sábado, 11 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22799: Os nossos seres, saberes e lazeres (481): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (28): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
O Palácio Pimenta faz parte integrante dos passeios da miudagem do Bairro de Alvalade, descíamos pelo Campo Grande fora, naquele tempo muitíssimo bem ajardinado e bem mais largo antes de lhe usurparem o terreno que permite o alargamento das faixas rodoviárias, ainda não havia Cidade Universitária nem cá em baixo a Faculdade de Ciências, vínhamos alugar bicicletas, fazíamos economias de nos passear meia ou uma hora, dentro de um rodado pré-determinado de que ainda subsistem vestígios. Havia residências apalaçadas, ainda lá está uma de pé, a solitária vivenda da então Junta de Freguesia do Campo Grande e um palácio fechado, o Palácio Pimenta, já comprado pela Câmara mas a aguardar obras. Depois de 1979, vivendo eu na Avenida do Brasil e com duas filhas pequenas era um destino possível em dias ensolarados, atravessava-se o Campo Grande, as meninas iam até ao parque de patinagem, havia lanche, caminhávamos por aquela bela avenida de palmeiras e o chamariz para visitar o Palácio Pimenta eram sempre os jardins onde éramos acolhidos pelos grasnidos dos pavões, com algum esforço e conversa do faz de conta, falava-se de azulejos e era obrigatório ir mirar um prodigioso quadro a óleo de Carlos Botelho, que ainda hoje me motiva a entrar neste tão acolhedor museu, e aproveito sempre para recordar essa encantadora senhora que foi a olisipógrafa Irisalva Moita, a quem Lisboa tanto deve.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (28):
As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva


Mário Beja Santos

Em "Um Passeio à volta do Campo Grande", de Manuela Rêgo, Contexto Editora, 1996, fala-nos sobre a história do Palácio Pimenta, situado no n.º 245 do Campo Grande. Foi construído entre 1744 e 1747, habitado por várias famílias, e daí a designação que teve de Palácio Galvão Mexia, residência do Conde de Farrobo. Em 1910, vivia aqui Carlos Luís Ahrends e em 1914 foi adquirido por Jorge Ávila Graça que aqui viveu com os seus herdeiros até 1957. Foi depois vendido à Câmara Municipal de Lisboa. O pintor Manuel Amado, que aqui viveu na sua infância, deixou numerosos quadros sobre esta casa. Não tem fundamento que o palácio tenha sido mandado construir por D. João V para a sua amada Madre Paula. Há a casa, um jardim e uma mata, uma fração desta foi expropriada para a construção da 2ª Circular. O Museu da Cidade encontra-se instalado neste palácio desde 1979.
Saiu recentemente um livro dedicado à impulsionadora deste museu, Irisalva Moita, uma edição do Museu da Cidade que homenageia a arqueóloga que se devotou aos museus municipais. Ali se escreve que partiu do punho de Irisalva Moita as obras faseadas do Museu, um programa que ela delineou em 1971 e que foi patente ao público em 1979: nesse ano apareceram as salas correspondentes aos séculos XVII a XIX; em 1984, as secções A Dinastia de Avis e os Descobrimentos, A Contrarreforma e o Período Maneirista; em 1985, as restantes salas do piso térreo, com as secções Meio Geográfico e Origens Pré-Históricas, Lisboa Romana, Domínio Visigótico e Muçulmano, Lisboa Medieval. Ainda houve outros três novos núcleos expositivos. Apenas um novo pavilhão foi construído, inicialmente fora projetado para expor a coleção da azulejaria, transformou-se em espaço de exposições temporárias. O denominado Pavilhão Preto do Museu da Cidade foi inaugurado em 1994. Circunscreve-se a visita de hoje ao piso térreo, dar-lhe-emos continuidade no próximo sábado.
Entra-se no palácio onde nos aguardam duas brochuras, uma dedicada a uma nova exposição de longa duração, Viagem ao Interior da Cidade e a outra é explicativa da maqueta de Lisboa anterior ao Terramoto de 1755. Na receção temos uma homenagem a um dos mais insignes olisipógrafos, uma escultura de Júlio Castilho, envolvida por belos azulejos.


