"Não é a primeira vez que se põe esta imagem, faz parte da minha relação muitíssimo íntima com o rio Geba, em Mato de Cão, é aqui que a estação se posiciona, as colunas de cimento e o que resta da estação, mesmo com as marcações para a água existiam há 50 anos atrás, a passadeira em madeira já estava num escombro, tinham caído as guardas, mas eu podia ir até junto do marco da estação e pedir boleia aos barcos civis e militares que seguiam para Bambadinca. Na margem esquerda, segue-se em direção a Ponta Varela, local temível no tráfego fluvial, corria-se o risco de roquetadas". (*)
Imagem extraída do livro "As comunicações e os aproveitamentos hidráulicos da Guiné, Angola e Moçambique” (Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1961, 101 pp.).
Foto (e legenda):: © Mário Beja Santos (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste >Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime >
"A temível Ponta Varela: restos do que parece ser um antigo cais acostável. Em 1963/65, ao tempo da CCAÇ 508 existia aqui uma tabanca e um destacamento onde morreram, em 3 de junho de 1965, quatro dos seus homens, a começar pelo seu comandante, o Capitão Francisco Meirelles, em consequência do rebentamento de uma mina." (*)
Foto nº 3 > Giné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Ponta Varela > 2010 >
"Exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações civis e os navios da Marinha. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascia o Geba Estreito, o leito do rio afunilava, à esquerda, não muito longe daqui, passava o rio Corubal. Com o assoreamemnto do rio Geba, já as embarcações não chegam aqui, muito menos a Bambadinca." (**)
Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Na realidade, não se tratava de um "antigo cais acostável", como se pressupunha, servindo até meados de 1965 a tabanca e o destacamento de Ponta Varela, mas sim de uma "estação liminigráfica", instalada pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guiné, criada em 1956, com o fim de proceder "ao estudo dos trabalhos necessários ao melhoramento das atuais condições hidráulicas do Rio Geba, nomeadamente no que diz respeito à navegação, defesa contra cheias e drenagem e, eventualmente, rega dos campos marginais" (nº 1 da Portaria nº 15696, de 7 de janeiro de 1956).
Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 4 > Guiné > Região de Bafatá > Sonaco > S/d >
"Estação medidora de caudais no rio Geba, nos rápidos de Sonaco, instalada pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guine."
Imagem extraída do livro "As comunicações e os aproveitamentos hidráulicos da Guiné, Angola e Moçambique” (Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1961, 101 pp.) (*)
Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(...)
(excertos, com a devida vénia)
1. Está explicado o "mistério" das ruinas da Ponta Varela, no subsetor do Xime, ao tempo da guerra colonial (Foto nº 2):
A Brigada foi extinta pela Portaria n.º 21032, de 5 de janeiro de 1965, do Ministro do Ultramar, António Augusto Peixoto Correia.
"A brigada de estudos hidráulicos da Guiné, criada pela Portaria n.º 15696, de 7 de Janeiro de 1956, para proceder à recolha dos necessários elementos de campo e ao estudo dos trabalhos a realizar com vista ao melhoramento das condições hidráulicas do rio Geba, completou a primeira parte da sua missão, não se reconhecendo, presentemente, necessidade de prosseguir com estes estudos e trabalhos."
Presume-se que a razão imediata para o fim da missão tenha sido a falta de segurança, provocada pelo alastramento da guerra, Mas, nestes nove anos (1956-1965), a engenharia hidráulica portuguesa deixou obra no território (Fotos nºs 1 e 4): o rio Geba era de facto navegável, de Bissau a Bafatá, passando pelo Xime e Bambadinca, na maré cheia... Hoje este troço está, de há muito, completamente assoreado e, portanto, instransitável. (****)
Presume-se que a razão imediata para o fim da missão tenha sido a falta de segurança, provocada pelo alastramento da guerra, Mas, nestes nove anos (1956-1965), a engenharia hidráulica portuguesa deixou obra no território (Fotos nºs 1 e 4): o rio Geba era de facto navegável, de Bissau a Bafatá, passando pelo Xime e Bambadinca, na maré cheia... Hoje este troço está, de há muito, completamente assoreado e, portanto, instransitável. (****)
(...) "Estive na Ponta Varela em Jul / Ago 72 [, como comandante da CART 3494 / BART 3873]. Nessa altura, já só havia, no marégrafo, uma régua de cimento vagamente graduada em centímetros destinada a determinar a altura da maré do Geba (ainda não Corubal). Cheguei a pensar em regular a artilharia sobre o marégrafo de modo a aumentar a precisão de tiro." (...).
