terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22787: O meu sapatinho de Natal (6): o aerograma muito pouco "católico", e muito menos "patriótico", enviado pelo A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro, 1968) com sarcasmo e raiva, em dezembro de 1968, à sua mana e cunhado


Guiné > Região de  Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Aerograma, edição de Natal, distribuído pelo Movimento Nacional Feminino >  "...Uma ginginha!... Para dar de beber à dor é o melhor"... O alf mil at inf, comandante do Gr Comb "Os Jagudis", pegou no aerograma de Natal do Movimento Feminino, cujo "boneco" já vinha da 1º ( e unica) edição, dezemro de 1961 (!), e "canibalizou-o":  põs um chapéu alto, azul, na cabeça do São José, tipo "porteiro de hotel" (, para não dizer "palhaço de circo"); tingiu de vermelho (sangue) o caqui amarelo do "maçarico" que foi para Angola (em abril de 1961, "rapidamente e em força"); "incendiou" as tabancas... Enfim, mandou um postal de "boas festas", muito pouco "católico" e muito menos "patriótico",  à sua mana e ao seu cunhado... 


Foto (e legenda): © A. Marques Lopes  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A. Marques Lopes é um dos "históricos" da Tabanca Grande: é
 o nosso quarto grã-tabanqueiro mais antigo, depois do fundador, Luís Graça, do Sousa de Castro e do Humberto Reis; entrou para a nossa tertúlia em 14/5/2005coronel inf, DFA, na situção de reforma, foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), era membro, em 2005, da direção da delegação do norte da Associação 25 de Abril (A25A),  é autor de "Cabra-Cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), autobiografia escrita sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira, que conta a história de António Aiveca. E que já chegou ao Brasil...
 

1. Nesta quadra festiva, lembremo-nos do nosso camarada A. Marques Lopes, de 77 anos de idade, que vive em Matosinhos, e que está hospitalizado. Ele pede que lhe escrevam para o email: a.marques.lopes@hotmail.com 

Fomos "desencantar" um dos seus inúmeros postes (ele tem mais de 250 referências no nosso blogue), e mais concretamente o poste P369, de 18 de dezembro de 2005 (*), recordando o seu já longínquo Natal de 1968, passado em Barro, na CCAÇ 3, onde completou a sua comissão, depois de ter sido gravemente ferido (e evacuado para a metrópole) ao serviço da CART 1690 (Geba, 1967). 

Escreveu ele nesse poste, que vinha acompanhado do aerograma que reproduzimos acima, reeditado entretanto por nós para chamar a atenção do leitor para as modificações por ele introduzidas, com sarcasmo e raiva:

"Este é mais outro aerograma que descobri. 

Mandei-o, pelo Natal, em 1968. 

O que eu quis transmitir é que eram natais de morte
 e que o que procurava era esquecer, 
dando de beber à dor".

Aerograma:

"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz 
e que o Ano Novo seja sempre melhor que o anterior. 
António Manuel... 
Uma ginjinha!.. Pois dar de beber à dor é o melhor"...




O nosso camarada Alberto Nascimento,  outro veterano da Guiné e do blogue  (, foi soldado condutor auto,. CCAÇ 84, Bambadinca, 1961/63), teve a ideia (original) de nos mandar,  em 2010,  as boas festas, utilizando este aerograma com impressão de Natal, que era distribuido pelo Movimento Nacional Feminino. (Vd. poste P7445, de 17 de dezembro de 2010).


Foto: © Alberto Nascimento (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







Guiné > Região do Oio  > Farim  > CART 1802 > Dezembro de 1967 > Um poema de Natal   pelo 2º srgt art Silvério Dias, da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974) (**).

O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 e muitos  anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto (e legenda): © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.




MNF - Movimento Nacional Feminino > Dezembro de 1961. Aerograma com impressão de Natal, encomendado   à Tipografia ORBIS.. Repare-se que a figura do militar, de caqui amarelo, capacete de aço e mauser com baioneta, manteve-se  ao longo dos  13 (!) Natais que durou a guerra, a que o 25 de Abril pôs cobro...Desconhece-se o nome do autor da ilustração. 
2. Estamos de acordo que o SPM - Serviço Postal Militar (***)  foi um dos melhores serviços que a tropa criou em tempo de guerra. E quem dizia SPM, dizia aerograma, uma criação, tanmbém meritória, do Movimento Nacional Feminino: era isento de franquia postal (porte e sobretaxa aérea), e o seu transporte (entre Lisboa e Bissau, no caso da Guiné) era assegurado, em geral, pela TAP, de borla...

