domingo, 2 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22164: Blogpoesia (733): "Madrugada de Abril"; Ninguém a viu chegar"; "Liberdade" e "Mais uma visita", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Madrugada de Abril

Um clarão ribombou nos céus.
A guerra possível estalou.
As forças mandantes podiam pegar em armas,
Defendendo seu poder.
Nada aconteceu.
As ruas encheram-se de cravos.
Era o perfume da liberdade.
Até que enfim. Chegou.
Rebentou a euforia.
Vieram, porém, os meliantes.
Com desejos de devorar.
Vindos do leste comunista.
Num repente invadiram as searas.
Chegaram-lhes fogo.
Os oportunistas se lançaram a destruir.
Levando tudo à frente.
Com razão e sem razão.
As herdades, as grandes empresas, só por si, são más.
Há que as esganar.
Foi um espectáculo triste,
De cima a baixo pelo país.
Do norte ao sul.
Só quem tudo isto viveu
Pode falar e avaliar.
Pelo menos, o ultramar acabou.


Berlim, 25 de Abril de 2021
16h53m
Jlmg


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Ninguém a viu chegar

Era madrugada. Todos dormiam descansados.
Acostumados à sua sorte.
Viveram sua infância e juventude.
Serviram a pátria como uma deusa.
Foram à guerra da independência.
Nunca se queixaram de sua sorte.
Voltaram em paz na consciência.
Dever cumprido.
Tudo era paz e liberdade.
Mesmo que amordaçada.


Berlim, 26 de Abril de 2021
19h21m
Jlmg


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Liberdade

Princesa rainha das quimeras.
Nuvem sobranceira planando nas alturas como o sol.
Iluminando pobres e ricos por igual.
A aspiração da liberdade é o oxigénio que respiramos.
Como o sangue que corre nas nossas veias.
Vivificando nosso corpo.
Trave-mestra desta nave gótica da catedral.
Montanha piramidal apontando as alturas.
Arca salvífica de Noé que nos salva dos dilúvios.
A companheira que nos segue e ilumina nossas passadas.


Berlim, 26 de Abril de 2021
18h8m
Jlmg


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Mais uma visita

Visitar os presos e os que esperam
É tarefa e dever dos que estão em liberdade.
A vida é uma roda em movimento.
Nunca se sabe se, um dia, será a minha vez.
Visitar os filhos, um de cada vez,
É dever dos pais que os geraram.
Eles nos aguardam como os passarinhos,
De bico aberto, onde nasceram.
É isto que dá consistência à vida.
De contrário, seríamos um monte de companheiros,
Ou de condenados a andar...


Berlim, 29 de Abril de 2021
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22140: Blogpoesia (732): "A elegância do condor"; A dor e a alegria"; "Cantando melodicamente" e "Calças de ganga", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728">

7 comentários:

Valdemar Silva disse...

Mendes Gomes
É caso para perguntar: onde é estavas no 25 de Abril?
Não me interrogo 'de que lado estavas' isso só a ti diz respeito, mas um poeta
arranjar uma "Madrugada de Abril" para assustar as criancinhas, chegou-nos o Augusto Gil no
tempo do pé descalço.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

p.s. agora percebo "aquela" do que se teria passado em Londres em 1973.

Fernando Ribeiro disse...

Os "meliantes" não invadiram as searas nem lhes chegaram fogo, porque não havia searas para invadir nem para queimar. A maior parte das herdades no Alentejo estavam a monte, convertidas em coutadas de caça. A Reforma Agrária pô-las a produzir, por muitos erros e até crimes que se tenham cometido em seu nome.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Joaquim, isso de poetar todos os dias,é uma aventura, uma proeza... É obra!... E Seguramente que te faz bem enquanto continuas a ser, ao mesmo tempo, avô de corpo inteiro, numa cidade, Berlim, que a estupidez dos homens um dia dividiu com um muro ao meio.

Espero bem que não te falte a inspiração do dia-a-dia. A vida é tão rica e tão digna de ser vivida que nunca faltarão ao poeta motivos para a cantar. Que não te falte também a liberdade para o fazer. E na poesia, e no resto, a liberdade nunca pode ser amordaçada. Mesmo que os poetas tenham o privilégio das "liberdades poéticas", que não se confundem com os "direitos e liberdades", inckuindo o direito de pensamento e de expressão...

O teu poema, " Ninguém a viu chegar" (,penso que te referes à dona Liberdade, na madrugada do 25 de Abril...), dava pano para mangas, ou seja, para uma análise de conteúdo mais exasutiva. Gostei, embora tenha ficado intrigado com os últimos dois versos: "Tudo era paz e liberdade. Mesmo que amordaçada"...

A verdade é que tu, no 24 de Abril de 1974, não poderias escrever isso, e muito menos num blogue como o nosso... Para mim, que também sou poeta, a liberdade só pode ser livre, nunca "amordaçada"...

Um abraço fraterno!... Luís Graça

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Ninguém a viu chegar

Era madrugada. Todos dormiam descansados.
Acostumados à sua sorte.
Viveram sua infância e juventude.
Serviram a pátria como uma deusa.
Foram à guerra da independência.
Nunca se queixaram de sua sorte.
Voltaram em paz na consciência.
Dever cumprido.
Tudo era paz e liberdade.
Mesmo que amordaçada.

Berlim, 26 de Abril de 2021
J.L. Mendes Gomes

Valdemar Silva disse...

Ah! se eu fosse poeta: arranjava um poema sem searas em chamas.
E atirava uns versos com datas e números, com pouca rima mas verdadeiros.

Em 1973 produziram-se 517 mil toneladas de trigo.
Em 1974 acabou a escolha no largo,
Acabou a escolha da gente, como gado para apascentar.
Em 1974 produziram-se 534 mil toneladas de trigo
E não parou de aumentar.
Em 1975 601 mil toneladas e em 1976 686 mil.
Em 1977 224 mil que Lei escrita fez baixar.
Em 1978 variou para 260 mil
Em 1979 para 248 mil.
E não mais parou de baixar.
Depois regressaram os latifundiários
Qual searas qual carapuça,
Continuaram as caçadas.
E as terras de trigo foram vendidas
Para olival intensivo e paneis de energia solar.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Os melhores retratos que me ensinaram a olhar para o 25 de Abril sem complexos nem moralidades, encontrei-os em José Vilhena.

E claro, a dúvida de quem era a Enxada do cavador da Torre Bela, também caricaturou bem o país daqueles tempos.

Claro que uns tantos jovens de calça à boca de sino, cabelo pelas orelhas em cima de tacões de 5 cm doutrinando o povo, também ajudou passar aquele tempo.

Valdemar Silva disse...

Rosinha
É sempre a mesma treta do enganar o povo.
O povo é enganado, é sempre enganado e bem enganado, quando é para "volta tudo à primeira forma".
E viu-se na Torre Bela, desde angolanas do pitrol às caçadas para quem abate mais javalis, deu para tudo.
Mas o que ficou foi o povo rural sentir isto não pode continuar assim, e lá vem a treta do doutrinado por cabelos compridos e calças à boca de sino, que por acaso até estava na moda do mundo cristão e ocidental.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Joaquim disse...

Quando digo que " Tudo era paz e liberdade amordaçada quero significar que foi essa liberdade que te fez vestir a farda de campanha e avançar para a guerra de África. Não foste capaz de saltar a fronteira como muitos fizeram...É uma questão de perspectiva. Abraço.