D. Pedro, Duque de Coimbra
Na consulta, em suporte digital, do livro Memória das Medalhas e Condecorações Portuguesas a das Estrangeiras com relação a Portugal, de Manuel Bernardo Lopes Fernandes, sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa, e composto na tipografia da mesma Academia, em 1861, consta logo no início, na página 4, uma referência ao achamento, junto da ribeira de Alfarrobeira, entre a vila de Alverca e Alhandra, de uma medalha em ouro. Corria o ano de 1819.
Sobre a forma de como teve conhecimento do facto, o autor do livro acima, refere que «Temos visto em poder de vários curiosos a notícia manuscrita e circunstanciada de uma medalha do Senhor Infante D. Pedro Duque de Coimbra, e Regente de Portugal na menoridade de seu sobrinho El-rei o Senhor D. Afonso V …».
É pois, sobre esta figura de D. Pedro, que vamos desenvolver o presente texto, mas onde, seu meio-irmão D. Afonso de Bragança, também tem lugar. Curiosamente há factos que, directa ou indirectamente, liga estes dois irmãos, mas não só e por iniciativas próprias, ao território de Loures e Odivelas.
Vejamos a ascendência e cronologia, destas duas figuras: Pedro e Afonso.
João (1357 – 1433), filho bastardo de D. Pedro I e de Teresa Lourenço (dama galega) ou uma filha de Vasco Lourenço Praça (mercador de Lisboa), foi educado por um Mestre da Ordem de Cristo e, com seis anos, em 1364, foi armado cavaleiro e consagrado Mestre da Ordem de Avis, por seu pai.
Passou a ser intitulado por D. João, Mestre de Avis e, nesta qualidade e no último quartel do século XIV, teve uma ligação amorosa com Inês Pires, de que nasceram três filhos:
• Afonso (10 de Agosto de 1377 – 151 de Dezembro de 1461), que segue;
• Branca (1378 – 1379, que morreu antes de completar um ano; e
• Beatriz (cerca de 1382 – 1439), que casou com Thomas FitzAlan, 12.º Conde de Arundel, nobre inglês.
D. João I, "Pela Graça de Deus, D. João, Rei de Portugal e do Algarve" casou, a 2 de Fevereiro de 1387, com D. Filipa de Lencastre, inglesa, filha de João de Gante, que veio a fortalecer a aliança Luso-Britânica. Desse casamento nasceram oito filhos:
• Branca (1388 – 1389); e
• Afonso (1390 – 1400), que morreram na infância;
• Duarte (1391 – 1438), sucessor do pai no trono português;
• Pedro (9 de Dezembro de 1392 – 20 de Maio de 1449), foi Duque de Coimbra e figura central deste texto, que segue;
• Henrique (1394 – 1460), conhecido como o Navegador;
• Isabel (1397 – 1471), que casou com Filipe III, Duque de Borgonha;
• Branca (1398 – depois 1401), segunda do nome e sem mais notícia;
• João (1400 – 1442), que foi Condestável de Portugal; e
• Fernando (1402 – 1443), conhecido como o Infante Santo.
Afonso, filho bastardo de D. João Mestre de Avis e Inês Pires, que foi levada para o Convento de Santos antes do filho nascer, só foi reconhecido por seu pai, já quando tinha cerca de 24 anos. Já no final de 1401, em Frielas no dia 1 de Novembro, casa com D. Brites ou D. Beatriz Pereira de Alvim (1380 – 1414), condessa de Barcelos e condessa de Arraiolos, filha de D. Nuno Álvares Pereira e de Leonor de Alvim. O rei também concede a Afonso o título de Conde de Neiva.
D. Afonso, não era muito presente na cena pública. Era mais fácil encontra-lo nos “bastidores” da corte.
Sobre Pedro, que viria a ser Duque de Coimbra consta, na “Crónica de D. Afonso V”, do cronista Rui de Pina (1440 – 1522)): «foi bem latinado e assaz místico em ciências e doutrinas de letras, e dado muito ao estudo, ele tirou do latim em linguagem o Regimento dos Príncipes, que frei Gil Correia de Campos, e assim tirou o livro dos ofícios de Túlio, e Vigécio de Ré Militari, e compôs o livro que se diz da Venturosa Benfeitoria com uma confissão a qualquer cristão mui proveitosa». Homem culto e letrado adquiriu o livro de Marco Polo em Veneza, durante uma longa viagem pela Europa, que ofereceu a seu irmão Henrique.
