quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20669: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (3): Um Presépio de cartolina

Olossato – Um Presépio em cartolina que com “uma improvisada lamparina acesa, até ao fim do Dia de Reis”, fez a diferença naqueles dias de Natal no Olossato.


Mais uma crónica do nosso camarada Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70):


MEMÓRIAS AO ACASO

03 - UM PRESÉPIO DE CARTOLINA

As licenças no período Natalício estavam completamente vedadas aos militares deslocados nos teatros de guerra.

No mato, tomavam-se precauções redobradas para os dias de maior significado Cristão, e festejava-se um arremedo de Natal com rancho melhorado, que de forma alguma colmatava a nostalgia da família, dos amigos e das diversas gastronomias regionais, evocadas tanto por ausência, como por contraste.

No Natal de "68", na única e incipiente loja existente no Olossato, e depois nos comércios de Bissorã, onde a oferta melhorava substancialmente, procuramos, sem resultado, um Presépio.

Aprazado um telefonema nos correios de Bissorã (havia que pedir a chamada com aviso e marcar hora de contacto), solicitei a minha Mãe, do "stock" da nossa loja em Vila Real, o envio em envelope comercial de um Presépio de cartolina, que depois de armado, tinha a particularidade de ficar com o aspecto tridimensional que foto documenta.

Bissorã – No centro, e ao fundo da foto, o edifício dos Correios em Bissorã, de onde o ex-Alf. Mil. Miguel Rocha telefonou à Mãe, a D. Mariazinha, pedindo que lhe enviasse para o Olossato um Presépio em cartolina.

Nas costas do Presépio em cartolina, a Mãe do ex-Alf. Mil. Miguel Rocha escreveu esta mensagem. “Natal de 1968. Que a Paz que reina neste Presépio caia sobre a Guiné”. 

Apesar da humildade artística, este singelo presépio fez a diferença na atípica envolvente tropical, impondo-se como fio condutor dos nossos pensamentos, recordações e emoções daquela quadra festiva, quiçá para nós, a mais marcante, vivida longe dos nossos, num ambiente hostil e de avassaladora saudade.

Uma improvisada lamparina, acesa até ao fim do Dia de Reis, completava o arranjo numa pequena mesa da messe de oficiais.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20646: Memórias ao acaso (Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845) (2): Hoje, exactamente 51 anos depois!

8 comentários:

Hélder Sousa disse...

Caro amigo Miguel Rocha

Já por várias vezes e em diversas circunstâncias tenho reparado que as "pequenas coisas" é que dão sabor e significado aos acontecimentos.
Quem não se lembra "daquele dia" em que uma qualquer garrafa de água fez a diferença a tal ponto de ainda hoje nos lembrarmos disso? E "aquele petisco" comido numa roda de amigos que "soube pela Vida"?
É mesmo assim.
Esta tua "recordação ao acaso" é também uma amostra disso mesmo.
Um "modesto presépio" (e porque, ao invés, teria que ser "imodesto"?) veio fundir pensamentos, recordações, convívios, sabores, alegrias.... tudo isso em ambiente aparentemente contraditório mas que, tenho a certeza, para muitos foi uma forma de interiorizarem a situação e projectarem os seus pensamentos.

Abraço
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Miguel:Que orgulho ter uma mãe que se apressa a satisfazer um pedido de um filho, tão singelo quanto insólito como o teu... Um presépio em cartolina para armar num teatro de guerra... e que depois tem a ternura de te escrever, no verso, à socapa, duas palavrinhas tão lindas: que a paz deste presépio chegue à Guiné... A paz!... Era o que nossas mães mais desejavam para todos nós... O Natal era a data que calava fundo nos nossos corações ... Um alfabravo, camarada. Luís

Miguel Rocha disse...

Caro Hélder Sousa

Como diz a canção, "a vida é feita de pequenos nadas..." eu, acrescento embora não rime, "que
se agigantam no nosso coração" !
Mais uma vez o meu Muito Obrigado pelo positivismo do teu comentário.
ABRAÇO
Miguel Rocha

Miguel Rocha disse...

Caro LUÍS
Grato e sensibilizado, uma vez mais, com o teor do teu comentário. As nossas Mães, foram sem dúvida alguma, os seres mais visados pela enorme e desgastante angústia provocada pele guerra. Um dia destes voltaremos ao assunto.
ABRAÇO
Miguel Rocha
P/S Algures no Blogue vi que procuravas pelo AlF.Médico Maximino Cunha. Lamento informar que faleceu há 3 ou 4 anos(?!). Conheci o "Max" em Vila Real foi lá acabar o 3º ciclo liceal, ficou hospedado na casa do meu amigo Chico Martins, também combatente e nosso contemporâneo na Guiné. Só o voltei a ver no Niassa a caminho da Guiné, com a particularidade de ter sido assaltado por um violento e permanente enjoo que o "colou" à cama nos 6 dias de viagem ! Reencontrei-o em Nov./69, no Hosp. Milit. onde passou a prestar serviço.

Valdemar Silva disse...

Interessante o edifício da Estação dos Correios de Bissorã, ser igual ao da Estação dos Correios de Nova Lamego.
Não sei se foram construídos na mesma data e se haveria outros iguais noutras localidades, provavelmente foram feitos 'estilo padrão', como por cá as Escolas Primárias dos anos 1940/1950.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Miguel, lamento só saber agora da morte do dr. Maximino José Vaz da Cunha, natural de Chaves... Como vês, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é Grande...

Já em 2013 andávamos à sua procura... Provavelmente era este o poste a que te referias... Podes volar a relê-lo.

Vou ver se consigo localizar o meu amigo, o dr. Manuel José Matos Almeida, para lhe dar a triste notícia, se é que que ele não soube logo na altura... Ambos eram do mesmo curso de medicina. O Manel Zé deve estar hoje com 75 anos. Mas já não o vejo há muito. Era de Odemira, Santa Clara a Velha, se a memória não me falha... Médico dermatologista, aposentado, do Hospital de Santa Maria.

Um alfabravo, Luís Graça

11 DE AGOSTO DE 2013
Guiné 63/74 - P11930: Os nossos médicos (67): Maximino [José Vaz da] Cunha, natural de Chaves, ex-alf mil médico, BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto) e HM 241 (Bissau, 1968/70)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ah!, e já agora, Miguel, ficas a saber que o Maximino José Vaz da Cunha foi preso pela PIDE em 21 de janeiro de 1965...Sofreu a tortura...Na altura devia ser finalista do curso de medicina... Vou procurar saber mais... LG

Miguel Rocha disse...

Caro Luís
Era exactamente esse poste que havia visto mas, não tinha reparado que era já de 2013! A sua transferência para HM241 ficou a dever-se à necessidade de seguimento médico, julgo que ao nível da cervical, resultante de um acidente de automóvel na Metrópole exactamente no último dia de férias, quando se dirigia para o aeroporto para apanhar o avião para Bissau. Não tenho a certeza se o único sítio de "mato" que lhe tocou, foi o "razoável" Teixeira Pinto.
Mais uma vez, obrigado e "Aquele Abraço"
Miguel Rocha