quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20538: (in)citações (142): Homenagem aos nossos bravos "intendentes", Fernando Franco (1951-2020) e António Baía, os primeiros a falar-nos da tragédia de Cufar, de 2 de março de 1974


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Região de Tombali  > Catió >  Cufar > 2 de março de  1974 > Três fotos que documentam as brutais consequências do accionamento de duas minas, reforçadas, colocadas pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar e ao destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 (Cufar, 1973/74)...

A viatura, onde seguia o fur mil madeirense Pita da Silva e mais 1 militar do PINT 9288 e 3 civis, estivadores,   ficou completamente desfeita, tendo sido projectada a 100/150 metros (Foto nº 1)... Tiveram morte imediata o soldado caixeiro Rodrigo Oliveira Santos, mais os 3 guineeenses e houve 1 ferido grave, o fur mil Carlos Alberto Pita da Silva que, em consequência dos ferimentos sofridos, virá  a falecer no Hospital Militar de Bissau, duas semanas depois, a 17 março.

O soldado Rodrigo Oliveira Santos, de alcunha, o "Jeová", era natural da freguesia de Romariz, Vila da Feira; o furriel miliciano Pita da Silva nasceu no Funchal, Madeira.

Fotos (e legenda): © Fernando Franco (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Horror, impotência e luto (1)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Horror, impotência e luto (2)



Guiné > Região de Tombali > Cufar > Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina reforçada.

Fotos obtida de "slides" do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007).

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Cufar e do porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


1. Foi a primeira vez, em 14 de outubro de 2006, na Ameira, por ocasião do nosso I Encontro Nacional, que eu ouvi falar da "tragédia de Cufar# (*)... O António Graça de Abreu chamou-lhe o "dia do Diabo" (**).

Foi no dia 2 de março de 1974, a um mês e meio do 25 de Abril... O 1º cabo aux enf António Baia, do PINT 9288,   assistiu a este episódio de guerra, "pura e dura"... Estava destacado em Cufar. O Fernando Franco, 1º cabo caixeiro, estava em Bissau.  O cmdt do PINT 9288, o alf mil João Lourenço, também estava em Cufar. Estes três camaradas entraram para a Tabanca Grande, o Baía e o Franco, logo em outubro  de 2006, o João Lourenço mais tarde, em maio de 2009 (***).

Foi o Franco e o Baia que, em conversa, na Ameira, me fizeram uma primeira descrição dos acontecimentos.  Depois o Franco mandou fotos: a foto nº 1, é impressionante, um jipe feito num rodilha, projetado a grande distância, na sequência da explosão de mina A/C reforçada...

Noutra das fotos pode ver-se a cratera originada pela explosão (Foto nº 3)... O Fernando Franco não sabia, na altura, se os dois soldados do seu pelotão que morreram, vieram ou não para o Continente, mas ele fez Guarda de Honra aos seus restos mortais, "até ao Hospital de Brá" [, HM 241].

Entretanto, um outra mina, reforçada com uma bomba da FAP (que não explodira, ao cair...), escondida no lodo, foi accionada por um batelão, ao atracar ao cais. O batelão, que levava carga da Intendência, incluindo bidões de combustível, pegou fogo e ficou destruído (Foto nº 2).

Houve vinte e tal mortos e desaparecidos, além de mais de um dúzia de feridos, todos civis, estivadores ao serviço da Intendência. (Estes mortos, sendo civis, não foram contabilizados como "mortos da guerra do Ultramar".)

Às vezes esquecemo-nos destes valorosos camaradas da Intendência que, à parte a fama (mas, quiçá, sem o competente proveito...) de nos  roubarem uma ou outra caixa de uísque ou de cerveja, também corriam riscos de vida nos seus destacamentos e nas viagens que faziam pelas rios e braços de mar da Guiné, acompanhando as colunas logísticas...

Nunca é demais lembrá-los (****)... Para mais, partiu, ontem, para a sua última morada, o "intendente" Fernando Franco, membro da Tabanca Grande da primeira hora, e que muitas saudades nos deixa,  a todos aqueles que, como eu, o  Carlos Vinhal, o Virgínio Briote e outros, o conheceram e que com ele conviveram, na Ameira, na Ortigosa, em Algés (na Tabanca da Linha)...

Fonte de informação: entrevista,  feita por LG, ao Fernando Franco a  ao António Baia, I Encontro Nacional da Tabanca Grande,  Montemor-o-Velho,  Ameira, 14 de Outubro de 2006...


2. O nosso "intendente" (, como eu gostava de chamar-lhe,) Fernando Franco esteve no BIG (Batalhão de Intendência Geral) em Bissau entre 1973 e 1974, numa CIAD (Companhia de Intendência de Apoio Directo).

Recordo que nos desencontrámo-nos no 10 de junho de 2006, em Belém, mas viemos a conhecer-nos, pessoalmente, na Ameira, a 14 de outubro de 2006.