Sabemos, por outro lado, que o aerograma era "seguro e rápido"...  Alguns de nós (e as nossas namoradas, esposas, amigos, familiares, etc.), achavam o aerograma mais "impessoal", preferindo a carta, devidamente estampilhada, expedida "por avião" (, de resto, como o aerograma)... Mas como a carta era paga (porte mais sobretaxa aérea), achávamos que tinha tratamento especial, diferente do aerograma... Seria o equivalente hoje ao "correio azul"...

Além disso, achávamos, alguns de nós,  que a carta era mais "íntima", prestando-se melhor ás confidências (vivenciais, amorosas, políticas, filosóficas, etc.), podendo inclusive enviar no envelope uma fotografia (ou mais folhas de papel de carta), o que era taxativamente proibido no aerograma...

Todavia, a maioria dos militares , e sobretudo as praças, destacados nos diferentes teatros de operações e demais "províncias ultramarinas", não se podiam dar ao luxo de pôr no correio (SPM) muitas cartas, por causa da "guita", daí a opção pelo aerograma, de distribuição gratuita pelo Movimento Nacional Feminino e com expedição sem encargos... 

Para o ano de 1974, o MNE fez uma encomenda de 32 milhões de aerogramas, nunca pensando que esse ano seria também o  seu último ano de vida, e que milhões de aerogramas iriam para o lixo. (Ao longo da guerra, ter-se-ão distribuído 3 centenas de milhões de aerogramas.)

Curiosamente, o "boneco" do aerograma com impressão de Natal datava de dezembro de 1961... e não teve alterações ao longo dos anos... E provavelmente não teria conhecido alterações de monta,  mesmo se a guerra durasse... cem anos, (!), o que vem confirmar a gestão "amadorística", e muito centrada na líder do MNF, a Cecília Supico Pinto. 

Daí talvez, de entre outras, a razão do "mau humor" do A. Marques Lopes que literalmente canibalizou o aerograma que expediu, de Barro, para a mana e o cunhado. (Será que os destinatários acharam "piada" ao seu humor negro ?)

Sabemos que o aerograma chegou, pelo menos,  ao seu destino, o que também vem confirmar a ideia que o correio, expedido pelo SPM, não era, em princípio, violado pelas autoridades militares ou pela PIDE/DGS... Pela simples razão de que não era praticável o seu controlo sistemático nem sequer aleatório: durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas (incluindo aerogramas, cartas, encomendas postais, valores declarados...).(***)

Para os três camaradas que contribuem com os seus "recuerdos" para este poste, vai uma especial saudação natalícia. Do Alberto Nascimento e do Silvério Dias não tenho tido notícias. Do A. Marques Lopes, tenho, mas não são tão boas quanto gostaríamos. Desejo-lhe rápidas melhoras de modo a poder passar o Natal de 2021 em casa, no "quentinho", e "sem ginjinha para dar de beber à dor"... Ou melhor, um Natal com ginjinha mas sem dor, António! 
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2005 > Guíné 63/74 - P369: O meu Natal de 1968 em Barro (A. Marques Lopes)(2005)

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Acabei de falar com o A. Marques Lopes, está internado no Hospital Militar, em isolamento, Otimista, apesar de tudo..., à espera de, dentro de dias, voltar a casa e prosseguir os tratamentos que estava a fazer... É dos bravos da Guiné, daqueles calejados pela usura da guerra e do tempo....

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Desejo boas melhoras ao Marques Lopes e que volte rapidamente a escrever as bocas foleiras a que sempre nos habituou.
Quanto ao aerograma de Natal, deve ter sido uma daquelas faltas de gosto a que as nossas "entidades oficiais" nos habituaram. Podemos aceitar que o desenho "tem arte" dentro da arte do tempo e até podemos aceitar que para o Natal/61 (primeiro ano da guerra) tinha a sua aplicabilidade, mas depois tornou-se algo que além de inútil não revelava a menor sensibilidade, de quem enviava. Para quem recebia não se pode considerar um bilhete postal de Natal que revelasse gosto. Não era aliás, pelo menos para o fim da guerra, algo que circulasse em grande quantidade o que é sintomático. Dá até a impressão da "história do costume" que bem conhecemos: faz-se assim porque sempre assim se fez. Não esquecer que "o costume" é a lei dos tolos...
Enfim, mais um documento para a História e que não se perca.

