quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20665: Historiografia da presença portuguesa em África (200): “A Guiné Portuguesa, subsídios para o seu estudo”, comunicação de Carlos de Almeida Pereira, no 3.º Congresso Internacional de Agricultura Tropical, Londres 1914 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
O antigo Governador Carlos Pereira apresentou o seu trabalho num congresso de agricultura tropical, em Londres, 1914. Carlos Pereira é um republicano entusiasta, no seu livro "A Presença Portuguesa na Guiné", Caminhos Romanos, 2016, Armando Tavares da Silva revela a atividade do governador que se viu confrontado com hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, o nascimento da liga guineense, a chegada de Teixeira Pinto como novo Chefe de Estado-Maior, as primeiras operações no Oio e, sobretudo o seu nome fica associado à demolição da muralha de Bissau.
Esta obra tem o duplo interesse de registar na monografia, e com o maior rigor e precisão, a organização política administrativa, os dados económicos, não deixando de relevar as potencialidades da economia agrícola; além disso, é importante o seu acervo fotográfico, nenhuma obra da época lhe pode rivalizar com a qualidade das imagens, aptas para diferentes leituras.

Um abraço do
Mário


A Guiné aos olhos do antigo governador Carlos Pereira, 1914

Beja Santos

Carlos de Almeida Pereira
Carlos de Almeida Pereira, Oficial da Marinha, foi o primeiro Governador da Guiné na I República, esteve à testa dos destinos da colónia entre 1910 e 1913. Deve-se-lhe o derrube dos muros que protegiam a vila de Bissau das investidas dos Papéis, sempre hostis. Em 1914, Carlos Pereira apresenta uma comunicação no 3.º Congresso Internacional de Agricultura Tropical, em Londres, a sua comunicação intitulada “A Guiné Portuguesa, subsídios para o seu estudo” tem edição em francês em Lisboa nesse mesmo ano, existe igualmente a versão inglesa.

Destaca-se da leitura do documento o fenomenal e mesmo inusitado acervo fotográfico, de muito boa impressão, uma variedade que permite perceber a arquitetura e a vida sobretudo em Bolama, identificando diferentes etnias, postos administrativos, o estado da fortaleza de Cacheu, etc. O documento tem também a particularidade de um caráter monográfico em que se fala do território, da administração e das potencialidades para o desenvolvimento sem nunca aludir às vicissitudes das lutas da ocupação, Carlos Pereira não refere as operações do Capitão Teixeira Pinto, dele aparece uma fotografia bem curiosa investido como Chefe de Estado-Maior.

Aborda o território e os seus habitantes, dá-nos um quadro bem curioso das missões de demarcação de fronteiras entre 1888 e 1905, os nomes de quem participou logo na primeira demarcação, do lado português e francês e posteriormente. É categórico na superfície da colónia depois da última demarcação: cerca de 36 mil quilómetros quadrados. Descreve os recursos hidrográficos, a meteorologia e o clima. No estado atual da higiene diz sem rebuço que a colónia não se prestava à adaptação da raça branca. Quanto à fauna, recorda-nos que havia poucos elefantes e de pequena estatura, os paquidermes encontravam-se principalmente na circunscrição de Buba, Geba e Cacine. Fala também em antílopes de diferentes variedades, búfalos, leopardos (?), hienas, raposas e lobos. Lembra também a existência de hipopótamos, alude às numerosas variedades de primatas, pássaros, répteis e insetos. A população era estimada em 400 mil habitantes.

O antigo governador confessa não possuir elementos para fazer um estudo etnográfico dos povos da Guiné, sem prejuízo de elencar um número de grupos étnicos, bem próximo da realidade: Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas, Brames ou Mancanhas, Balantas, Fulas-Forros e Fulas-Pretos, Mandingas, Beafadas, Nalus, Sossos, Papéis, Manjacos, Bijagós e Oincas, esboçando uma caraterização destas etnias. Há aqui um ponto curioso que é a referência a “indeterminados”, situando-os no regulado do Cuor, na margem direita do Geba, frente a Bambadinca, dizendo que viviam até 1908 os Beafadas chefiados por Infali Soncó, que foi destituído depois da sua rebelião, o Cuor foi entregue a Abdul Indjai, os Beafadas deixaram o regulado, uns dirigiram-se para o Oio e outros para Quínara, Abdul Indjai conseguiu atrair indígenas pertencentes a diferentes grupos étnicos exteriores (Turancas, Seruá, Saracolés, etc.). Dado que o território é pobre, Abdul não se interessou muito por ele, foi ocupado pelos Oincas. Este é o exemplo de indeterminados dado por Carlos Pereira.

Uma família Papel

Mulher Grumete -Papel

 Tecelões Grumetes

Mulheres Grumetes - Manjacas

OBS: - Todas estas fotografias pertencem à monografia que Carlos Pereira apresentou em Londres, em 1914.

Os brancos eram computados nalgumas centenas, funcionários, comerciantes, empregados de comércio e agricultores. É minucioso no enquadramento que faz da organização política e administrativa, elenca os respetivos órgãos. Na orgânica especifica os concelhos e postos militares: Bissau, Mansoa, Cacheu, Arame, Bissorã, Mansabá, Churo, Gole, Caranquecunda, Bambadinca, Buruntuma, Xitole, Boduco e Ilha Formosa.

Inevitavelmente, dá a sua leitura da economia agrícola, e começa por dizer que na Guiné o europeu não pode dedicar-se diretamente aos trabalhos da agricultura, a mão-de-obra deve ser indígena. Exprime o seu otimismo, a colónia é um imenso reservatório de produtos naturais de exportação, o único produtor é o indígena que trabalha por conta própria e em condições tais que não permitem a concorrência do europeu em empregar indígenas assalariados. Mas também observa que a mão-de-obra se obtém com facilidade para os trabalhos públicos, para as tripulações das embarcações, para trabalho doméstico, empregados das casas comerciais e particulares, para o trabalho de carga e descarga dos navios, etc., desde que o indígena seja bem tratado, pago com justeza e que lhe seja dada a garantia de poder abandonar o trabalho em certas épocas para se dedicar às suas atividades no seu chão.

Refere igualmente as obrigações do Banco Nacional Ultramarino com o Estado, em contrapartida dos seus privilégios, o banco exerce gratuitamente as funções de Tesoureiro do Estado, recebe os rendimentos públicos, os depósitos judiciais, emite dinheiro, pode fazer operações de crédito agrícola, empréstimos hipotecários, transferências, câmbios, etc.

Muito curiosas são as conclusões do trabalho de Carlos Pereira apresentado em Londres, dizendo que em 1909 o eminente colonial Mr. Messimy escrevia no relatório referente ao orçamento geral do Ministério das Colónias da França que a Guiné Portuguesa, inteiramente encravada nos territórios franceses, economicamente pouco desenvolvida, desprovida de todo o hinterland, não tem mais que interesse histórico para o reino lusitano.
E diz, com certa ufania:  
“Este meu trabalho mostra que não somente Mr. Messimy mas também outros homens de Estado portugueses do regime monárquico se enganaram nas suas previsões. A Guiné Portuguesa, depois da Implantação da República entrou numa fase decisiva de prosperidade, completamente assegurada pela riqueza do seu solo, pela situação geográfica e pelas aptidões dos seus habitantes”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20641: Historiografia da presença portuguesa em África (199): Relatório da Província da Guiné Portuguesa, 1888-1889, pelo Governador Interino Joaquim da Graça Correia e Lança (2) (Mário Beja Santos)

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