A 1 de Outubro de 1408 o seu pai, o rei D. João I, doa-lhe a vila de Penela.
O ano de 1415 foi marcante, pois estava a ser organizada a expedição a Ceuta, que marcaria a expansão portuguesa para além da Europa. D. Pedro, com 23 anos, colabora na organização, sendo-lhe atribuída a missão de recrutar gente nas terras da Estremadura, Alentejo e Algarve.
Nesse ano, e desde o início do mesmo, que grassava em Lisboa e no Porto a “peste bubónica”. Foi aconselhado que os reis de ausentassem de Lisboa, indo para Sacavém mas, os longos e frequentes jejuns, orações e vigílias da rainha enfraqueciam e debilitavam o seu corpo, pelo que foi decidido que devia recolher-se no Mosteiro de Odivelas, onde teria mais e melhor acompanhamento.
Os filhos, sempre que os afazeres da preparação da expedição a Ceuta o permitiam, dirigiam-se ao mosteiro, para se encontrarem com a mãe que, num dia que sentiu que o seu fim estava próximo, chamou os filhos um a um, para lhes fazer as suas recomendações. Sobre D. Pedro, escreve Gomes Eanes de Zurara (c.1410 – c.1474: «…E depois tomou a outra espada e chamou o Iffante Dom Pedro e disse-lhe: Meu filho, porque des o tempo da vossa mininice vos vi muito chegado aa honra e serviço das donas e donzellas, que he huna cousa especiallmente deve ser emcomendada aos cavalleiros, e porque o vosso irmãao emcomendei os povoos, emcomendo ellas a vos, as quaaes vos rrogo que sempre ajaaes em vossa emcomenda. E elle lhe respomdeo que lhe prazia muito, e que assy o faria sem nehuna duvida. E emtom sse assentou em joelhos e lhe beyjou a mãao. E ella lhe disse que lhe rrogava fosse com ella cavalleiro, dizemdo-lhe muitas outras rrezõoes, como dissera ao Iffante Duarte, e sobre todo lhe lançou sua beemçam.» (in “50 anos de Patronos – Academia Militar – 2004 – pág. 472).
Com a presença do marido e dos filhos, D. Filipa de Lencastre morre em 19 de Julho de 1415 (55 anos), no Mosteiro de Odivelas e, após as cerimónias fúnebres, foi sepultada no antecoro da igreja, até ser trasladada para o Mosteiro da Batalha.
A 25 de Julho seguinte, a frota constituída por mais de 200 embarcações – galés, naus e outras de pequeno porte – comandada pelo próprio rei, que se fez acompanhar de todos os filhos homens e de outros fidalgos, além de 7.500 cavaleiros, 500 besteiros e 21.000 soldados apeados, fazendo escala em Lagos e Tavira, chegam à vista de Ceuta a 21 de Agosto desembarcando sem resistência por parte dos mouros, sendo tomada no dia seguinte.
Tomada a cidade, foram retirados os símbolos muçulmanos da mesquita, sendo esta sagrada como igreja católica. Foi nessa antiga mesquita que os irmãos Duarte, Pedro e Henrique, assim como o meio-irmão Afonso, foram armados cavaleiros.
De regresso ao reino, recebeu em Tavira o título de Duque de Coimbra e, a 18 de Fevereiro de 1416, assim como os senhorios das localidades de Montemor-o-Velho, Aveiro, Tentúgal, Cernache, Ferreira e Condeixa e, no decurso das cortes de Estremoz, recebe a alcaidaria da mesma cidade.
Entre 1425 e 1428, o “príncipe das sete partidas”, como ficou conhecido, inicia uma viagem que o levará à Terra Santa e à Ásia. Regressa à Europa onde vai conhecer os grandes centros políticos, económicos e culturais da época. Passa pela Hungria e, ao lado do rei Sigismundo combate os Turcos e os Hussitas, recebendo o ducado de Treviso como recompensa. Visita Barcelona, Veneza, Pádua, Ferrara, Roma, onde é recebido pelo papa Martinho V, assim como a Flandres e a Inglaterra, onde é agraciado com a Ordem da Jarreteira, a 22 de Abril de 1427.
Ainda no ano de 1428, desloca-se a Castela, para organizar o seu casamento com D. Isabel, de Urgel.