Um Ab. e bom feriado
António J. P. Costa

José Botelho Colaço disse...

Rápidas melhoras ao amigo A. Marques Lopes, foste tu quando entrei para o blogue que com os teus conhecimentos me deste parte importante do passado da minha C.caç 557 uma vêz que mesma não tem espólio militar no que te fico eternamente grato. Um abraço de amizade Colaço.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, não me lembro nada, no meu tempo (Bambadinca, 1969/71), de ver circular esses aerogramas com a "impressão de Natal", de estética "arcaizante", para não dizer "anacrónica"...

Nenhum de nós, no final dos anos 60 / princípios de 70, se revia no "boneco" do lado esquerdo, o soldado de caqui amarelo, capacete de aço e mauser com baioneta... É evidente que o aerograma, além do "apoio moral e psicológico" ao militar em "missão de soberania", e deslocado da família, também tinha uma clara mensagem "propagandística"...

Mas eu não utilizava o aerograma. Não me me lembro de o ter utilizado alguma vez. Boas festas e muitas... "propriedades"...

PS - Mas temos de falar aqui, um dia destes, do "desastre", para a Cilinha e o seu Movimento, que foi o lançamento do disco, um LP, o "Natal de 71", com gravações de artistas e desportistas conhecidos na época, como a Amália Rodrigues, a Florbela Queiroz, a Hermínia Silva, o Armando Cortês, etc., sem esquecer o Eusébio e o Joaquim Agostinho (!!!)...

Do disco foram distribuídos, tarde e de forma irregular, 300 mil exemplares pelos quartéis do mato... que nem sequer tinham gira-discos!...A "prenda natalícia" foi muito mal recebida, a rapaziada, indignada, achou que estavam a gozar com a malta!... E com razão!...

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
Tens razão!
Na primeira "intervenção" (da Hermínia Silva) vem descrito aquilo de que falas.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...


Silvério Dias
9 dez 2021 19:37

O Silvério responde. Vou caminhando em passo lento para os 88. Corpo cansado mas com a mente ligeira.Poesia todos os dias no blogue que se conhece.
Quanto ao mais o que acontece.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ah!, grande Silvério!...

Com a devid vénia (e melhor apreço), fui sacar-te estes versinhos alusivos ao Natal de antigamente, de que o "Presépio" era um elemento icónico...

Blogue Poeta todos os dias
http://poetatodososdias.blogspot.com/


Quinta-feira, 9 DE Dezembro 2021

O PRESÉPIO

Desde sempre, original,
no assinalar o Natal.
Enlevo dos mais pequenos,
elaborado pelos adultos,
é um dos maiores cultos.
De longa data, os conhecemos.

O tive, quando criança,
sempre na ardente esperança
da dádiva do Deus-Menino.
Sapatinho na chaminé,
animado da maior fé,
a noite num desatino ...

Veio depois o Pai Natal,
sem dúvida bem desigual.
Bonacheirão, barba branca
e de vermelho trajado,
um novo modo, inventado,
à ignorância, fazendo estampa!

É, o "Natal Comercial",
novidade mas irreal,
visando o lucro vantajoso.
Uma explosão de alegria,
a que falta, a nostalgia
do simples, tão gostoso ...


Ainda guardo Presépio antigo.
Feito por mim, o bendigo.

Publicada por Poeta Todos os Dias,08:58

Anónimo disse...

Alberto Nascimento (by email)
10 dezembro de 2021 17:10

Caro Camarada Luís Graça

Já há muito tempo que não participo no blog e poucas vezes tento aceder para ver novidades.

A razão, são os meus olhos que envelheceram primeiro que o resto e por isso vi-me grego para escrever estas três linhas.

Quanto ao resto, ainda cá estou, e sem pressa nenhuma de ir embora.

Espero que tudo esteja bem contigo,família, e Camaradas e quando vires aí à porta um bicharoco com os olhos em bico, cerimoniosamente dá-lhe uma porrada com força.Por cá ainda não apareceu, mas por precaução, fui à Vacina.

Aproveito para desejar a toda a Tabanca um Natal muito Feliz e um 2022 Melhor e mais próspero.

Um grande abraço do
Alberto Nascimento