quarta-feira, 29 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20920: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (17): Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever

1. Em mensagem do dia 23 de Abril de 2020, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) manda-nos mais uma recordação da sua CART, hoje o exemplo de "Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever".


RECORDAÇÕES DA CART 2520

Um condutor zeloso e cumpridor do seu dever

Uma das missões da CART 2520 era manter a segurança da estrada Xime/Bambadinca às colunas de viaturas militares que desembarcavam no Xime vindos de Bissau pelo rio Geba e seguiam depois para o interior da Guiné, ou vice-versa. A segurança da estrada consistia na picagem do itinerário até à Ponta Coli e uma vez aí chegados emboscávamos à beira da estrada, normalmente junto às árvores existentes e eventualmente junto aos chamados "baga-baga". Também montávamos o nossa própria segurança quando era necessário deslocarmo-nos a Bambadinca ao Batalhão 2852 e a Bafatá para a compra de víveres. Normalmente assim que as colunas de viaturas passavam, regressávamos à nossa base.

Certa tarde o Capitão Maltez, à falta do Alferes Marques, ordena-me para ir fazer uma segurança à Ponta Coli, iria desembarcar no Xime e seguir para Bambadinca uma coluna militar. E lá vamos nós cumprir a nossa missão com o pelotão bastante desfalcado, Furriel Monteiro "cá tem", estava no Enxalé; Furriel Soares "cá tem", estava nos reordenamentos em Nhabijões com outro militar do nosso pelotão. Como seria normal nestas ocasiões deveria seguir também um elemento de transmissões e um enfermeiro, mas como era para voltar de seguida, o capitão entendeu que estes elementos ficariam no quartel.

Estrada Xime-Ponta Coli-Bambadinca
Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

Instalados e emboscados no local a segurança está montada e passados alguns minutos as viaturas começam a passar. Uma, duas... até que uma das viaturas que seguia rebocada por outra, fica imobilizada em virtude de ser partido o cabo de reboque. Esta viatura tinha a mobilidade bastante reduzida porque creio eu, tinha sofrido um acidente ou se tinha incendiado. Feitas algumas tentativas em vão para seguir percurso, um dos responsáveis pela coluna pergunta-me se posso ficar ali mais algum tempo a fazer a segurança enquanto iriam a Bambadinca, voltariam muito breve para rebocar a viatura sinistrada, ao que eu acedi. Ficou junto a nós o militar condutor responsável pela viatura.

O tempo passa e a noite começa a cair sem que se vislumbre o regresso dos militares para fazer o necessário reboque. Dou indicações aos meus elementos para que se juntem mais, devido ao dia começar a escurecer e a visão entre os operacionais ser menor. Na minha cabeça começa a pairar o panorama ter de permanecer no local durante a noite sem estarmos preparados para tal, sem alimentação, com munições em quantidade mínima para a ocasião, sem enfermeiro e com a impossibilidade de comunicar com o nosso quartel por falta do operador de rádio e iria pôr em risco a vida de mais de 20 operacionais.

Uma ideia que me ocorreu foi regressar ao Xime e aí chegados, o Capitão Maltez decidisse o que fazer, mesmo que fossemos nós a voltar ao local, mas devidamente preparados para permanecermos naquele lugar extremamente perigoso durante uma noite, de guarda a uma viatura assucatada. Dirijo-me então ao condutor e digo-lhe o que pretendo fazer, ao que perentoriamente me responde: - Eu não abandono a viatura!
Fico a ferver de raiva, o que fazer com este gajo? - pergunto a mim mesmo. Levá-lo obrigado era completamente impossível e abandoná-lo junto à viatura, nunca o iríamos fazer, era impensável. Faço várias tentativas de o persuadir, mas em vão, a sua recusa em sair do local é determinante.

Esperamos, esperamos, a noite já havia caído, a nossa ansiedade aumentava a cada minuto, quando do lado de Bambadinca se ouve o barulho característico dos motores das viaturas a trabalhar, são os elementos que vêm proceder ao reboque da teimosa viatura e recolher o bravo e determinado condutor de que nada o demoveu de cumprir a sua missão como militar português. A salientar que as viaturas já vinham de luzes acesas o que não era muito aconselhável para a situação, talvez por desconhecimento da zona. Regressamos enfim, à nossa base, chegados ao nosso Xime já o sol tinha ido iluminar outras paragens havia mais de uma hora.

Para todos os camaradas desta Tabanca Grande um abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20768: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (16): O Furriel Pestana

2 comentários:

Anónimo disse...

Eduardo Francisco
quarta, 29/04/2020, 22:39


Boa noite Luís!
Estive a ler as recordações da CArt 2520, nossa contemporânea no TO da Guiné, contada pela pena do camarada José Nascimento e a propósito dum condutor apelidado de zeloso. Mas mais estranho ainda é o facto dum Sr. Capitão ter ordenado a um grupo de homens sob as suas ordens, deslocarem-se para Ponta Coli a fim de efectuarem segurança ao local, sem enfermeiro e sem transmissões, a pretexto do regresso ser feito após a passagem duma coluna. Afinal e desde quando é que o grau de perigosidade só se mede pelo tempo? Para mais num itenerario que tinha que ser picado de modo a garantir alguma segurança a quem o frequentava. Espero que o José Nascimento nunca mais tenha sido vítima das "brilhantes" decisões do comandante da CArt.
Mantenhas e abraço fraterno para todos.

Eduardo Estrela

Manuel Carvalho disse...

Meus caros amigos havia destacamentos com 2 secções 20 homens, que não tinham um rádio nem uma viatura, isto em meados de 69.Conheço um Furriel que a seguir a um ataque à noite com vários feridos alguns com gravidade e julgo que um morto, teve que ir com dois voluntários, até ao destacamento mais próximo pedir ajuda para evacuar os feridos.Nós principalmente os milicianos era-mos mesmo carne para canhão.
Um abraço

Manuel Carvalho