Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > Foi com mágoa que vimos as máquinas a destruírem esta bela tabanca, com vistas privilegiadas para a magnífica bolanha. Foto de Joaquim Costa.
Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > A grande bolanha de Nhacobá > Um importante celeiro da PAIGC > Foto A. Murta, com a devida vénia
Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > A grande bolanha de Nhacobá > Um importante celeiro da PAIGC > Foto A. Murta, com a devida vénia
Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)
Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá"
(Op Balanço Final)
Com a nossa entrada em Nhacobá, nos dias seguintes entraram também as máquinas de engenharia, vencendo paulatinamente todos os obstáculos colocados pela mata densa para atingir a tabanca, preparando o terreno para aqui nos instalarmos definitivamente.
Foi com inexplicável indiferença que, depois do assalto, recebemos a notícia, já esperada, que também nos cabia a nós consolidar a ocupação da tabanca, recomeçando tudo de novo (outra vez), depois de ocupar e construir a pulso Cumbijã.
Embora já previsto, que esta seria a nossa futura casa, não esperávamos que fosse nestas condições, tínhamos a ilusão que seria uma coisa estilo “chaves na mão”.
Passado uns dias (sétimo dia após o assalto – 23 Maio 1973), depois de uma noite bem dormida, dado o cansaço e o whisky, recebemos a notícia à muito anunciada: vamos ocupar definitivamente Nhacobá e deixar a casa que construimos, com “sangue suor e lágrimas”, e recomeçar tudo de novo.
Já estavam em marcha os preparativos com o transporte das tendas, anteriormente utilizadas no Cumbijã, em transito para Nhacobá. De manhã cedinho, com um nó na garganta por abandonarmos a nossa “linda”casinha” (que, para ser perfeita, só lhe faltava um S. José de Azulejo), lá arrancamos nós para uma nova e arriscada empreitada.
A azáfama era grande na preparação do terreno para montarmos as familiares tendas de lona, bem como construir uma frente de valas para garantir uma segurança mínima em caso de ataque, previsível, do IN.
Ao vermos as máquinas destruir parte da tabanca, estranhamente, muitos de nós sentiu uma ou outra lágrima correr-lhe o rosto.
Ocupados com estas atividades vimos com preocupação a chegada de altas patentes com semblantes carregados, não augurando nada de bom. Estas altas esferas conversavam entre si ignorando todo aquele frenesim.
Chegada a hora da verdade, com toda a gente que não é de cena a sair de cena, ficando só nós entregues à nossa sorte, reparamos que as altas patentes, mais o seu grupo de proteção, também ficou. O tempo foi passando, as conversas das altas patentes continuavam, perturbando o nosso descanso depois de um dia intenso.
Estávamos incrédulos, os homens do “pionés no mapa” na frente de combate, pernoitando neste inferno, com uma visita do IN garantida!
Eis que, inopinadamente, por volta das 21 horas, estava escuro como breu (como quando o Benfica apagou os lampiões no estádio da Luz quando o Porto foi aí campeão), chega a ordem para preparar todo o pessoal para arrancarmos até Cumbijã. Ficamos todos estupefactos, num misto de alívio e preocupação. Dando crédito ao que se falava entre dentes, estaria para chegar todo o grupo do prestigiado guerrilheiro Nino Vieira (mais tarde presidente da Guiné) para arrasar (estilo Jorge Jesus !) com Nhacobá.
Arrancamos, todos de mão dada (como no jardim de infância), para ninguém se perder no caminho. Lá fomos (Lá vamos cantando e rindo levados..,), novamente, para a nossa linda casinha. Já em Cumbijã (a horas não habituais do IN – 5 horas da manhã), ouvimos uma “trovoada” de explosões na zona de Nhacobá, ou talvez Guileje, diziam alguns. Provavelmente as duas coisas… se, em Nhacobá, desperdício de munições...uff!
Se me tivessem caído estrelas ou galões nos ombros (!), jamais abandonaria o local naquelas condições. Uma emboscada ou apenas um disparo acidental criaria o pânico com consequências que poderiam ser dramáticas já que se não via um palmo à nossa frente. Foi para todos nós uma caminhada noturna com a tensão nos limites.
