O próprio Com-Chefe e Governador-Geral do CTIG, António Spínola, brigadeiro e depois general, entre 1968 e 1973, alimentou o bom e o mau hunor das nossas casernas...
Caco Baldé ou simplesmente Caco era alcunha mais popular do Gen Spínola. Mas também era tratado por Homem Grande de Bissau, O Velho. O Bispo...
Origem da alcunha: vem de caco, monóculo, mais Baldé, apelido frequente entre os fulas. O historiador Luís Nuno Rodrigues escreveu a sua biografia (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010; a foto ao lado é retirada da capa do livro, com a devida vénia...)
Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo... E o Gen Spínola foi tudo isto, durante a guerra colonial e depois do 25 de Abril (e até chegou a Marechal, que a democracia é como o sol quando nasce é para todos, e tem uma esponja grande para limpar as nódos do camuflado)....
2. Havia, por parte da maioria da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era verdadeiramente adorado, como ele gostava de o ser (ou de ter sido), por todos os seus subordinados, os metropolitanos e os do recrutamemto local, a par dos seus queridos "guinéus", do Cacheu ao Cacine.
De um modo geral, as praças respeitavam-no e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo ("avant la lettre"), o seu carisma, a sua "mise em scène", o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, enfim, a sua demagogia também, a sua voz de "ventríloquo"... Era uma figura militar a quem ninguém podia ficar indiferente.
O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era amado por muito boa gente, mas também temido, sobretudo por muitos oficiais superiores, nomeadamente a nível de batalhão (desde que não fossem da mesma arma do general, que era a cavalaria, diziam as más línguas).
Dizia-se também que os fulas e os manjacos (as duas etnias mais "leais" às autoridades portuguesas) o tratavam, com respeito e deferência, como o "homem grande de Bissau". Penso até que o admiravam muito, nomeadamente as hierarquias daquelas duas comunidades étnicas.
Não havia sondagens naquele tempo, nem nunca foi feito nenhum plebiscito. Em suma, era difícil de avaliar a popularidade de Spínola com números na mão. Tudo o que se possa escrever é baseado na percepção e observação daqueles de nós que estivemos no TO da Guiné no seu tempo. Mas quem, de nós, pode dizer verdadeiramente que o conheceu? Teríamos que ter o testemunho daqueles.
Fica aqui o apelo para refrescarmos as nossas memórias. O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo, bem as núvens negras que atingem nesta altura a Europa e o resto do Mundo...
Começamos por republicar aqui, uma história que nos foi enviada em 1 de outubro de 2008, pelo Rogério Ferreira, natural de Santarém, ex-fur mil at inf, Minas e Armadilhas, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71) (Foto à esquerda).
3. Anedotário da Spinolândia (1):
Começamos por republicar aqui, uma história que nos foi enviada em 1 de outubro de 2008, pelo Rogério Ferreira, natural de Santarém, ex-fur mil at inf, Minas e Armadilhas, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71) (Foto à esquerda).
3. Anedotário da Spinolândia (1):
Sabes o que é um lapso, rapaz ?
Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e, alguns dias após o Natal de 70, tivemos a visita do heli.
Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer segurança, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.
Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
− Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.
E virando-se para um dos nossos soldados, o J. J. − natural da Torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora − disse:
− Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
− Sei, sim, meu general, é uma coisa para escrever.
Grande risota geral, até do general.
Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer segurança, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.
Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
− Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.
E virando-se para um dos nossos soldados, o J. J. − natural da Torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora − disse:
− Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
− Sei, sim, meu general, é uma coisa para escrever.
Grande risota geral, até do general.
Rogério Ferreira
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 18 de niovembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)
5 comentários:
Não estando de acordo com algumas das opções editoriais deste Blogue, e apesar da minha função de coeditor, como leitor acho que devo emitir aqui as minhas opiniões.
Continuamos a dizer que em certas situações devemos proteger as pessoas, omitindo nomes e outros elementos identificativos.