Alguns historiadores defendem que estas viagens foram empreendidas principalmente por motivos diplomáticos, resultando de algumas delas uma intensificação formal das relações marítimas com Antuérpia, Bruges e Southampton. No regresso ao reino, especialmente ao seu ducado de Coimbra, dedicou-se ao estudo, impulsionando a tradução de várias obras para a língua materna. Traduz o livro da Virtuosa Benfeitoria. Homem interessado nos negócios políticos do reino, sugeriu ao rei D. Duarte um programa de administração pública para o reino de Portugal.
Casou em 1429 com D. Isabel de Urgel, filha de Jaime II, duque Urgel da casa de Aragão, com quem terá seis filhos:
• D. Pedro (1429-1466), condestável e escritor de mérito e ainda Conde de Barcelona;
• D. Isabel (1432-1455), rainha de Portugal, pelo casamento com o primo D. Afonso V;
• D. Jaime (1434-1459), bispo de Arras, Cardeal Diácono e Arcebispo de Lisboa desde 1456, até à sua morte;
• D. João (1435-1457), casou com Carlota de Lusignan, Princesa de Chipre, tornando-se então Príncipe (titular) de Antioquia, sendo regente do Reino de Chipre;
• D. Beatriz (1435-1462), casou com Adolfo de Cleves, senhor de Ravenstein (Holanda);
• D. Filipa (1437-1497), infanta de Portugal, entrou para o Convento de Odivelas, como recolhida.
Em 1436, por sugestão de D. Fernando e D. Henrique, o rei D. Duarte convoca cortes em Évora, para aprovar novos impostos, para custear a expedição que tentaria conquistar Tânger, que conseguiu, apesar da oposição dos representantes dos concelhos. Os irmãos D. Pedro, D. João e D. Afonso, que não tinham sido convocados para as cortes de Évora, reagem negativamente.
D. Duarte convoca para Agosto de 1436 cortes para Leiria, para voltar a discutir o assunto. D. Pedro justifica a sua oposição por o país não dispor de recursos humanos e financeiros para tal expedição. E acrescentou que poderíamos ter as praças-fortes no Norte de África, mas não teríamos os campos e, sem estes, havia perigo mas pouco proveito. Mas a decisão foi seguir em frente com a empresa.
No mês de Agosto de 1437, parte a expedição comandada por D. Henrique e D. Fernando, fazendo cerco a Tânger entre 13 de Setembro e 19 de Outubro de 1437, mas o desastre foi total. Para que pudessem regressar, ao país, as forças sobreviventes, ficou cativo o Infante D. Fernando, até que Portugal restituísse a Praça de Ceuta.
O rei D. Duarte convoca as Cortes de Leiria em 1438, para tomar decisão quanto à libertação de D. Fernando. Houve divisão nas opiniões, quanto à entrega de Ceuta. D. Pedro, mais uma vez se manifestou pela entrega de Ceuta para resgatar D. Fernando, mas não foram tomadas decisões, pelo que o Infante Santo acabou por morrer em Fez, para onde foi levado.
D. Duarte morre a 9 de Setembro de 1438. Dada a rivalidade entre D. Leonor, rainha viúva e a cunhada D. Isabel, mulher de D. Pedro, a rainha insinuou que este pretendia aceder ao trono de Portugal.
Aberto o testamento mandado lavrar por D. Duarte, este dispõe que sua mulher D. Leonor de Aragão, sem auxílio de qualquer outra pessoa, seja sua testamenteira, tutora e curadora dos órfãos e regente do reino.
Reunido o Conselho, este decide que a regência deveria ser partilhada pelos infantes D. Pedro, D. Henrique e D. João, porque temia que a guerra entre Aragão e Castela pusesse em causa a independência do reino. Se esta decisão abalou a rainha, ofendeu D. Afonso, Duque de Bragança, que se via mais uma vez afastado do poder, pois pretendia estar perto deste, já que foi sempre afastado pelo pai e pelo meio irmão. A rainha aceita a decisão, aguardando a confirmação pelas cortes que se realizariam em Torres Novas, ainda nesse ano.
Para acabar com as intrigas da rainha, D. Pedro providencia a aclamação de D. Afonso como rei, sendo o quinto desse nome, assim como D. Fernando, segundo filho de D. Duarte, fosse jurado príncipe e herdeiro do trono, de que foi lavrado o respectivo auto. D. Leonor aceitou que, de acordo com o desejo de seu marido, se viesse a realizar o casamento de D. Afonso V, com sua prima Isabel, filha de D. Pedro, que se viria a realizar em 1447.