Era neste troço, entre a Ponta Varela (Xime) e o Mato Cão (Bambadinca), ou seja, no Geba Estreito, que alguns de nós tivemos o privilégio de ver o relativamente raro fenómeno, no mundo, do "macaréu" (e, francês, "mascaret") (******), capaz de provocar o naufrágio de pequenas embarcações.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 2001 > Rio Geba: o famoso macaréu (, fotografado a partir do velho cais fluvial do Xime, em completa ruína).
No Rio Amazonas é conhecido por pororoca. Em termos simples, o macaréu é uma onda de arrebentação que, nas proximidades da foz pouco profunda de certos rios e por ocasião da maré cheia, irrompe de súbito em sentido oposto ao do fluxo da água. Seguida de ondas menores, a onda de rebentação sobe rio acima, com forte ruído e devastação das margens. Pode atingir vários metros de altura, mas tende a diminuir a sua força e envergadura à medida que avança.
Neste rio, ou nesta parte do rio que ainda é de água salgada, dois soldados da CART 3494, aquartelada no Xime, desapareceram, apanhados pelo macaréu numa operação ao Mato-Cão em 1972. Um terceiro camarada, doutra companhia, também desapareceu (Informação do nosso camarada, o grã-tabanqueiro nº 2, Sousa de Castro).
Fonte (e legenda): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
______________
(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19386: Historiografia da presença portuguesa em África (144): Meu Corubal, meu amor (3) (Mário Beja Santos)
(***) Sobre a Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné, vd. ainda postes de:
22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19386: Historiografia da presença portuguesa em África (144): Meu Corubal, meu amor (3) (Mário Beja Santos)
(***) Sobre a Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné, vd. ainda postes de:
27 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)
22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)
(*****) Vd. poste de 23 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21386: Memória dos lugares (412): Ponta de Jabadá, na região de Quínara, sentinela do rio Geba, reconquistada ao PAIGC em 29 de janeiro de 1965
13 comentários:
No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa não consta o adjetivo "liminigráfico"... Mas traz o vocábulo "marégrafo"...Quanto a "macaréu", é pouco preciso sobre a sua etimologia... Eu, pessoalmente, acho que é capaz de vir do francês "mascaret"...
____________
macaréu | s. m.
ma·ca·réu
(talvez de origem africana ou asiática)
nome masculino
Grande vaga impetuosa que, em certos rios, se forma quando as águas do rio encontram as águas da preia-mar.
Palavras relacionadas: pororoca.
"macaréu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/macar%C3%A9u [consultado em 01-10-2020].
Olá Camaradas
No Brasil (Amazonas) chama-se FOROROCA.
Deve ser um termo índio.
Mas há noutros rios - até no Tamisa - o que prova que, ao contrário do que dizia o macaréu só ocorria em 3 rios do mundo: Geba, Amazonas e Ganges.
Há também o "escarcéu" que é um fenómeno de cruzamento de ondas ou massas de água vindas de várias direcções: Triângulo das Bermudas, Monte Saint Michel, etc.
Impropriamente podem chamar-lhe vagalhão.
Liminigáficas(?) deve ser erro de impressão. Para que serviam aqueles dispositivos? Mediam a altura das marés e a velocidade?
Não podemos esquecer que os rios da Guiné têm muita personalidade...
Um Ab.