No final de junho desse ano, ele já tinha feito a devida apresentação à nossa "tertúlia" (mais tarde, "Tabanca Grande"):

"Luís, conforme o pedido aqui vai uma fotografia de quando ainda era magro, em Bissau, onde estive, de 20 de abril 1973 a 11 de setembro 1974. Como podes ver pela data,  a minha unidade, CIAD, foi quase das últimas a sair da Guiné"... 

Enquanto ouvia o Adeus, Guiné... e o barco ou o avião não chegava... Na realidade, ele foi, a par do António Baía, outro "intendente", um dos últimos "soldados do Império".

A 4 de outubro de 2006, uns dias antes do nosso I Encontro Nacional, ele teve a gentileza de me mandar mais alguns dos seus dados curriculares:

(i) Fernando Alberto da Silva Franco nasceu em 1951 e foi criado em Lisboa, no bairro da Graça;

(ii) trabalhou e estudou de noite;

(iii)  na tropa, tirou a especialidade em Administração Militar;

(iv) embarcou para a Guiné como 1º Cabo Caixeiro (sic), integrado numa CIAD (Companhia de Intendência de Apoio Directo), em 20 de abril de 1973;

(v) a sua comissão foi até mesmo ao fim da nossa presença na Guiné: regressou a casa a 11 de setembro de 1974;

(vi) "casado há 32 anos", tinha  "um casal de filhos e mais recentemente uma netinha";

(vii) profissionalmente passara pela "área de escritório e contabilidade";  nestes últimos 16 anos, estivera na área dos camiões pesados (compras de material), "e actualmente  [, em 2006,] estou no desemprego, ou à espera da reforma";

(viii)  morava na altura, na Venda Nova, Amadora;

(ix) acabou de morrer  no IPO de Lisboa, no início deste ano.


3. Outro camarada da Intendência, que eu conheci em 14 de outubro de 2006, na Ameira, foi o António Baía,  1º cabo aux enf, no  PINT 9288.  

Era um grande amigo do Fernando Franco, cujo endereço de e-mail partilhava, na altura. Rezava assim a sua biografia:

(i) nasceu em Beja em 1951;

(ii)) trabalhou  como serralheiro até assentar praça na mesma cidade em janeiro de 1972;

(iii) de seguida foi tirar a especialidade de enfermeiro em Coimbra, acabando por seguir para a Guiné, em abril de 1973, integrado numa Companhia de Intendência, com sede em Bissau;

(iv) o seu pelotão foi destacado para Cufar (PINT 9288 – Cufar, Os Pioneiros, 1973/74);

(v) regressando a casa também  em 11 de setembro de 1974;

(vi) casado,  disse.nos [, em 2006,] que tinha "um rebento do melhor que se pode pedir",  filho Bruno;

(vii)  "profissionalmente e após findar o serviço militar", ingressara como funcionário no Ministério Justiça,  mas em 2006  já estava aposentado;

(viii) morava [, em 2006,]  nos Moínhos da Funcheira, Amadora.
________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

16 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

16 de novembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

Vd. também postes de:

21 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

22 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11610: Efemérides (126): "O dia em que Satanás andou à solta"! Cufar, 2 de Março de 1974 (António P. Almeida, Pel Rec Fox, 8870/72)

2 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

2 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14314: Efemérides (181): Recordando o dia 2 de Março de 1974, dia de horror, impotência e luto em Cufar (Armando Faria)

(***) Vd. poste de 19 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4377: Tabanca Grande (145): João Lourenço, ex-Alf Mil do PINT 9288 (Cufar, 1973/74)

(****) Ùltimo poste da 20 de dezembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20473: (In)citações (141): Morreu a G3, viva a G3 (, substituída agora pela SCAR) (fotos de Jacinto Cristina, e versos de Albino Silva)

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Foi a guerra de guerrilha pura e dura.
Para que conste, o fotógrafo desta vez estava lá para fotografar o batelão ainda em chamas.
Naquele dia morreram militares e civis.
Morreu muita gente na guerra da Guiné.
Estava-mos ao Março de 1974, o 25 de Abril estava a um mês de acontecer.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, morreu muita gente e não vem nas estatísticas...da "guerra". Morreram muitos civis de um lado e do outro... Estes estivadores, pro exemplo: quem eram ? A Intendência devia ter, pelo menos, uma folha de pagamentos com os seus nomes...

E os "carregadores" do PAIGC, nas chamadas "regiões libertadas" ?... Era trabalho "revolucionário", tão forçado como o das populações que eram arrebanhadas, pelos régulos e pelos administradores, para "capinar" as bordas das estradas...

Isto ainda acontecia no nosso tempo: 1969, no 1º ano do consulado de Spínola!... No Setor L1 (Bambadinca), houve um operação de capinagem, no 1º semestre de 1969, que envolveu... 3 mil civis!... E lembro-me de, em certas operações, levarmos civis para carregar jerricãs de água e granadas (de bazuca e de morteiro)... Por ex., na Op Tigre Vadio, março de 1970...