segunda-feira, 24 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22221: Notas de leitura (1358): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Já se fez referência ao período correspondente a 1830-1881, denominado de "missão civilizadora", a França conquistou a Argélia, o tráfico negreiro está posto em causa, inicia-se no período subsequente a ocupação efetiva, à força ou recorrendo a governantes de palha, as missões cristãs proliferam e vão igualmente proliferar as tensões com o Islão. Veremos a seguir como vai ascender o nacionalismo e como a II Guerra Mundial tudo vai alterar no continente.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (2)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

Se o espírito de missão civilizadora se inicia em 1830, em 1882 a partilha de África toma novo rumo, ocupa-se, subjuga-se, provoca-se golpes de Estado, a Europa quer tomar conta de África em termos geoestratégicos e geopolíticos. Os britânicos não estão para demoras, mudam o regime no Egito e no Sudão, na África Ocidental os franceses expulsam um sultão pouco real, está instituída uma nova ordem política, as potências coloniais celebram compromissos em Londres, Paris, Berlim e Roma, traçam zonas de influência, os britânicos têm ao seu dispor um visionário, Cecil Rhodes, ele projetou construir uma linha de caminhos-de-ferro entre a Cidade do Cabo e o Cairo, cujos carris nunca abandonariam solo britânico; a França quer ser dona e senhora de um vasto território que se estende do interior da África Ocidental, atravessa o Sara, prolonga-se até ao Nilo, descendo em seguida na direção da fronteira com o Estado Livre do Congo; Carl Peters é o arquiteto do Império Africano Alemão, a Alemanha tinha assegurado o território hoje ocupado pela Tanzânia, a Namíbia e o Togo. Lawrence James diz mesmo que os alemães tinham obtido autorização por parte dos britânicos para adquirir Angola e Moçambique. Falava-se na construção da linha ferroviária transcontinental alemã entre os Camarões e a África Oriental alemã.

No inverno de 1884-85 aconteceu a Conferência de Berlim, o tema central era a África Ocidental e a questão controversa da Bacia do Congo. O rei Leopoldo saiu vencedor, foi-lhe atribuída uma sociedade comercial, o rei belga transformar-se-á num monstro sanguinário no seu reino do Congo. A França, a Grã-Bretanha e a Alemanha celebram vários acordos, a Itália bate à porta, quer a Líbia como mais tarde atacarão a Abissínia. Serão criadas companhias com alvará régio, com poderes administrativos e fiscais em troca de privilégios comerciais, tais contratos revelar-se-ão um desastre, quase todos se sobrarão. No final do século XIX, o chamado incidente de Fachoda afasta a França do Nilo.

A Grã-Bretanha pretende impor-se sozinha na África Austral, conquistou uma posição de hegemonia que vai do Cabo ao Alto Zambeze. Mas tem pela frente um osso duro de roer, os bóeres, senhores de campos auríferos e de muita agricultura, o autor descreve detalhadamente os acontecimentos que irão rematar numa guerra que será perdida pelos bóeres.

A resistência dos autóctones vai diminuindo pois recorre-se às mais mortíferas tecnologias militares. Quem enfrenta os exércitos coloniais sofre bombardeamentos com granadas explosivas lançadas por artilharia de longo alcance, vêm munidos das mais modernas metralhadoras e espingardas. E surge um novo terror, a aviação que os franceses e os italianos usarão em Marrocos e na Líbia. Como escreve o autor, “Foram necessários exércitos numerosos, reforçados por contingentes de tropas brancas, para derrotar os Estados africanos de maiores dimensões e mais bem apetrechados. Na década de 1890, a França destacou 12 mil homens para o Daomé, 18 mil para o reino Merina de Madagáscar, entre 1894 e 1895, e mais de 20 mil para a imposição de um protetorado sobre Marrocos, em 1912. A Itália recrutou uma força de 30 mil homens para a desventura da Abissínia, em 1896, e 35 mil para a invasão da Líbia, em 1911. Kitchener, que pecava sempre por excesso em matéria de segurança, precisou de 15 mil tropas britânicas, indianas, egípcias e sudanesas para reconquistar o Sudão. A maior concentração de tropas brancas alguma vez vista em África ocorreu, sem dúvida, na África do Sul, entre 1899 e 1902. Foram necessários 445 mil soldados britânicos, australianos, neozelandeses e canadianos e um número considerável de vira-casacas bóeres para subjugar o Transval e o Estado Livre de Orange e reprimir as subsequentes ações de guerrilha empreendidas pelos rebeldes.”