No caso deste poste da série "Humor de caserna", subsérie "O anedotário da Spinolândia", começo logo por discordar do subtítulo. Salvo melhor opinião, e aceito o contraditório, acho que o senhor Marechal Spínola foi uma personagem demasiado importante para a Guiné e para Portugal, para ter na nossa página um "anedotário". Noto que de Humor de caserna, baixamos para anedotário.
Depois, quiçá o mais importante, no texto vem identificado com todas as letras o protagonista da anedota com o nome, o local de origem e até o pormenor do que faz hoje e onde. O erro começou logo no autor do texto, o camarada Rogério Ferreira, que devia ter evitado a identificação do referido militar, por sua vez o editor não se apercebeu de que aqui podia exercer a sua opção de omitir esses elementos.
É que, partindo do princípio que todos os naturais daquela terra não sabiam o que era um lapso, em contrapartida teriam qualidades bem mais importantes como as do trabalho e honradez, por exemplo. Por seu lado, o camarada "ignorante" merece da nossa parte a maior consideração, estima e amizade, independentemente do seu estatuto social, formação académica e conta bancária.
As opiniões valem o que valem, esta minha poderá não valer nada.
Carlos Vinhal
Leitor e coeditor
Leça da Palmeira
Caro Rogério Ferreira
Com que então por Paúnca, Paiama, Sinchã Abdulai, por pouco não nos encontrávamos.
Eu conheci muito bem essas tabancas, e quer dizer que te encontraste com a rapaziada da minha CART11 Os Lacraus. Nós, os metropolitanos da Companhia, começamos a ser rendidos nos inícios de Dez/70 e viemos para Bissau 15 de Dezembro.
Não me recordo perfeitamente, mas julgo que no meu tempo só havia tropa em Paúnca e no destacamento de Guiro Iero Bocari.
Guiro Iero Bocari inesquecível.
Atira-nos com mais umas do anedotário da spinolândia, ou outras que ficaram gravadas na nossa memória nos momentos que passamos na guerra da Guiné.
Concordo, em parte, com o Carlos Vinhal. Não devemos identificar concretamente em caso de poder aleijar suscetibilidades, mas seja quem for a figura histórica haveá sempre momentos para anedotas das mesmas. E quem nos diz que a resposta do lapso não seria a gozar com sua excelência?
p.ex. como aquela do doente não querer ser atendido pelo médico africano, com um 'como é que você chegou aqui?' (aqui=a ser médico) respondendo o médico 'aproveitei a trepadeira e entrei pela janela'.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
O Spinola já tem um lugar na história. Contar anedotas sobre os nossos "maiores" pode ser uma forma de honrar a sua memória. Contamos anedotas sobre reis, rainhas, presidentes, políticos, santos, cardeais, etc. Rir é próprio do ser humano. Mas dizem que as hienas também riem... No nosso blogue não há hienas. Anedotário não é bestiário... Quanto ao nosso camarada que ouviu mal a palavra do Spinola e trocou lapis por lapso, passa a ser simplesmente o J. J. Espero que esteja vivo e bem de saúde. Luis Graça.
Caro Luís, só um pequemo pormenor, os nossos reis, rainhas, santos, cardeais, etc, já não estão cá, assim como os seus filhos e netos, a testemunhar as anedotas que alguns contam sobre eles. Mantenhamos o humor, nunca a anedota mais ou menos depreciativa.
Carlos Vinhal
Coeditor e leitor
O "anedotário" é uma coleção de anedotas... Sempre as houve em todas as épocas e regimes políticos, e ninguém escapou ou escapa de uma boa anedota, do Churchil ao Napoleão, do Papa ao Rei... Nem Jesus Cristo. (Espero que ninguém puxe da G3 por causa desta "boutade"...)
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anedota
anedota | n. f.
a·ne·do·ta |ó|
(francês anecdote)
nome feminino
1. Breve narração de caso verídico pouco conhecido.
2. Pequena narração ou dito que provoca ou pretende provocar o riso. = CHISTE, PIADA
3. [Depreciativo] Pessoa que, pelos ditos ou pelas atitudes, provoca riso ou é motivo de troça.
"anedota", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/anedota [consultado em 20-04-2022].
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