Queridos amigos,
Passei vezes sem conta por Cernache, lembranças para visitas e satisfação da curiosidade nunca foram satisfeitas. A Empresa de Viação Cernache era uma lembrança da minha infância, a minha mãe levou-me na Rodarte para ver as amendoeiras em flor, em 1952, no Algarve e um ano depois viajamos na Empresa de Viação Cernache para Tomar. Como era professora primária, tudo era explicadinho, o itinerário não só até Tomar, o autocarro não se confinaria a Cernache, seguiria até às Beiras, naquele tempo era a rota obrigatória, o quadro só mudou quando apareceu a ponte sobre o Zêzere, então os expressos utilizavam a A23 e o IC8, a importância rodoviária de Cernache decresceu. Passei férias durante anos na Foz do Arelho onde na sala de jantar havia um quadro enorme de Túllio Victorino, o meu padrinho falou-me deste pintor elogiando a sua obra, daí o acicate em querer visitar o ateliê, desta vez não consegui mas um dia acontecerá. O Real Colégio das Missões é uma referência obrigatória para quem estuda as missões em África, alguns padres guineenses vieram estudar a Cernache e um dia que possa visitar a biblioteca hei de perguntar o que nela consta do primeiro sábio guineense de origem africana, o meu muito estimado Padre Marcelino Marques de Barros. Aqui ficam recordações, as primevas, da chegada a Cernache, haverá algumas mais, e depois vou vacinar-me na Sertã e visitar algo que provavelmente vos irá empolgar.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (41):
Em Cernache do Bonjardim e na Sertã, no dia em que aqui recebi a segunda dose da vacina (1)
Mário Beja Santos
Ao amanhecer de 9 de julho, parto de um lugarejo de Tomar com destino à Sertã, é dia da segunda dose da vacina. Organizei a viagem de modo a estar pelas dez horas na Junta de Freguesia e visitar o ateliê do pintor Túllio Victorino, o Seminário das Missões e o que foi a Empresa de Viação Cernache, de que guardo lembranças da infância. A que propósito o pintor Túllio Victorino? Passei férias numa casa alugada pelos meus padrinhos na Foz do Arelho, era a antiga colónia de férias do Colégio Moderno. Na ampla sala de jantar, o meu padrinho colocara um imponente quadro a óleo, a Praça dos Restauradores debaixo de chuviscos, o cinema Éden iluminado, o padrão aos heróis da Restauração numa semiobscuridade, impressionante obra-de-arte, hesitava entre o neoimpressionismo e o naturalismo. O meu padrinho esclareceu-me: “É do Túllio Victorino, excelente artista, não é Malhoa nem Silva Porto, mas anda perto”. Foram anos a fio a contemplar este quadro. E sempre que passava por Cernache, bem curioso com esta construção de 1910, compósita, com laivos de arabescos, telhados de beiral, azulejos moçárabes, janelas com laivos medievais, prometia a mim mesmo uma visita que jamais se efetuou. Apresentei-me na Junta de Freguesia, recebi uma obra sobre Cernache de Bonjardim e a informação de que o ateliê estava em obras. Comecei a digressão por Cernache olhando este revivalismo do princípio do século XX, os arcos em ferradura, e olhei demoradamente a estrutura de ferro e o janelão do salão. Túllio Victorino residiu aqui até 1969, o edifício entrou em degradação, a Câmara Municipal transformou-o no “Espaço Cultural Túllio Victorino”, em 2008.
Nora à volta do Espaço Cultural Túllio Victorino
Quadro a óleo de Túlio Victorino
Retrato de Túlio Victorino
Irresistível não fotografar este estreito caminho entre duas ruas, em Cernache do Bonjardim
Enquanto percorro estas instalações, penso nos documentos que tive a possibilidade de ler que governadores coloniais enviaram para aqui jovens para se formarem, inevitavelmente veio-me à mente o nome do Padre Marcelino Marques de Barros, que foi Vigário-geral da Guiné, e é seguramente o primeiro sábio guineense, já tem sido alvo de estudos, bom seria que a Guiné-Bissau tratasse a sua memória como património incontornável, saiu das suas mãos o primeiro dicionário de português e crioulo guineense, levantou histórias e tradições, sabe-se lá se se passeou neste claustro com que agora me despeço, ainda vamos continuar a falar de missionários, sigo depois para a antiga Empresa de Viação Cernache e depois a vacina e depois muitas coisas mais há para visitar na Sertã.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23051: Os nossos seres, saberes e lazeres (494): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (40): Os esplendorosos jardins do Palácio dos Marqueses de Fronteira (2) (Mário Beja Santos)
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