António J. P. Costa
pororoca | s. f.
po·ro·ro·ca |ó|
(tupi poro'roka)
nome feminino
1. [Brasil] Grande vaga impetuosa que, em certos rios, se forma quando as águas do rio encontram as águas da preia-mar. = MACARÉU
2. [Brasil: Pará] Grão de milho que rebentou com o calor e que se come doce ou salgado. = PIPOCA
3. [Brasil] [Botânica] Árvore (Dialium guianense) da família das leguminosas, natural das Guianas e do Brasil, de madeira avermelhada e dura. = ITU
"pororoca", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/pororoca [consultado em 01-10-2020].
Na entrada da Wipedia", em francês, sobre o "Macaréu" (, "Mascaret", para os gauleses), lê-.se:
(...) O macaréu é um fenômeno natural que ocorre em cerca de 80 rios, riachos e baías em todo o mundo. O fenómeno corresponde a uma subida repentina da água num rio ou estuário de morfologia convergente do tipo “hipersíncrona”, causada pela onda da maré alta durante as marés vivas. Ocorre na foz e no curso inferior de alguns riachos quando sua corrente é impedida pelo fluxo da maré alta.
Imperceptível na maioria das vezes, manifesta-se na época das luas novas e cheias. Os macaréus mais espetaculares podem ser observados na foz do Qiantang (China), do Hooghly na Índia e do Amazonas no Brasil. (...)
Tradução do francês: LG
https://fr.wikipedia.org/wiki/Mascaret
Recordar é viver... duas vezes:
10 DE AGOSTO DE 2014
Guiné 63/74 - P13482: Efemérides (171): Relembrando o naufrágio no Rio Geba, no dia 10 de Agosto de 1972, em que perderam a vida três camarada da CART 3494 (Jorge Araújo)
Realmente o macaréu do Qiantang (China) é espectacular. Formam-se grandes ondas, nada que se pareça com as do Canhão da Nazaré, de grande frequência que chama centenas de praticantes de surf de todo o mundo e milhares de pessoas a assistir.
Vendo a foto dos rápidos do Geba, em Sonaco, recordo-me da ida à praia a Sonaco, quando estava em Contuboel, e praia nem vela ....foi mais uma visita aos petiscos e bioxene da região. Afinal sempre havia por lá uma praia com rápidos e tudo.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Tó Zé, o vocábulo "liminigráfico" existe, em português e em castelhanpo, como adjetivo, não é nenhum gralha tipográfica: "registo liminigráfico", "estação liminigráfica"... Faz parte da terminologia usada pela engenharia hidráulica:
http://livraria.lnec.pt/eng/fichs/i_ns050.pdf
... Sobre os trágicos acontecimentos de 10 de agosto de 1972 (de que, como sempre, "não houve culpados"...), vd ainda:
10 DE AGOSTO DE 2012
Guiné 63/74 - P10246: Efemérides (107): Dia 10 de Agosto de 1972 - Naufrágio no Rio Geba de um sintex com pessoal da CART 3494 (Jorge Araújo)
Oh Valdemar...
Verdade pura, quando a malta no Domingo de Páscoa de 1969, fez uma coluna a Sonaco, para ir á praia, e comer frango de churrasco.
Praia nem vela, na altura ninguém soube dizer onde era, nem o libanês que nos deu a almoçar os respetivos frangos.
É como a anedota do filme português, " Queremos dois pasteis de Bacalhau", a resposta é não há, então dois copinhos de tinto .Connosco, foi semelhante, "Onde é a Praia de Sonaco?", não há, então são dois bioxenes, e chegamos a Contuboel, já de noite com uma cardiga dos diabos.
Tenho esta conversa contigo, para recordar bons momentos, mas se a contar a alguém...é treta.
As tuas melhoras, olha o bicho e abraço.
Abílio Duarte
Valdemar e Abílio:
Ia-se a Sonaco para "gozar as delícias... do sistema", como eu gostava de escrever no meu "Diário de um tuga"... Ia-se a Sonaco, dar uns passeios fluviais, de canoa, beber uns copos (já não me lembro onde...) e, mais tarde, comprar vacas...Já estava em Bambadinca e calhou-me ser gerente de messa...
