Porto - Parque da Cidade
Foto: Com a devida vénia ao autor
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", com data de 29 de Abril de 2020:
OUTRO COMBATE
Os dias de confinamento vão passando devagar, com algumas leituras agradáveis, algumas passagens breves pela televisão e pela internete e com algumas saídas ao Parque da Cidade ou às ruas próximas de casa, para desentorpecer as pernas, renovar o ar dos pulmões e viver a ilusão de caminhar só pela Terra a sentir, a liberdade, a paz e o silêncio, que esses momentos de solidão proporcionam. Anteontem foi o dia da Terra, essa entidade suprema, que criou todas as formas de vida e nos criou, que aprendi a amar por viver tantos anos em contacto próximo com ela, que na minha filosofia de vida, depois de muitos anos elegi como a justificação plausível e satisfatória para compreender os princípios e os fins, o nascimento e a morte.
Interrompo a escrita porque me telefona um camarada da Guiné, que vive em Santarém com a Boneca, uma cadela mais velha do que ele pois já tem 16 anos. Foi sempre um aventureiro, foi corredor de automóveis, teve um bom hotel numa pequena cidade do litoral, em Buba foi um organizador de paródias, criou no quartel uma emissora de rádio, com microfone e colunas potentes com discos pedidos e bailes fandangos e carnavalescos de militares na messe de sargentos. Continua a ser um bom amigo
Volto ao computador, e eu, que gosto de música, para preencher os espaços vazios que o meu pensamento um pouco letárgico cria, escolho no Youtube "Hasta Siempre Camarada" uma canção melódica e nostálgica sobre um guerrilheiro que sonhou e morreu a lutar por um ideal. Nathalie Cardone, com os requebros melódicos da sua voz jovem e com o bambolear ritmado do seu corpo esbelto, transmite prazer e emoção estética. a quem a ouve e a quem a vê.
A Terra, como uma Deusa indiferente à vontade dos humanos, continua a girar em torno do sol e em torno do seu eixo há milhões de anos, já teve somente um grande continente que por fenómenos geológicos vários ao longo de milhões de anos se foi fraccionando até tomar a forma actual com cinco continentes e cinco mares, até um dia muito distante. Na sua transformação foi criando as vidas mais simples e as mais complexas, até criar o homem que inventou a escrita, o amor, a informática, a arte e a bomba de hidrogénio.
Na Terra, o nosso adorável planeta azul e verde já houve cataclismos terríveis, grandes vulcões em erupção, terramotos, maremotos, idades de gelo implacáveis, epidemias, pandemias, pestes e outras grandes calamidades em que morreram milhões de seres vivos, de muitas espécie e muitos humanos também. A peste negra que veio também da China, nos meados do século XIV, terá matado 30 a 60% dos habitantes da Europa, a gripe espanhola que surgiu em 1918, terá matado entre 20 a 100 milhões de pessoas em todo o mundo, em quase todos os séculos houve grandes gripes e pandemias. Houve guerras terríveis entre os homens os filhos mais inteligentes da Terra. Bem perto de nós, no século vinte, na 1.ª Guerra Mundial morreram cerca de 40 milhões de pessoas: na 2.ª Guerra Mundial terão morrido 80 milhões de pessoas. Na Europa houve também a guerra civil espanhola, a guerra dos balcãs com muitos milhares de mortos e em Portugal, país de brandos costumes, houve a guerra do Ultramar com mais de 8 mil mortos.
Esta pandemia do covid-19 que nos altera as rotinas e obriga ao recolhimento , terá em comum com as outras que se têm sucedido talvez a omnisciência da Terra em procurar equilibrar os seus recursos de acordo com os seus habitantes.
Os homens por pensarem ser entidades superiores sonham com a vida eterna por não quererem aceitar o destino dos restantes habitantes da Terra. Dizem-nos que temos espírito, dizem-nos que temos alma, mas a nossa alma ou espírito volatiza-se quando o corpo, que é feito de água, de carbono, de ferro, de enxofre e doutras matérias-primas que a terra nos deu, morre e regressa às origens. Depois do dia da Terra tivemos o dia do livro, livros que vieram acrescentar a minha curiosidade em me compreender e conhecer a Terra que no sítio onde me criei se alongava por horizontes a perder de vista, que ainda me enchem a memória de sonhos. Os livros têm-me dado muito prazer muitos conhecimentos e têm também sido fontes de muitas dúvidas e interrogações de que nem sempre encontrei respostas. Penso muitas vezes se não teria sido mais feliz se fosse como os rapazes da minha aldeia e da minha idade, todos trabalhadores valentes e musculados que somente leram os livros da escola primária porque a isso foram obrigados. A esses que nunca foram curiosos e aceitaram o destino procurando melhorá-lo embora, aceitando os poderes e os deuses dos pais sem discussão, desejo longa vida ou mais breve se já vos pesarem os anos.
