segunda-feira, 27 de abril de 2020

Guiné 61/74 – P20909 Memórias de Gabú (José Saúde) (92): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Memórias de Gabu (Antiga Nova Lamego)

“Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” 

Camaradas,

Neste constante deambular pelas escarpas da vida, sendo que a minha existência terrena é já credora de uma basta longevidade, encontro-me barricado numa trincheira avançada onde o silêncio impera por via de um inimigo invisível – Covid-19 – que traz incertezas quanto ao futuro e, sobretudo, pavor pela pandemia que por ora nos coube em sorte e que se alastra mundialmente.

Camaradas, fomos antigos combatentes na Guiné, permanecemos entrincheirados nos mais diversos pontos territoriais guineenses por culpa de um conflito armado, conhecemos situações caóticas, vivemos momentos de dor, de angústia, enfim, um rol de condições que nós, combatentes viventes, ainda usufruímos em contar.

Nesta minha última obra inseri um texto em que procurei conhecer um pouco da razão existencial sobre Gabu e da sua etnia fula que por lá prolifera. A pesquisa efetuada veio também ao encontro de um facto que sabia, isto é, a minoria mandiga por lá existente.

Deixo-vos, pois, com mais uma pequena leitura para que possamos “matar” o tempo num tempo que pressupõem uma desejada tranquilidade.
   


 Antiga Nova Lamego - Lavadeira fula

Denominada como Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a norte com o Senegal, a leste e a sul com as regiões de Tombali e a oeste com Bafatá. 

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Gabu é, igualmente, a pátria do chão fula (79,6%), existindo ainda a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

No plano territorial Gabu possui uma área de 9.150 kms2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país.

Introduzo como credível uma nota de rodapé que após a independência do país Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial.

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

As temperaturas rondam normalmente os 30/33 graus durante o dia e os 18/23 à noite. As estações anuais definem-se como as das chuvas que vai de maio a novembro e a de seca de dezembro a abril. Dezembro e janeiro são considerados os mais frescos. Por outro lado a economia assenta no comércio, agricultura e pecuária.

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” obrigatório nessa zona e na qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 45 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando por lá prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz e um pouco das vivências tradicionais das suas gentes.

Aliás, num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, pessoas simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos, assim como as memórias que nós combatentes incessantemente recordaremos.

Vamos pois ao encontro de conteúdos passados em pleno palco da guerrilha.

Um abraço, camaradas.
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523


Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. também o último poste do autor em: 

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