terça-feira, 8 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23057: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIV: O regresso a casa, com a cidade do Porto a abrir os seus braços só para mim



Porto > Parte Ribeirinha da Zona Histórica do Porto, ao final do dia > c. 2016 > Foto do nosso saudoso camarada, e grande fotógrafo, amante da "Invicta", o Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017) (ex-Fur Mil Arm Pes Inf, Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70). Publicada em 5 de setembro de 2016, na sua página do Facebook Jorge Portojo  (seu nome artístico), a escassos meses da sua morte, em 7 de abril de 2017. Reproduzido aqui com a devida vénia...

Quem vem e atravessa o rio
junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar.

(...) E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa.

letra de Carlos Tê, música de Rui Veloso)



Foto nº 1 > Uma imagem vale mais do que mil palavras...O Joaquim Costa, de braços abertos


Foto nº 2 >  O Vago Mestre Ferreira, o homem do arroz com estilhaços e o amigo Machado de óculos escuros


Foto nº 3 > O meu grande amigo Afonso... O homem da “caminhada louca” com o olhar cúmplice da sua esposa Luísa

Sobral do Monte Agraço> 20 de Abril de 2002 > O meu 1.º encontro-convívio, o 6º da CCAV 8351, "Os TIgres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74)

Fotos (e legeendas) © Joaquim Costa  (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor.

Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XXIV - O regresso a casa

Estranhamente o dia da partida e a viagem para Portugal foram vividos quase em silêncio. Só quando se avistou Lisboa,  o pessoal gritou de felicidade e cantou: “cheira bem cheira a Lisboa”, mas sem grande entusiasmo. 

Sentia-se um ambiente estranho. Alegre, descontraído e ao mesmo tempo contido. O fim das hostilidades e uma pequena brisa do vendaval do PREC, que também chegou ao Cumbijã, talvez possam explicar esta melancolia.

Chegados a Lisboa, foi tudo muito rápido: Partida para um quartel que não faço ideia qual, nem onde fica, desfazendo-me de tudo que me recordasse a Guiné (deitei, literalmente, tudo num caixote de lixo, até os “roncos” de Nhacobá e muitas fotografias)... 

E mal nos despedimos uns dos outros, apenas uns acenos de circunstância com aqueles que nos cruzavámos na azáfama de nos libertamos “rapidamente e em força” (onde é que eu já ouvi isto?) dos último três anos.

Chegado ao Porto (Campanhã), pese embora a sofreguidão em rever a família, uma força vinda das entranhas, levou-me ao centro da cidade, apanhando um comboio com destino à estação de S. Bento com o dia ainda a romper. 

Quatro anos de estudante fizeram desta cidade a minha casa. A esta hora poucas pessoas se viam nas ruas e nos transportes. Senti a cidade a abrir os seus braços só para mim. Foi a primeira sensação do regresso a casa,  depois de uma longa e cansativa viagem.

Caminhei quase sozinho pelos Aliados, sentindo a falta do café Astória e do Imperial, este com a sua imponente porta giratória e o engraxador residente. Subi os Clérigos, passei pelo Estrela, o Aviz, o Piolho e ainda pelo Ceuta, felizmente, tal como os deixei. 

Respirei fundo várias vezes, chegando mesmo a limpar uma lágrima por este abraço da cidade que adotei e se me entranhou.

Durante uns anos nem falei nem queria ouvir falar da Guiné. Encontrei mais tarde o Portilho, o Albuquerque, o Beires, o Parola, o Félix e o Caetano em Itália (Veneza), em conversas de circunstância, não fazendo uma única referência à Guiné, procurando abreviar a conversa e fugir daqueles encontros como a fugir do passado recente.

Passados 28 anos depois do regresso da Guiné,  fiquei maravilhado com a carta do Tomé a convocar-me para o 6º encontro da companhia, em Sobral de Monte Agraço.  Com o entusiasmado até as lágrimas me vieram aos olhos com a perspetiva de rever aquela maravilhosa família.

No dia marcado lá abalei eu, mais nervoso do que quando embarquei para a Guiné.

Chegado ao local marcado na carta do Tomé: o mercado municipal, avistei, ainda dentro do carro, um grupo de idosos, não reconhecendo ninguém comentei com a minha mulher e o meu filho Ricardo: "De maneira nenhuma este grupo de idosos (já mais para lá do que para cá), é o pessoal da minha companhia"...

Abri a janela do carro e perguntei a uma pessoa que passava se aquele edifício, onde estavam os idosos, era o mercado municipal, confirmando que sim. Vai daí telefonei ao Tomé a saber se o grupo já tinha abalado para a igreja. Informa-me que não e que todo o pessoal ainda se encontrava junto ao mercado. 

Entretanto, o meu filho Ricardo, que tinha visto comigo, nos dias anteriores, as fotografias da Guiné que tinham escapado ao caixote do lixo em Lisboa, identificou o Afonso. Afinal, aquele grupo de idosos eram os temidos Tigres do Cumbijã

Tal como na Guiné, mantive o hábito de não me ver ao espelho!!!

(Continua)

3. Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público.

Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.

Os pedidos devem ser feitos para o e-mail:


indicando o endereço postal.