Os velhos portugueses do meu tempo, os da minha aldeia e doutras aldeias e cidades de Portugal, que regressaram e ainda se conservam vivos, agora vêem-se ameaçados pela clausura e pela segregação para sobreviverem, sem armas de defesa eficazes contra um inimigo que não dá a cara. Fragilizados pelas doenças das guerras africanas e pelas outras que vão surgindo com a idade, não quererem esconder-se por muito tempo debaixo das saias das mulheres, longe dos filhos, dos netos e dos amigos. Quando a vida lhes prometia realizações e aventuras, foram mandados para longe ouvir o troar assustador dos canhões e dar o corpo às balas com coragem, por uma Pátria que nunca lhes agradeceu. Que ninguém queira agora quando os seus filhos já estão criados e os seus netos são promessas de futuro, arrumá-los em casa como se fossem trastes velhos, fora de prazo. Há rumores, temos que estar atentos.
Para quem gostar de ler recomendo dois livros que estou a ler e outros dois que já li:
"Origens - Como a Terra Nos Criou" autor Lewis Dartnell;
"O Naufrágio das Civilizações" de Amin Maalouf
Acabei de ler já em Abril o romance "Um Milionário em Lisboa", de José Rodrigues dos Santos, que continua a história do "Homem de Constantinopla" sobre a vida de Calouste Gulbenkian.
Interessantes.
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20921: 16 anos a blogar (7): Os camiões Volvo... e outras peripécias da cooperação com Bissau (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)
5 comentários:
Francisco:
Bom texto. Atual. Quanto aos "velhos", ainda hoje tive um arrepio quando, na comunicação do nosso 1º se falou nisso e alguém teria sugerido que o pessoal com mais de 70 anos deveria continuar o confinamento. Bem, nos EU e no Brasil aquelas bestas acham pior; que é bom os idosos estarem a morrer...
Abraço
Fernando G
Interessante texto meu Caro Amigo Francisco Baptista.
“Compreender os princípios e os fins,o nascimento e a morte”
“A terra ,como deusa indiferente a vontade dos humanos”
Vale a pena aprofundarmos também o nosso (de raiz bem portuguesa!) Spinoza.
Meu Caro Fernando Gouveia
Só nos States e Brasil?
Na minha Suécia os “velhinhos” morrem como nunca!
Bom para os Estados quanto a “inúteis” pensões e subsídios!?!
Um abraço para ambos do J.Belo
Grande Francisco, "confinado mas não... arrumado"... Um belo exemplo de vida e de prova de vida!... Fica bem!.. Luís
Amigo José Belo, sempre gostei de estar longe como tu, e cá dentro como eu, a minha experiência, tem só dois anos na Guiné, mas dá para avaliar quem passa tantos anos pelo mundo, quando há um apelo forte do sangue dos antepassados, da mãe e da terra-mãe que nos fizeram e criaram. Com a idade esse apelo acentua-se. Sei que também criaste raízes noutras regiões da Terra, admiro-te, és um português da diáspora e da aventura . Muito obrigado pelo teu comentário.
Amigo Fernando , nós entendemo-nos com poucas palavras, somos os dois do Nordeste Transmontano. Só é pena não podermos ir para já comer um peixinho do mar à Casa Agostinho, em Matosinhos.Para o anos vamos comer peixes com migas do rio Sabor, lá perto das nossas aldeias.Muito obrigado por tudo.
Um abraço aos dois.
Francisco Baptista
Obrigado Luís e desculpa por não te ter agradecido antes, pois terá havido um desencontro e só agora vi o teu comentário. Muita saúde para a tua família e longa vida para o patriarca pois o Blogue não te pode dispensar. Abraço
Francisco Baptista
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