che Guevara na parede, duma tua fotografia em Bissau.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Hélder Valério disse...

Olá Valdemar

Pois também creio que se o Murta voltar aqui e ler estes comentários não terá qualquer dúvida das boas intenções.

Quanto a Piche, pois claro que tendo estado por lá quase 6 meses é sempre a minha referência de "vida no mato" sendo certo que do quartel e da tabanca só saí nas colunas de e para Nova Lamego (e mais à frente... até ao Xime).

Quanto ao famoso poster do Che Guevara não te sei dizer de quem é a "paternidade". Naquela altura, embora nutrice alguma admiração pelo "Che" não era "guevarista", não perfilhava a teoria da "exportação da revolução". Na realidade, naqueles tempos estava "independente", se bem me entenderes....

O poster estava noutro quarto da moradia onde vivia. Já escrevi por aqui que haviam três edificações, cada qual com três moradias (ou apartamentos, se se preferir) e cada um destes com três quartos, casa de banho e cozinha (era mais um espaço aproveitado para outras ocupações). Eram instalações dos sargentos das Transmissões sendo que na construção do meio, na moradia do meio, funcionava então o "Centro de Escuta". O local onde vivia era no "apartamento" adjacente à Escuta no lado voltado para Antula.

Esse poster estava então num dos outros quartos e resolvi tirar essa foto para "provocar" alguns dos meus amigos "ortodoxos". Hoje acho bastante graça à situação, pois as pessoas valorizam mais a "insolência" de posar junto a quem nos combatia ou inspirava o combate, sem saberem realmente o motivo ou objectivo principal.

No meu quarto havia, isso sim, um poster do Frank Zappa (não sei se te lembras) sentado numa sanita (ou "cagadeira", se preferires). Sei que há uma foto com isso "algures" mas ainda não consegui encontrar.

Espero que o "mistério do poster" fique esclarecido

Abraço
Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Hélder
A fotografia do poster do Che é do Alfred Korda, que foi e ainda é um ícone da Art Pop. Mal sabia o Che para o que estava guardado.
Também me lembro do poster 'na cagadeira' do Zappa. Grande maluco.
Mas a minha curiosidade, sendo vocês das 'escutas', como é que havia um poster todo revolucionário afixado na parede das vossas instalações. Em princípio todos vocês seriam ou estariam debaixo duma hierarquia 'pouco revolucionária', penso eu.

Ab.
Valdemar Queiroz

Hélder Valério disse...

Caro Valdemar

Quando escrevi que não sabia da "paternidade" do poster do "Che" era mesmo do poster, não da foto. Quem o comprou, onde, quando a colocou na parede, quem a colocou, etc. Isso não me lembro e acho que, na realidade, nunca cheguei a saber. Estava lá e pronto!

Recordo que quando no meu quarto eu e o Nelson resolvemos "melhorar", pedimos autorização para o pintar, o Capitão disse que sim e que mandava pintores mas nós dissemos não ser necessário, nós mesmo tratávamos do assunto.
E assim fizemos. Comprámos tinta de óleo, bem castanha, e pintámos as paredes dessa tinta, nessa cor. Não me recordo como foi com o tecto. Sei que havia um pendural com uma lâmpada, fraca, com pouca potência luminosa. Na janela, junto da qual ficava a minha cama, colocámos, assim a jeito de "cortinado" ou quebra-luz, um pano tipo sarapilheira amarelo torrado (dourado) que por sinal completava muito bem com a parede e com uma coberta verde seco que tinha sobre a cama.

Por essa ocasião o Comandante das Transmissões tinha o hábito de ao sábado passar "revista às tropas e às instalações". Os Sargentos refilavam em surdina porque achavam que já eram crescidinhos e não precisavam de um "paizinho" que lhes viesse dizer que tinham de lavar os desinfectar o quarto, de fazer melhor as camas, etc.

No dia de sábado de revista a seguir ao fim da "obra", ainda com o cheiro da tinta de óleo bem intenso, o nosso Comandante "Raminhos" faz a habitual revista com a sua habitual comitiva acompanhante. Eu estava de serviço no meu turno, das 07:00 às 13:00. O Nelson Batalha, meu companheiro de quarto, tinha saído do turno das 01:00 às 07:00 e estava a dormir, naturalmente. Fora este caso não havia mais ninguém deitado, nem era suposto haver, durante a revista, que se estava a realizar aí cerca das 10:00. Quando os "revistadores" saíram da Escuta e foram para as nossas instalações saí à frente para "explicar" que o Furriel Batalha (que na época era muito acarinhado porque tinha sido evacuado ferido dum ataque a Catió em 14 de Abril de 1971 e esse ferido era a prova provada de que o pessoal de Transmissões também corria riscos e o "nosso Comandante" beneficiava disso) estava deitado pois tinha acabado de sair do turno nocturno.
Abriu-se a porta e a penumbra provocada pela pouca luz que conseguia passar filtrada pelo cortinado/sarapilheira e pelas paredes castanhas escuras não deixava ver bem o que se passava. Ligou-se a tal lâmpada de tecto, fraquinha, e não melhorou muito mas deu para ver o poster do Frank Zappa. Aí o Coronel "Raminhos" piscando os olhos, chegou-se ao poster, olhou para as paredes e resmungou no seu jeito de "xopinha de maxa" "isto está uma borrada, isto está uma borrada" e saiu.
E nunca mais houve revistas aos quartos dos Sargentos (Furriéis incluídos, claro).

Portanto, depois desse momento não teria havido revistas, não teria havido visualizações de posters. Se o "Che" chegou lá depois disso está explicada a sua "sobrevivência". Se chegou antes, e creio que não, teria, talvez, passado despercebido.

Fica por aqui a parte do poster...
A seguir tentarei abordar, mais sinteticamente a outra questão que colocas.