Na brochura Viagem ao Interior da Cidade faz-se um pequeno histórico sobre o Palácio Pimenta, recorda-se que o então Museu da Cidade funcionava no Palácio da Mitra desde 1942, que o primeiro projeto de adaptação, datado de 1968, foi da autoria do arquiteto Raúl Lino mas vingou a intervenção do arquiteto Duarte Nuno Simões, com programa museológico da olisipógrafa Irisalva Moita. Lembra-se igualmente que a exposição atual permite a visita à antiga cozinha e à capela. Dá-se como missão do museu despertar a curiosidade sobre o lugar físico e a ocupação de Lisboa ao longo dos tempos, a sua relação com o rio enquanto elo entre margens e porta para o mundo. Temos no piso térreo um acervo de salas que incluem: Pré-História e Proto-História, Cidade Romana, Cidade Muçulmana, Cidade Medieval Cristã, Cidade Quinhentista, Cidade do Mundo, Maqueta de Lisboa antes do Terramoto de 1755, Registos de Azulejo, Cozinha, Capela, Produção Cerâmica e Exposições Temporárias. A museografia é excelente e a informação irrepreensível. E assim vamos da Pré-História até à Cidade Romana, o Período Medieval é de enorme riqueza, podem-se contemplar desde um pote da Idade do Bronze, passando por um capitel coríntio do século II d.C. a belas peças romanas.
Quadro representando a retirada de D. João de Castela depois de cercar Lisboa, fugindo da peste, quadro de Constantino Fernandes
Portal manuelino que pertenceu ao Convento de Santos-O-Novo
Quadro em que se reproduz o Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, é patente a atmosfera neogótica
A Virgem e o Menino, escultura em calcário
Uma interessante alusão à Lisboa herdada dos Árabes, simulam-se as suas muralhas até à Alcáçova, a despeito da aceitável falta de rigor, o que terá sido a ocupação espacial da Lisboa tomada por D. Afonso Henriques não andará muito longe da realidade
Nas obras mais recentes encontraram-se vestígios do primitivo Palácio Pimenta, aqui se mostra os restos de um forno, seguramente do século XVIII, é uma surpresa museográfica que não pode deixar de cativar o visitante
Um vestígio da presença árabe em Lisboa, uma pedra tumular
E chegamos à importante exposição de objetos do Hospital de Todos Os Santos, sediado no que é hoje a Praça da Figueira, as obras do Metropolitano permitiram descobrir inúmeros vestígios que o visitante pode agora contemplar. A visita prossegue para a maquete de Lisboa antes do terramoto e tudo o que ainda falta ver no piso térreo. Recorda-se aos interessados que na receção do Museu de Lisboa há um acervo de publicações à venda sobre exposições realizadas ou estudos de olisipografia que podem ser adquiridas a preços altamente abordáveis

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22779: Os nossos seres, saberes e lazeres (480): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20): O génio de Almada Negreiros nas gares marítimas do Porto de Lisboa (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Eu não sei se a "culpa" é do Beja Santos ou do Carlos Vinhal. O que é certo é que no post está escrito que o Palácio Pimenta foi construído entre 1944 e 1947, mas muito antes disso (em 1910!) já era habitado!!!

Não me levem a mal. Um lapso qualquer um comete. Quem nunca se enganou que atire a primeira pedra. O Palácio Pimenta foi construído no séc. XVIII, como a sua traça denuncia. Seja como for, o Museu de Lisboa (ex-Museu da Cidade) merece uma visita. A reconstituição de Lisboa anterior ao terramoto de 1755, por si só, justifica-a plenamente. E há muitíssimo mais para ver, como o Beja Santos nos mostra.

Ah, já me esquecia! Dou os parabéns ao Beja Santos por ter escrito "dias ensolarados". Agora parece que é moda escrever e dizer "dias solarengos"...

Carlos Vinhal disse...

Muito obrigado, Fernando Ribeiro. Já rectifiquei.
Abraço
Carlos Vinhal
Coeditor