terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21675: O meu Natal no mato (46): Depois do ataque a Missirá, na noite de 22 de dezembro de 1966, pouco havia para consoar... O meu caçador nativo Ananias Pereira Fernandes foi à caça, e fez um arroz com óleo de chabéu que estava divinal... O pior foi quando, no fim, mostrou a cabeça do macaco-cão... (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 2 A - O furriel mil Viegas, do Pel Caç Nat 54


Foto nº 1A - O alferes mil Freitas, da CCAÇ 1439, natural do Funchal


Foto nº 1 > Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da CCAÇ 1439


Foto nº 3 > Sítio do Unimog


Foto nº 4 > Depósito de géneros


Foto nº 1 > A nossa segunda residência


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966


Fotos (e legendas): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem mais de 40 referências no nosso blogue]:


Data - segunda, 21/12, 23:58

Assunto . Missirá, 22 de Dezembro de 1966



22 de Dezembro 1966. 22h30 da noite estavam os 3 Furriéis conversando á espera do sono, eis que atravessa a palhota uma saraivada de balas incendiárias, tracejantes,  explosivas, um pouco acima dos mosquiteiros.

Fui pegar na G3,  meio vestido, a caminho do abrigo.  A palhota já ardia, no caminho duas morteiradas certeiras entram no depósito de géneros alimentícios, acertando no bidão de óleo e de azeite o que provocou um fogo de artifício. 

Já no abrigo ajudo o meu cabo a municiar a MG [42, a célebre metralhadora do exército alemão na II Guerra Mundial], no meio daquele fogacho ele diz que ouve falar espanhol, presume-se que estavam lá Cubanos .
,
O ataque já ia avançado e as nossas munições escasseando, o único Unimog que tínhamos estava debaixo de um embondeiro [, "cabaceira", em crioulo] e caia morteiradas junto, com as palhotas na maioria a arder.

Parecia Roma vista de Babandica , o condutor da CCAÇ 1439 arranca debaixo de fogo e põe o Unimog a trabalhar para o retirar da zona de fogo. Como ele estava a escape livre,  a barulheira foi muita e o IN, pensando que eram reforços, retirou.  Este soldado condutor foi condecorado com medalha de guerra de 4ª classe. 

Tendo ido montar emboscada em Mato Cão,  já calculando que a CCAÇ 1439, sediada em Enxalé,  viria em nosso socorro,  o que aconteceu,  e como tal caíram debaixo de fogo, não havendo feridos do nosso lado. Houve um tiro caricato no Furriel Monteirinho,  do Pel Caç Nat 52,  do Alf Matos [, o açoriano Henrique José de Matos Francisco] , que lhe passou no meio das nádegas deixando somente queimaduras. 

Ao nascer do dia, feito o balanço, tivemos dois mortos na população e alguns feridos ligeiros e muitas palhotas destruídas, alguns de nós ficaram só com a roupa que tínhamos no corpo.

Aproximava-se a véspera de Natal, e para o  rancho pouco havia... O meu cabo nativo Ananias Pereira Fernandes sugeriu que ia tentar caçar qualquer coisa e caçou,  arranjou óleo de chabéu e arroz e cozinhou uma maravilha que todos na messe gostaram, mas quando chegou a altura de mostrar o troféu,  a cabeça do macaco cão,  houve quem não aguentasse o estômago... Guardei essa caveira do macaco por anos.

E foi este o primeiro Natal na Guiné do Pel Caç Nat 54.

Foto 1 - Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da 1439
Foto 2 - A nossa segunda residência
Foto 3 - Sítio do Unimog
Foto 4 - Depósito de géneros

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18137: O meu Natal no mato (45): Um Natal antecipado: 23 de dezembro de 1967 em Gadamael Porto (Mário Gaspar), ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé Viegas:

Missirá ficará para sempre, no melhor e no pior, nas nossas memórias... Vou pedir ao João Crisóstomo, em Nova Iorque que reencaminhe o link deste poste para o Freitas no Funchal... (Não é membro da Tabanca Grande.)

E dou conhecimento desta tua história à malta que passou por Missirá e/ou Pel Caç Nat 52 mais a CCAÇ 1439... Dos que me lembro, assim de repente, a começar pelos comandantes do Pel Caç Nat 52.

Do teu Pel Caç Nat 54, acho que não temos mais ninguém no blogue, não tenho a certeza...

Festas, boas e quentes, mesmo que confinadas. Luis

PS - Não me levas a mal que eu tenho rido, no fim, com a tua história... Eu achoo que também vomitaria a ceia de Natal... Vi uma vez um macaense "grelhar" um macaco-bebé, não era diferente de uma das nossas crianças... Os fulas e mandingas, muçulmanos, não comiam carne de macaco-cão... Um ponre primata que deu muita portaína para a tropa do Corca Só, o futebolista dos Balantas de Mansoa, que no meu tempo atacava Missirá e prometeu limpar o sebo ao Beja Santos... (Aliás, "amigo" do "alfero Cabral": parece que um dia se encontraram num "choro" balanta...)

Anónimo disse...