Hélder Sousa

A. Murta disse...

Meus queridos camaradas Valdemar Silva e Hélder Valério.
Só agora li os vossos comentários ao que escrevi ontem e já me ri bastante. Realmente, aquela maluqueira de me assinar como Comentador Independente foi mesmo, como muito bem disse o Hélder Valério, para corresponder à gracinha do Luís Graça.
E só comentei, exactamente porque não tem havido os tais comentários notoriamente de cariz ideológico, etc. etc., que bem refere o Valdemar. E que, quando ocorrem, me deixam azul e num sufoco, entre o querer dizer umas verdades a certos pedantes, e calar-me para não me incomodar. Mas são essas situações que, aos poucos, têm contribuído para afastar muitos camaradas das caixas de comentários do nosso Blogue, mas não só. Honras vos sejam feitas, Valdemar Silva e Hélder Valério, por se manifestarem muitas vezes em abono da verdade e da dignidade. Aproveito para vos dizer que estou quase sempre em sintonia com os comentários que fazem. Eu apenas me reservo mais, coisa que não bate bem com a minha índole. Daí o sufoco de que falei

Grande abraço para vocês
E restantes camaradas.
António Murta.

Hélder Valério disse...

Quanto então à "outra questão" a da interrogação, a da curiosidade, que colocas, a resposta mais correcta e curta é "não te sei dizer". E é verdade!
Mas há coisas que posso "especular".

Quando cheguei à Guiné integrei um grupo de 7 Furriéis TSF em "rendições individuais". Quatro desses, onde me incluí, receberam instrução para chefiar postos do STM junto de comandos de Batalhões algures. Assim eu fui para Piche, outro para Catió, outro para Farim e outro para Tite. Os restantes 3 tiveram destinos diferentes. Um ficou adstrito à Secretaria (era amigo e da mesma terra do Sargento Ajudante) e os 2 restantes foram dar corpo à Escuta que não sei dizer se já tinha sido criada se estava a ser naquela época.

Sei também que os Capitães Comandantes do STM e da Companhia de Transmissões (de que a "Escuta" era integrante) eram cunhados, que tinham estado no BT a fazer o tirocínio de Capitão quando eu e os outros Furriéis estávamos a fazer o 2º Ciclo do CSM, portanto já nos conhecíamos e acredito que esse conhecimento pudesse ter sido factor de selecção.

Quando o Nelson foi evacuado a meio de Abril, esteve uns tempos no Hospital e depois, sendo um "ferido de guerra" colocaram-no na Escuta. Sempre era um Furriel de Transmissões TSF do STM. Quando terminei a minha missão em Piche e regressei a Bissau, em meados de Maio de 1970, alegadamente, sob promessa do meu Capitão do STM de ir para um "Posto bom" (Teixeira Pinto, Bolama, Bissau) fui "requisitado" pelo Capitão da Companhia de Transmissões para ir para a Escuta.
Isso foi um episódio com o seu quê de surrealismo, que já relatei em post faz bastante tempo mas no fim do qual "fui para a Escuta". Sob protesto, mas fui. Que remédio!

Posso ainda acrescentar mais uma curiosidade.
Em Julho de 1972 fiz três anos, sem punições, pelo que "subi à 1ª classe de comportamento".
No início de Agosto de 1971 armam-me uma armadilha na sequência da qual fui punido com nem sei quantos dias e em consequência dessa punição "baixei", voltando à 2ª classe de comportamento.
Porque digo que foi "armadilha"? É fácil de demonstrar. Mais difícil é encontrar os (ou o) motivos, embora também tenha os meus palpites...

O que motivou a punição foi que fui escalado para uma operação de "radioloc" como tantas outras vezes. Era-me dada uma listagem de material a levantar da logística da "Cheret". "Eles" já tinham conhecimento prévio de que o material iria ser levantado por mim (havia comunicação nesse sentido dizendo que material era e quem o ia e estava autorizado a levantar) e quando lá chegava com o condutor da viatura era só apresentar a requisição, carregar e seguir para a localização previamente determinada para a operação.
O que se levantava era, sem ser exaustivo, o rádio goniómetro, tripés, antenas, chaves de morse, bateria, etc. Sempre correu tudo bem.

Naquele dia, como habitualmente, levantei tudo, verificando visualmente se as peças estavam todas, se estavam operacionais, ou sejam, se não estavam partidas. Não esperava nem contava, por absurdo, que me entregassem uma bateria descarregada.
Com isso não foi possível dar cabal cumprimento à minha parte da missão. Ainda tentei que se pudesse utilizar a bateria da viatura mas faltavam cabos para isso. Ainda tentei ficar sozinho no mato e mandar o condutor buscar outra bateria mas já não foi útil, o tempo para a radiolocalização tinha passado.

Fui então punido por não ter tido o "cuidado de verificar o estado de todo o material, tendo com isso prejudicado e comprometido uma operação". A puta que os pariu! Não sei de quem foi a ideia, sei que o Capitão de então (já não era o Capitão Cordeiro, o inicial) estava um tanto comprometido pois deu-me conta da punição ao mesmo tempo que pedia desculpa por ela. O meu orgulho não me permitiu inquirir porque o fazia então, a mando de quem e porquê, embora pensasse que adivinhava fácil.

Hélder Sousa

Hélder Valério disse...

Olá,

Voltei para agradecer ao Murta as amáveis palavras e para fazer correcção de duas datas.

Assim, quando escrevo "... regressei a Bissau, em meados de Maio de 1970" deve ser lido "Maio de 1971", naturalmente.

E quando escrevo "... No início de Agosto de 1971 armam-me uma armadilha..." deve ser lido "Agosto de 1972".

Assim é que está correcto.

Hélder Sousa