____________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 1 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22954: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIII: Velhice vai no Bissau, Ó-lé-lé...lé-lé...

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, uma grande "aventura", ir à guerra e voltar. Para mais a uns milhares de quilómetros de casa... Só não gostei dessa cena de teres deitado fora as tuas fotos... Deve ter sido no Depósito Geral de Adidos, na Ajudá... E percebo inteiramente a tua ânsia de chegar a casa, mas abraçando e sendo abraçado primeiro pela cidade do Porto. É um hino de amor ao Porto, o que escreves.

Quanto ao teu primeiro convívio, já tardio, vinte e tal anos depois... Muitos de nós experimentámos isso, essa relação de amor-ódio com a tropa e a guerra e a Guiné...As há uma altura em que temos de "fazer as pazes"... E o teu livro é isso... Abraço. Luís.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, parece que deu a "amnésia" ao pessoal, já ninguém se lembra de ter regressado de Alcácer Quibir, quero eu dizer, da Guiné... Ninguém comenta, nem os de Lisboa, nem os do Porto...LG

Hélder Valério disse...

Joaquim

De uma forma muito abreviada também te digo que o meu regresso não foi antecipadamente comunicado a familiares e amigos.
Vim no dia 10 de Novembro de 1972, cheguei a "Figo Maduro" cerca das 18:00 (mais coisa, menos coisa), já era lusco-fusco, mesmo noite, e num táxi dum outro camarada que ia para Torres Novas aproveitei a boleia e fiquei na Bobadela (a seguir a Sacavém) onde cheguei mesmo a tempo de, ao sair do táxi, interpelar a minha mulher (já era casado desde Abril) que se preparava para apanhar a camioneta para Santa Iria da Azóia onde iria dar umas aulas num colégio de lá.
Não tenho memória se fiquei por lá nessa noite ou se ainda fui depois a Vila Franca ter com os meus pais, irmã e amigos, ou se isso foi só no dia seguinte.
Recordo, isso sim, que tudo me parecia distante e estranho.

Abraço
Hélder Sousa

Carlos Vinhal disse...

No P3018 de 2008, escrevi a propósito dos primeiros momentos na cidade do Porto, acabadinho de chegar da Guiné:
"Finalmente na santa terrinha
Respirei fundo. Que estranho, as pessoas andavam nas suas vidas completamente descontraídas, as mulheres eram todas tão bonitas. Eu ainda fardado, olhar estranho, mirando tudo e todos, sorvendo sofregamente aqueles momentos, exibia na manga do blusão um dístico com a palavra Guiné e por cima do bolso esquerdo a Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné, mas ninguém reparava em mim. Apetecia-me gritar:- Vejam, sou eu, acabo de chegar da Guiné. - Que se danem".

Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Fernando Ribeiro disse...

Afinal não fui só eu que me desfiz de tudo o que me fizesse recordar a guerra (no meu caso pessoal, em Angola), deitando fora ou destruindo os objetos e as fotografias que direta ou indiretamente estivessem relacionados com ela. Só trouxe comigo duas cassetes com gravações que fiz pessoalmente, e que escaparam por estarem misturadas com as restantes, e quatro fotografias, que se esconderam de mim não sei como. Agora lamento ter feito essa destruição, mas não lamento tê-lo feito nas circunstâncias em que o fiz. Eu quis reatar o fio da minha vida, subitamente cortado por uma estúpida guerra travada a milhares e milhares de quilómetros de casa. Sem esses objetos, fiquei sem nada que me fizesse recordar a minha participação nessa guerra, tão absurda. Só assim consegui retomar alguma normalidade, regressar aos bancos da faculdade e concluir o meu curso.

Anónimo disse...

O livro do Joaquim Costa é uma preciosidade, a julgar pelos excertos que dele já li. Tocam-me, como não podia deixar de ser, os cenários de sofrimento em Cumbidjã, onde a sua companhia penou durante intermináveis meses. Eu assisti de longe (de perto) ao suplício daqueles rapazes de vinte e poucos anos. O seu livro não me traz coisas estranhas, nem nada de novo, no sentido em retrata situações ocorridas muito perto de Mampatá, mas estou certo que me devolverá a alma ao pó e à lama, aos silvos e estrondos de projécteis prenunciadores de sangue e morte. Estarei na cerimónia de apresentação com o maior gosto, para receber das mãos do Joaquim um livro que, além do mais, pelo seu rigor e objectividade constituirá uma preciosa fonte documental sobre a guerra da Guiné.
Um abraço grande para o Joaquim, para o Luís e para todos os combatentes.
Carvalho de Mampatá

José Emídio Marques disse...

Assim mesmo parece que foi um síndroma que atingiu todos os ex -combatentes.
Da Guiné, depois de lá ter regressado, não gostava de falar nem de ver algumas fotografias que tinha trazido comigo.
Agora passados estes anos todos gosto de recordar algumas peripécias. Principalmente as mais agradáveis, que não são muitas.
Parabéns ao camarada Joaquim Costa pela publicação do seu livro.
Eu quando escrevia cartas para a minha família não narrava nada do que se passava.
Tinha medo que a Pide interceptasse e me viesse a punir.
Para que a terra não esqueça! Bom que existam estes registos.
Um abraço.
José Emídio Marques