Parque da Cidade do Porto > O Vicente
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 12 de Março de 2021 onde nos fala do seu novo amigo Vicente:
O CORVO DO PARQUE DA CIDADE DO PORTO
A necessidade de andar, de espaços livres e naturais, leva-me muitas vezes ao Parque da Cidade, que fica a setecentos metros da minha casa e do qual avisto, através da vidraça, enquanto escrevo, algumas das suas árvores mais altas. E logo atrás o Oceano Atlântico azul ou cinzento, conforme a cor do céu que reflete.
Há lá muitas árvores de diferentes alturas, formas e feitios, entre elas, muitos eucaliptos. É muito agradável sentir o ar que as plantas respiram, a brisa do mar e a beleza de todo o conjunto formado por prados, flores, árvores, arbustos e lagos.
Gosto muito de sentir o cheiro que exalam cerca de trinta eucaliptos, da espécie Corymbia Citriodora, conhecidos pelos nomes comuns de eucalipto-limão ou eucalipto-cheiroso situadas, não longe de um lago, quase a meio do parque.
Em terra, no ar ou nos lagos há muitas aves de espécies diferentes, sendo os mais visíveis:
- Os pombos comuns, sempre atentos a quem traz pão ou outros alimentos;
- Os pombos torcazes, maiores e em menor número, em voo alto ou pousados nas árvores maiores, que fazem incursões por hortas próximas, queixam-se vizinhos meus, para comer couves e outras plantas hortícolas. Pombos trocais, assim chamados na minha aldeia, viviam sobretudo nos sobreiros altos, onde faziam os ninhos que eu procurava na adolescência;
- Os garnizés, os galos com plumagens garridas e vistosas e as fêmeas com vestimentas mais humildes e modestas;
- Os patos reais, tão belos os machos, numa simbiose de cores perfeita. E outros patos que não sei nomear;
- Os gansos, sempre em bandos, quando em terra fazem uma chinfrineira dos diabos por motivos que eu nem sempre entendo.
- Há gaivotas em grande número, nos lagos ou em terra, já que o Parque confina com o mar.
É no meio do Parque, no lago, atravessado por uma pequena ponte e nas margens que o ladeiam, perto dos eucaliptos cheirosos que se concentra a maior parte desta fauna emplumada, onde se juntam muitos pais e meninos, avós e netinhos, alguns casais de avós, solitários ou não, a levar comida para as aves, e outros visitantes que gostam de conviver nessa sociedade de aves e gente. Um pouco à frente, à direita, vive o Vicente, um corvo solitário, empoleirado em ramos de árvores altas, que rodeiam, em parte um grande relvado, onde crianças, jovens e adultos costumam brincar com bolas. Por índole ou por necessidade, ou por ambos os motivos, vai estabelecendo relações próximas com os passeantes.
A primeira vez que me cruzei com ele há alguns meses, estava pousado num ramo de uma árvore, ouvi-o grasnar, e sabendo da fama da inteligência de todos os da sua espécie, quis conhecê-lo melhor, chamei-o e para surpresa minha desceu para perto de mim. Eu nunca tive pássaro, cão, peixe ou gato, como animal de estimação, embora tenha convivido com todos os animais, chamados da quinta (bois, vacas, mulas, burros, ovelhas, cães, galinhas, perus, patos, cabras e outros) na infância e adolescência.
Não tem sido fácil, a minha amizade com o Vicente. Nem sempre aparece ao meu chamamento. Um dia encontrei-o muito próximo de uma jovem mãe, um pouco receosa, com ele a procurar conviver de uma forma alegre, com o filho dela, um menino com cerca de dois anos, numa relação divertida.
Para conquistar mais a sua simpatia levei-lhe algumas sobras de comida de almoços, um arroz malandro e alguma carne. Prova o arroz, come alguma carne e outra transporta-a no bico e vai escondê-la para perto ou para longe, em voos rasantes, que repete algumas vezes.
Terei que dar mais provas de amizade ao Vicente para ele ficar mais amigo e se aproximar de mim como se aproximou do menino que só tinha o amor dele e da mãe para lhe dar.
Há o amor inteligente, que se chama empatia, amor sem palavras que só os ingénuos, os simples, os poetas, os puros e alguns animais sabem transmitir. O Vicente, já percebi, não empatiza por dádivas, mas somente por quem estiver na mesma onda.
Nota do editor
Último poste da série de 13 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22001: Os nossos seres, saberes e lazeres (440): Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes (Mário Beja Santos)
Não tem sido fácil, a minha amizade com o Vicente. Nem sempre aparece ao meu chamamento. Um dia encontrei-o muito próximo de uma jovem mãe, um pouco receosa, com ele a procurar conviver de uma forma alegre, com o filho dela, um menino com cerca de dois anos, numa relação divertida.