Nunca entendi a razão de abandonar o local, nem ninguém nos explicou, naquelas condições. O motivo mais plausível, presumo, foi dar entender ao IN que iamos ocupar definitivamente o seu antigo refúgio, obrigando-os a enviar forças para defesa deste importante corredor que estavam na eminencia de perder definitivamente. Assim se aliviava (de acordo com os rumores que já circulavam) o cerco que o IN tinha montado ao aquartelamento de Guileje e, saindo pela calada da noite, evitávamos um confronto desigual numa altura em que todos estávamos exaustos (convenhamos que foi de retirada em retirada que Kutuzov venceu Napoleão...).
Depois desta possível “manobra de diversão” (e desta minha “comovente” dissertação sobre estratégia militar), no dia seguinte reocupamos novamente Nhacobá dando a entender ao IN que nunca o abandonámos. Contudo, com a confirmação de Guileje e Gadamael a ferro e fogo, a ocupação definitiva de Nhacobá deixou de ser prioridade.
Entretanto, acontece o impensável, Guileje, o aquartelamento mais bem fortificado da Guiné, e muito próximo de nós, foi abandonado, no dia anterior à nossa retirada de Nhacobá - 22 Maio 1973, pelas nossas tropas, (uma companhia que se formou ao mesmo tempo que nós em Estremoz, todos nossos amigos), em consequência do ataque em massa, com armas pesadas e durante vários dias consecutivos, causando várias vítimas entre militares e população.
Com o aparecimento, recente, dos misseis Strela, de fabrico Soviética, tudo se altera no teatro de operações com a queda (atingidos por esta nova arma) de 3 aviões Fiat (caças bombardeiros), reduzindo drasticamente a sua atividade operacional e ponde em causa o apoio determinante às forças no terreno.
O primeiro caça bombardeiro Fiat a ser abatido por esta nova arma, cuja aparecimento mudou definitivamente o rumo da guerra, em 25/03/73, pilotado pelo Ten PilAv Miguel Cassola Cardoso Pessoa.
Este acidente acabou por ter um final feliz, acabando mesmo em casamento do piloto Pessoa com uma das nossas “queridas enfermeiras paraquedistas” (como nós carinhosamente lhe chamavámos) que lhe prestou os primeiros socorros, e o acompanhou durante a evacuação (e não mais o abandonando até hoje!) para o Hospital de Bissau depois de ser resgatado do mato por um grupo de tropa especial (esta bonita história de amor em tempo de guerra era claramente digna de um filme – um “Dr. Jivago à Portuguesa” …).
Estas jovens militares e enfermeiras (#), postas em permanente perigo, voando de Heli, DO, ou Dacota, fazendo arriscadas evacuações e prestando os primeiros socorros nas zonas mais problemáticas, foram um exemplo maior de coragem, competência e solidariedade.
É neste ambiente de grande instabilidade que, depois de todos os esforços, se desistiu de reocupar, de imediato, Nhacobá, continuando, contudo, a construção da estrada e o patrulhamento da zona.
(Continua)
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Nota do autor:
(#) Eram mesmo enfermeiras formadas nas escolas superiores de enfermagem – num universo de enfermeiros, formados em 3 meses, com diferentes formações na vida civil, de eletricistas a carpinteiros, salvo raras exceções, mas que cumpriram exemplarmente as suas funções e cuja presença nos dava um grande conforto
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(#) Eram mesmo enfermeiras formadas nas escolas superiores de enfermagem – num universo de enfermeiros, formados em 3 meses, com diferentes formações na vida civil, de eletricistas a carpinteiros, salvo raras exceções, mas que cumpriram exemplarmente as suas funções e cuja presença nos dava um grande conforto
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Nota do editor
(*) Último poste da série > 29 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22413: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago (Op Balanço Final)
(*) Último poste da série > 29 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22413: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago (Op Balanço Final)
7 comentários:
Joaquim, que história incríve!!... Que trapalhada!...Que incoerências!...O que se passou na cabeça dos nossos "maiores" ?...
Vamos ver se a "malta de Guileje" comenta... Vou dar-lhes conhecimento do teu poste...