Nomeado nas Cortes de Lisboa em 01 de Novembro de 1438, D. Pedro governou na menoridade de D. Afonso V durante cerca de dez anos.
Em Lisboa, surgem boatos relativos ao risco de invasão estrangeira, por parte dos apoiantes de D. Leonor. A Câmara de Lisboa, propõe a atribuição da regência apenas ao infante D. Pedro.
Lisboa agita-se contra a regência de D. Leonor, pelo que o Infante D. Pedro se desloca à cidade para assumir a regência do reino. Esta posição foi confirmada nas Cortes de Lisboa em 10 de Dezembro de 1439. Decidiu-se também que a educação do rei passava para a responsabilidade dos tios, D. Pedro e D. Henrique.
No ano de 1440, a rainha D. Leonor retirou-se para Sintra, abandonando os filhos no Tojal (Loures), não havendo indicação do local onde ficaram, aguardando que os seus partidários viessem defendê-la. Como ninguém acorreu em seu auxílio, resolveu ir para Castela, onde viria a morrer, em Toledo a 19 de Fevereiro de 1445. Ainda assim, o infante D. Pedro inicia a defesa militar do território e inicia acção diplomática, como medidas para suster uma eventual invasão castelhana.
Nas Cortes de Évora de 1442, é decidido o afastamento definitivo do poder da rainha D. Leonor, ficando o infante D. Pedro a ocupar sozinho a regência.
A 30 de Dezembro de 1442, Afonso, o filho bastardo de D. João I, foi feito Duque de Bragança pelo regente D. Pedro, numa tentativa de acalmar e pacificar o ambiente de intriga, entre os membros da corte. O primitivo património dos Bragança formou-se com os bens e as terras com que D. Nuno Álvares Pereira, na qualidade de 7.° Conde de Barcelos, dotara a filha, D. Beatriz.
Quis D. Pedro instituir uma capela dedicada à memória de sua mãe, a rainha D. Filipa de Lencastre, exactamente no mosteiro onde sua mãe morreu e esteve enterrada, até ser trasladada para o Panteão do Mosteiro da Batalha.
Instituir não obriga, necessariamente, a construir. A capela ocupou o espaço adjacente ao altar lateral esquerdo, onde se encontra o túmulo de D. Dinis, cujos restos mortais e pertences encontrados junto ao mesmo, nomeadamente a espada, estão a ser objecto de estudo. A capela, dedicada a D. Filipa de Lencastre, a que se acedia por porta existente junto do túmulo referido, tinha missa diária, a que ficariam obrigados os Priores dos Religiosos que nela assistiam, foi custeada a expensas de D. Pedro.
A “Capela de D. Filipa” ficava no módulo junto ao claustro.
Algumas medidas tomadas pelo regente D. Pedro: as “Ordenações Afonsinas”, cuja ideia inicial era do tempo de D. João I, e que D. Pedro encarregou Rui Fernandes e João Mendes, que reúnem em cinco volumes as leis do reino, dispersa por cartas, decretos, alvarás e regimentos, constituindo desta forma, o primeiro código de leis, vindo a alicerçar o poder da monarquia; protege a Universidade, dotando-a de rendas próprias; protegeu a actividade dos camponeses e mercadores; na política externa, patrocinou as rotas marítimas e comerciais empreendidas ao longo da costa africana, desviando as atenções militares do norte de África.
Com a aclamação de D. Afonso V em 15 de Janeiro de 1446, data em que completa catorze anos, este decide manter o voto de confiança no seu tio D. Pedro nas Cortes de Lisboa, continuando este a assumir a administração do reino. No entanto, a 11 de Julho de 1448, o rei ao assumir o poder destitui D. Pedro de todos os cargos. O lugar deixado “vago” é preenchido, de certa forma, com a presença mais assídua de D. Afonso, Duque de Bragança, na corte adensa-se o clima de tensão entre sobrinho e tio e, em carta de 15 de Setembro de 1448, o rei condena os actos políticos da sua regência e ordena que as doações efectuadas lhe sejam apresentadas, para confirmação. Impõe que seu tio, e ex-regente, D. Pedro a obrigação de se manter nas suas terras de Coimbra, e a não sair delas sob qualquer pretexto.