Fui a Sonaco comprar uma vacapor 900 euros, para dar bifes aos sargentos e oficiais...A malta estava habituada a comer bem e beber melhor, dois vícios da guerra... Ninguém para a guerra para passar fome... Para isso, ficava-se em casa...
Em resumo, fui duas vezes a Sonaco: quando estava em Contubole, convosco (junho / julho de 1969) e um ano depois, já não posso precisar, deve ter sido no incío da estaçãodas chuvas...
Dois alfabravos!... Luís
Luís, aquela nossa ida à praia de Sonaco foi de unimog dando a volta por Jabicunda. Ainda eram uns km que no regresso a Contuboel, já de noite e bem tratados de bioxene, foi uma aventura do caraças.
De canoa não sei como era feito o trajecto, perto ou longe, depois de se atravessar o rio, e não me recordo de alguém contar como era feito.
Em Contuboel havia um furriel de informações que ia frequentemente a Sonaco, até foi com ele que fomos daquela vez à praia, e julgo que ele fazia a travessia de canoa com uns caçadores/informadores, mas não sabíamos concretamente por onde ele atravessava.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Voltando ao famigerado Mato Cão recorde-se o seguinte, mais ou menos já aqui dito e redito:
(i) O Geba Estreito (a partir do Xime) era traiçoeiro, sujeito às marés, e ao fenómeno do macaréu (até para lá do Mato Cão):
(ii) O macaréu metia respeitinho, se apanhasse um gajo de canoa, ia aio charco e nunca mais voltava para contar a história;
(iii) A segurança entre o Xime e Bambadinca (, troço do rio Geba Estreito ou Xaianga) era um problema sério;
(iv) Montávamos segurança às embarcações (, nomeadamente civis, os famosos "barcos-turra"), no sítio do Mato Cão, na margem direita do rio, mais ou menos frente a Nhabijões (um conjunto de tabancas dispersas, ribeirinhas, populosas, de maioria balanta, consideradas em 1969 pelas NT como sendo de "duplo controlo", antes do grande reordenamento...);
(v) No mínimo, era destacado um grupo de combate para fazer segurança próxima, no Mato Cão, sempre que havia embarcações a navegar no Geba Estreito: levávamos no mínimo um bazuca e um morteiro 60, além de um RPG 37 mm;
(vi) Para passar para a outra margem, a tropa de Bambadinca tinha que atravessar o rio, de piroga, seguindo depois para o Mato Cão, atravessando a bolanha e o destacamento e tabanca em autodefesa de Finete".
(xvi) Entre o rio e Finete, havia uma bolanha... e o nosso destacamento mais avançado, no
regulado do Cuor, depois de Finete, era Missirá, guarnecido no nosso tempo pelo Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, e depois pelo Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral;
(xvii) Só mais tarde, depois de os "pais-fundadores" da CCAÇ 12 terem regressado à metrópole (março de 1971), é que foi construído um destacamento em Mato Cão (creio que já finais de 1971 / princípios de 1972), por onde passaram camaradas nossos como o Joaquim Mexia Alves e o Luís Mourato Oliveira (, o último comandante do Pel Caç Nat 52): ambos t~em bastantes histórias do Mato Cão...
Vd. aqui o mapa de Bambadinca:
https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial17_mapa_Bambadinca.html
Olá Camaradas
Que se passa com o Geba estreito?
Ouvi dizer que está a ficar assoreado. Se assim for, creio que estamos perante um fenómeno natural que o vem encurtando desde Bafatá e em (relativamente) poucos anos.
Isto, pela amplitude do fenómeno, pode ser uma alteração à topografia do país.
Se calhar era bom que, não havendo meios para ser contrariado, fosse estudado...
Era uma acção "liminigráfica" a realizar por quem soubesse.
Um Ab.
António J. P. Costa
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