Caros Luis Graça e Zé Viegas,
conforme pedido, passarei este link ao Freitas. Ainda recentemente falei pelo telefone com ele, com o Henrique Matos e com quase todos aqueles da CC 1439 de quem tenho o contacto telefónico ( e que ainda usam/apanham o telefone...) A meu pedido o Freitas enviou-me um pequeno dossier intitulado "Factos e feitos mais importantes da CC1439" que ele compilou. Alguns recentes e inesperados problemas de saúde (se é que na nossa idade podemos chamar"inesperado" a qualquer problema de saúde...) têm-me impedido de fazer o que há muito tenho intenção de fazer: na impossibilidade de escrever uma "história abrangente" desta companhia, quero pelo menos fazer um "contributo para a história da CC 1439", já que nenhum trabalho sistemático foi feito ainda nesse sentido. Para isso vou contar muito com esse dossier do Fretas, testemunhos preciosos como este e outros post/testemunhos já saídos anteriormente especialmente os feitos pelo Henrique Matos e o muito que Beja Santos ( embora os seus relatos se refiram mais aos tempos depois da CC 1439) tem escrito mencionando Missirá.
Permitam-me este para um novo abraço de bons votos para todos nesta quadra festiva que estamos agora entrando.
João Crisóstomo, Nova Iorque

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João, boas notícias nos dás... Fazendo votos para que, em passando esta "quadra festiva" (como se dizia antigamente na época pré-Covid), nos mandes então o dossiê com os "Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 1439".

Entretanto, não te esqueças de ir mudando a água ao bacalhau, que na Consoada, tem que estar no ponto para ir à panela com as batatas, as tronchas (, aqui no Norte diz-se "pencas"), os ovos e os grelos... Eu, como sempre há quase meio século, abanco em "mesa alheia"... Em paga, faço e digo os versinhos onde tem de caber toda a gente que está na mesa ou aparece depois da meia-noite... Este ano, felizmente para o poeta, são muito menos...por causa da ditadura da Covid. Saudações para o Freitas e para ti. LG

Luís Mourato Oliveira disse...

Obrigado por partilhares estas memórias. O Pelotão Caçadores Nativos 52 foi desmobilizado em Missirá. Vivemos o 25 de Abril de 1974 neste destacamento e a esperança num regresso rápido a Portugal nasceu nesta tabanca.
As imagens que tenho não são muito diferentes das agora publicadas embora a destruição que apresentam as várias edificações tenham sido reparadas. O depósito de géneros que também era depósito de material de guerra também ficou "destelhado" no período da permanência do Pel.Caç-Nat.52 não devido a uma flagelação porque nada sofremos aqui, mas nas chuvas, um tornado descontente com a arquitetura do edifício levantou o chapeado de zinco por inteiro e depositou-o com o estrondo de uma queda de 10 metros no meio do que seria a parada.
Com a guerra a arrefecer depois do 25 de Abril, o nosso quotidiano não era exigente e as tarefas militares limitavam-se à segurança do destacamento que o Pelotão partilhava com grupo de milícias local e todas as acções no exterior foram suspensas.
Foi em Missirá que me foi pedida autorização para elementos do PAIGC visitarem a tabanca para o que dei de imediatamente o meu acordo.
A guerra estava terminada e tinha a grande preocupação do que seria o futuro dos meu camaradas soldados portugueses (infelizmente esquecidos) do recrutamento local e procurei assim que se adaptassem a uma nova realidade para a qual não estavam preparados. Com a minha juventude e capacidade de sonhar também espectava que o conhecimento pessoal com os antigos inimigos amenizasse o que seria o relacionamento futuro com a nova ordem social.
Recebemos então uma delegação do PAIGC, partilhámos bebidas e trocámos de armamento para as fotografias que imortalizam o momento. Posteriormente combinámos um jogo de futebol com o ex-inimigo, agora adversário no jogo da bola e como o resultado não estava a nosso favor e não admitia perder muito menos naquelas circunstâncias fui para a baliza e invertemos e resultado embora tenha ficado com algumas mazelas.
Também fomos convidados a assistir a um grande comício do PAIGC e estivemos presentes. Recordo com mágoa as lágrimas do Jalique Baldé, guia extraordinário que nos livrou de cair numa emboscada a 24 de Dezembro de 1973 em Mato de Cão. Detetou o IN no trilho pelo qual nos deslocávamos e que vinha na nossa direcção. Caíram eles na emboscada imediata que montámos.
De Missirá mantenho ainda, apesar de agnóstico, um cruxifixo que alguém deixou na tabanca onde pernoitava que trouxe para Portugal e que mantenho na cabeceira. Desconheço a razão porque o faço e considero ser pouco racional este hábito e até pensei levá-lo na minha missão de voluntariado em 2018,mas como a ideia era deixá-lo em Missirá onde aliás não cheguei a ir, procurei deixá-lo em Portugal.
Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu.

Henrique disse...

Caro Luís
Não sabia que o 52 tinha terminado os seus dias em Missirá.
Abraço com votos de bom Natal e melhor Ano Novo que este é para esquecer.
Henrique Matos