Chama à Corte o seu tio D. Afonso de Bragança que, para atalhar caminho, quer atravessar as terras do seu meio-irmão que se lhe opõe. O Duque de Bragança tem cartas do rei para atravessar o Ducado de Coimbra, mas o Duque impõe-se, uma vez que o duque de Bragança vem acompanhado de uma força armada, entre 1600 a 1700 homens.
No ano seguinte, o rei solicita a D. Pedro, Duque de Coimbra, a devolução das armas que tem nos seus domínios de Coimbra, restando a D. Pedro partir para a beligerância.
Vamos seguir o trajecto das forças de D. Pedro, que sai de Coimbra em 5 de Maio de 1449, com uma hoste constituída por cerca de um milhar de cavaleiros, cinco mil peões, artilharia e carros de transporte, que saem de Coimbra e rumam a Condeixa, Pombal e Leiria, onde se lhe jantam mais homens. Daqui segue para a Batalha onde, depois de ter forçada a entrada, no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, pelo encarregado das obras, se vai prostrar diante do túmulo de seus pais, seguindo para o Mosteiro de Alcobaça, não sem ser seguido e provocado por tropas reais.
Em 11, chega a Rio Maior onde acampa três dias. É aconselhado, de novo, a reconsiderar, mas prossegue o caminho em direcção a sul, chegando a 16 a Alcoentre, onde entra em escaramuças com as tropas reais. D. Afonso V, que se encontrava em Santarém, onde já tinham chegado a hoste real, com cerca de 30.000 homens em armas, marcha em direcção à hoste rebelde, tentando barrar-lhe o acesso a Lisboa para saber das intenções do ex-regente, ou provocar a batalha.
No dia 17 as tropas de D. Pedro estão em Castanheira do Ribatejo; em 18 estão em Alverca, onde assentam o arraial, tomando uma posição defensiva junto da ribeira de Alfarrobeira, nas imediações de Vialonga.
Os dois exércitos defrontam-se a 20 de Maio de 1449 em Alfarrobeira, D. Pedro morreu durante a refrega. Não se sabe, exactamente, quais as condições de que resultou a morte de D. Pedro, não estando excluída a hipótese de ter sido alvo de um ataque deliberado, escondendo um provável assassinato.
D. Jaime, terceiro filho de D. Pedro, tomou parte na batalha de Alfarrobeira. As forças do rei D. Afonso V aprisionam D. Jaime, mas este consegue fugir e, com os seus irmãos João e Beatriz, vão para a Flandres, onde são apoiados pela sua tia Isabel de Portugal, Duquesa da Borgonha.
São os populares que recolhem o corpo de D. Pedro do campo de batalha, três dias depois do combate. Foi sepultado, quase clandestinamente, na igreja de Alverca sem qualquer honra, sendo depois trasladado para Abrantes.
Túmulo do infante D. Pedro e de D.Isabel de Urgel
Foto: Begoña Farré Torras.
Pelos padrões da época, era uma afronta fazer baixar à terra o corpo do filho de um rei e ex-regente que, além de dispor na Capela do Fundador, do Mosteiro da Batalha, um túmulo a ele destinado, estar enterrado em campa rasa, pelo que se levantaram várias vozes para ser dada ao corpo de D. Pedro, uma sepultura condigna. D. Isabel Duquesa de Borgonha, irmã de D. Pedro e tia do rei; D. Isabel, filha de D. Pedro e rainha consorte de Portugal, além de muitos dignitários europeus, com quem D. Pedro tinha privado e que por ele nutriam grande estima, apresentaram veementes protestos junto da coroa de Portugal.
Perante tal situação, foi o corpo de D. Pedro, Duque de Coimbra, mandado trasladar para o Mosteiro da Trindade e, depois, para o Mosteiro de Santo Eloi, em Lisboa. Só em 1455, seis anos após a sua morte, foi depositado no Mosteiro da Batalha.
Após a batalha de Alfarrobeira, D. Afonso V concedeu a seu tio Afonso, o Duque de Bragança, outras importantíssimas mercês, e nove anos depois, quando partiu para África, deixou entregue ao duque o governo do reino na sua ausência.