Para conquistar mais a sua simpatia levei-lhe algumas sobras de comida de almoços, um arroz malandro e alguma carne. Prova o arroz, come alguma carne e outra transporta-a no bico e vai escondê-la para perto ou para longe, em voos rasantes, que repete algumas vezes.
Terei que dar mais provas de amizade ao Vicente para ele ficar mais amigo e se aproximar de mim como se aproximou do menino que só tinha o amor dele e da mãe para lhe dar.
Há o amor inteligente, que se chama empatia, amor sem palavras que só os ingénuos, os simples, os poetas, os puros e alguns animais sabem transmitir. O Vicente, já percebi, não empatiza por dádivas, mas somente por quem estiver na mesma onda.
Ponte no lago
Eu e o Vicente
Um jogador no relvado
Árvores do Vicente
Relvado próximo
Lago
____________Nota do editor
Último poste da série de 13 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22001: Os nossos seres, saberes e lazeres (440): Voltei a Abrantes e nem tudo está como dantes (Mário Beja Santos)
6 comentários:
Gostei muito deste teu texto, Francisco. A pandemia descamba nisto: a convivência com um corvo. Continua a escrever assim.
Um grande abraço.
Fernando
Pois eu conheço muito bem o corvo do Parque da Cidade. Só não sabia que ele se chama Vicente, em homenagem, com toda a certeza, a S. Vicente. Para dizer a verdade, eu nunca tentei interagir com o corvo. Tenho-me limitado a passar por ele com cuidado, para não o assustar, e ele nunca fugiu de mim.
Uma ave que abunda nos lagos do Parque da Cidade no inverno é o guincho, uma ave palmípede semelhante à gaivota, mas mais pequena, que no inverno apresenta uma plumagem muito brança e cinzenta clarinha. Na primavera, o guincho muda de ares, buscando paragens mais setentrionais, e só regressa em finais do outono, para passar mais um inverno no parque.
Eu devo ser vizinho do camarada Francisco Baptista, pois moro a 800 metros do Parque da Cidade do Porto. Moro tão perto, que vou e volto a pé, nunca fazendo uso do carro. Enquanto tiver pernas para andar, é isto que eu faço. As minhas mais recentes fotografias feitas no Parque da Cidade datam de novembro passado e foram feitos num dia de chuva, durante um curto intervalo entre uma chuvada e outra. Esta é uma das fotografias, esta é outra, esta é outra e esta é outra.
Francisco, parece que com esta malfadada história da pandemia de Coivid.19, quem ficou a ganhar é a natureza, o ambiente, a fauna, a flora... embora os seres humanos façam parte do ecossistema... tal como o vírus SARS-CoV-2...e o Vicente.
Parabésn pelo teu texto, continuas a fazer jus ao talento literário dos transmontanos, grandes contadores de histórias. Um alfbravo, Luis.
Mais um texto de Francisco Baptista.
E,mais um texto que vale a pena não só ler como também “reler” com a atenção que merece.
O Vicente que “não empatiza por dádivas mas somente por quem estiver na mesma onda”.
Segundo os Clássicos Gregos: “Tudo vem da sem razão”.
O Vicente não os terá lido mas........quase!
Um abraço do J.Belo
Muito obrigado a todos os camaradas, aos que me leram e aos que me comentaram. É uma crónica do quotidiano , destes dias que seriam mais monótonos, sem a vossa companhia.
Fernando Gouveia , por não ter horta ou quintal para plantar ou cuidar, vou alguns dias fazer passeios relaxantes dias pelo Parque da Cidade, fazendo convívios reais ou imaginários.
Fernando Ribeiro, meu caro vizinho, chamei Vicente ao corvo porque me habituei a ouvir chamar esse nome, ao longo dos anos a todos os corvos. Estará relacionado com a lenda dos corvos de S.Vicente, do início da nacionalidade. Já tinha observado o guincho, realmente uma ave linda, não conhecia o nome, pensava apenas que era uma gaivota diferente, mais pequena. Obrigado pelas tuas fotografias, lindas. Os meus fracos conhecimentos informáticos, não me permitem remeter fotos com facilidade.
Luís Graça obrigado pelo incentivo, o teu Blogue que repartes com todos, não pode morrer.
José Belo, sempre atento mesmo à distância "Tudo vem da sem razão" , sabes tanto, a propósito de tudo e mais alguma coisa. Eu à tua beira considero-me analfabeto.
Faz mais uma crónica, agora sobre os corvos , aventureiros e viajantes de toda a terra, como os portugueses.
Grande abraço a todos
Francisco Baptista
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