E são igualmente tempos de selvajaria, basta lembrar o reinado de Leopoldo no Congo, massacres de vária ordem no Níger. O autor dedica bastante atenção às missões católicas e protestantes, cedo se irá criar uma clivagem entre o lóbi humanista e os interesses comerciais, que tratavam o africano como um consumidor de uma unidade de produção. Os missionários cedo protestarão contra o trabalho forçado, a chibata, eram a favor do ensino prático onde se ministrassem conhecimentos de carpintaria, agricultura, impressão e alvenaria. Mas o conflito com o Islão rapidamente se apresentou, as potências coloniais tiveram que agir com prudência e evitar as intolerâncias religiosas. Seja como for, no decurso da I Guerra Mundial potências como a Inglaterra viraram crentes da mesma religião entre si, os britânicos ajudaram os árabes a rebelarem-se contra os turcos, o Islão vai sofrer muitos reveses, adotará a cooperação. Até porque a complexidade religiosa do Islão não excluía a África, a maioria dos muçulmanos africanos eram sunitas que veneravam o sultão-califa otomano, descendente de Maomé, e era, teoricamente, o seu líder espiritual, paradoxos e contradições irão ocorrer entre finais do século XIX e praticamente a primeira metade do século XX.

O esplendor da África romântica vai entrelaçar-se com a África dos missionários, dos políticos, dos investidores e dos negociantes, atrairá uma nova vertente literária, jornalistas e jovens sonhadores interessar-se-ão cada vez mais com as culturas africanas. As direitas e as esquerdas da época também se inflamaram a discutir o destino de África, a exploração do africano e as atrocidades cometidas no Congo serão denunciadas pelos socialistas franceses que apoiarão as rebeliões na Argélia e Marrocos das classes trabalhadoras.

Os europeus vão para África mas em pequenas quantidades, África não foi verdadeiramente uma solução para os problemas demográficos, a emigração seguia para os EUA e um pouco para a América do Sul. Acresce que a África tinha pouco a oferecer aos imigrantes pobres e não qualificados. O autor observa: “Em 1914, existiam 23 mil brancos na Rodésia e cerca de 3 mil colonos brancos no Quénia, a maioria dos quais se dedicava à agricultura. Todos precisavam de capital: um produtor de café queniano necessitava de 1670 libras para cobrir as despesas com passagem, utensílios, sementes e 20 bois, a que se somavam outras 150 libras para pagar oito meses de salários a um capataz e a 20 trabalhadores”.

A guerra aproxima-se, África vai intervir, centenas de milhares de homens virão dos domínios imperiais combater nas frentes ocidentais e orientais. Iremos seguidamente ver o significado do racismo, a evolução da guerra, África depois de Versailles e assistiremos à ascensão do nacionalismo.

(Continua)

Imagem retirada do blogue Teatro Mané Beiçudo, com a devida vénia.
Imagem da guerra anglo-bóer, retirada do site alertadigital.com.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22207: Notas de leitura (1357): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Estou ansioso para saber como este inglês vê como foi o fim destes impérios em África.

Estou às espera que um dia apareça um historiador (europeu) que ao fim de descrever todos os horrores praticados com a ocupação, escravatura e exploração e divisão de África em países, conclua que a "cereja no cimo do bolo" foi aquilo a que chamamos independências, àquilo que não passou de procurações a alguém com plenos poderes para explorar à vontade o continente africano.

Daí os africanos estarem há anos a bater às portas da Europa a pedir explicações.