Boas férias... Já não é como era, "o nosso querido mês de Agosto"... Em setembro vou mesmo a Candoz, aproveitando um intervalo na fisioterapia... o mano mais novo da Alice faz anos, em 8 de setembro, dia da festa do Castelinho, Marco de Canaveses. Espero poder dar um salto à Tabanca dos Melros no dia 11, o que ainda vou confirmar com o António Carvalho... Não irei é às vindimas, com pena minha.
Abraço grande, Luis
PS - Continuo a minha fisioterapia, esperando ser operado em out / nov...
"Reduzindo drasticamente a sua actividade operacional".Acerca da FAP na Guiné.
Penso que os então tenentes António M.Matos e MiguelPessoa que melhorem conheceram a situação voando na Guiné poderão comentar esta frase.
Não levem a mal eu querer defender "a minha Dama"
Carlos Gaspar
Sim, os nossos ilustres camaradas da FAP, o António Martins de Matos e o Miguel Pessoa bem como o nosso amigo investigador José Matos há muito esclareceram a questão do impacto do Strela. Foi como a Covid-19. Primeiro assustou, matou, fez estragos.... Depois aprendemos a lidar com...(Corina, em ingles).
Li com atenção
Nada do que li falha na realidade do que se passou, no meu ponto de vista e do que eu tive conhecimento. Fui Cabo Miliciano da CCAV 8351 com muito orgulho, e com muito orgulho ia de Colibuia a Cumbijã jogar volei com o pessoal de Cumbijã. Asd 8350 e 8351 ali tão perto. Coisas da Guerra
Costa, essa de enganar o IN com 'ficamos aqui' e depois na calada da noite saírem para outra posição parece uma jogada do Ronaldinho a olhar para um lado e jogar para outro, coisa que no rugby não se pode fazer, e muito menos gozando com o IN no campo de batalha.
Afinal, mesmo com ataques de strela à Aviação, com o abandono do Quartel melhor defendido, sempre se podia sair à noite e de mão dada. Faltava mais uns mesinhos....
Para o Luís, bom aproveitamento com repouso na Tabanca de Candoz e com a ajuda postiça sempre dá melhor equilíbrio em situações de "não posso dizer que não".
Abraços
Valdemar Queiroz
Caro Carlos Gaspar
De Tigre para Tigre: A minha observação nada tem a ver com estratégia militar, que obviamente como bem demonstro nos meus posts, “só sei que nada sei”. A minha observação só tem a ver com matemática/estatística. Retirar 3 fiats do ar, tendo em conta o número reduzido destas máquinas voadoras no território, obviamente reduz drasticamente a sua capacidade operacional.
Caro Casimiro,
Bem vindo à colação . Uma vez Tigre... Tigre para sempre.
O que eu gostei mesmo foi ser cabo miliciano: Não era cabo mas ganhava como tal. Fazia serviço de Sargento mas era cabo, éramos tolerados, em alguns quartéis, na messe de Sargento, noutros éramos atirados para um vão de escada. Em abono da verdade em alguns também fomos acarinhados pela classe de Sargentos (Como em Estremoz onde nos limpavam a mesada de um mês no jogo da Lerpa nos telheiros). Na Guiné ficamos uns meses à experiência no posto de Furriel, Foi com alguma tristeza e nostalgia que o Sargento Redondeiro (Bom homem e bom amigo) me comunicou que já era por direito próprio Furriel. Esta patente de Cabo Miliciano foi a que me assentou como uma luva já que ninguém sabia o que era.
Caro Valdemar;
Um grupo de homens passeando à noite de mão dada !!!!… , A guerra foi mesmo muito dura!!!...
Caro Luís,
Espero encontrar-te na Tabanca dos Melros no dia 11 de Setembro no “batizado”/apresentação do “filho”/livro do nosso amigo Carvalho de Mampatá/Medas, Espero que passes umas bons dias em Candoz e que tenhas um bom ano de vinho verde... do Douro!
Para todos um abraço e muita saúde
Joaquim Costa
Costa, tens razão. A guerra na Guiné foi realmente muito dura.
O 'passeando à noite de mão dada', é a letra do primeiro verso duma canção que nos querem, ainda, cantar e que pretendem rimar com 'e falta uns mesinhos pra guerra acabar', mas com métrica imperfeita e música desafinada.
Abraço
Valdemar Queiroz
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