D. Filipa, filha de D. Pedro, Duque de Coimbra e de D. Isabel de Urgel, nasceu em 11 de Fevereiro de 1437. Vivia na corte com sua família, mas a morte de seu pai, e o expurgo dos bens familiares, que se seguiu, obteve autorização do Papa Sisto IV para entrar no Convento de Odivelas em 1459, sem professar, onde viveu em casa própria vestindo sempre trajos seculares. Foi a educadora de D. Joana de Portugal (1452-1490), sua sobrinha, que consigo viveu entre 1459 e 1472, na sua casa no mosteiro. Quando D. Joana (Santa Joana Princesa, beatificada em 1693) se mudou para o convento de Aveiro, D. Filipa passou a morar nas instalações do convento. Morreu em 26 de Julho de 1497, sendo sepultada na sacristia da igreja do convento.
Voltemos à “medalha de D. Pedro”, afinal o mote deste texto, mas havia que recordar a vida de D. Pedro e, em especial, o local onde encontrou a morte.
Foi o seguinte texto, já referido no início, que me despertou a atenção, quando o autor escrevia:
«Temos visto em poder de vários curiosos a notícia manuscripta e circunstanciada de uma medalha do Senhor Infante D. Pedro Duque de Coimbra, e Regente de Portugal na menoridade de seu sobrinho ElRei o Senhor D. Affonso V, de ouro de vinte e dois quilates [¹], com o peso de 3 oitavas [²] e 30 grãos [³], achada no ano de 1819 junto à ribeira chamada de Alfarrobeira, entre a vila de Alverca e Alhandra.
Talvez fosse cunhada em 1428, para memória do seu casamento com D. Izabel filha de D. Jaime II, Conde de Urgel; mas não havendo outras provas da sua existência não podemos saber se será apócrifa, devendo-a com tudo descrever conforme a mesma notícia.»
E passo a descrever a medalha:
No anverso - UT PORTET NOMEM MEUM AD EXTERAS GENTES [Levar meu nome a nações estrangeiras] – Busto do Infante o Senhor D. Pedro, com gorra na cabeça guarnecida de folhas de azinheiro, e no pescoço um gorjal [⁴] de folhos.
No reverso - PETRUS PORT.INFANS ET IZABELA FILIA JAYMI COMIT URGELL [Infante Pedro de Portugal e Isabel filha de Jaime Conde de Urgel] – Escudo com as armas portuguesas à direita, e as de Aragão á esquerda, coroa de louros servindo de timbre, e umas balanças pendentes.
Obtivemos a equivalência para medidas de peso actuais, às que estão referidas no texto, concluindo que a medalha em ouro pesaria 12,25 gramas, sensivelmente o equivalente ao peso de uma moeda de 2 euros e outra de 0,05 euros, que somam 12,40 gramas [⁵]. Não sabemos qual a espessura e a medida da moeda.
Mas permanece o enigma: Como foi parar nos campos junto da ribeira de Alfarrobeira, e logo no local da batalha, a medalha?
Nem sequer coloco a hipótese de ter ficado no terreno, aquando da batalha travada em 1429. Teria estado “perdida” durante 387 anos. Além disso, não se ia para uma batalha, com uma moeda de ouro no bolso, quando ainda não se usava bolsos nos vestuários.
Dado o ano em que foi “achada”, ano de 1819, talvez possa ter alguma ligação com as Invasões dos Franceses e a Guerra Peninsular.
A Primeira Invasão decorreu entre o fim de 1807 e Setembro/Outubro de 1808. O exército enviado por Napoleão não trazia mantimentos. Todos os soldados deveriam ser alimentados pelo país invadido, e aos oficiais devia ser concedido alojamento e alimentação, além de vestuário adequado á sua posição.
A “soldadesca em roda-livre”, na cidade roubava o que lhes aparecia, que depois vendiam em proveito próprio; nos campos abatiam o gado, retirando apenas as peças de carne mais apetecíveis, e roubavam os cereais, que eram de mais fácil transporte.
Porém, cedo começaram a encontrar resistência, da população, pelos roubos praticados, havendo muitas vezes ataques aos grupos de soldados. É que acabados os cereais, roubaram as sementes para a safra seguinte.
Desde a saída das forças que executaram a primeira invasão, as terras abaixo das Linhas de Torres, não voltaram a ser pisadas pelo invasor, mas havia sempre a possibilidade do seu regresso, e voltarem as pilhagens.
Portanto, os bens materiais que foram salvos das pilhagens, por enterrados em locais recônditos, foram mantidos no seu “segredo” até à expulsão dos franceses, para além dos Pirinéus.
Foi o que aconteceu.
Decorria a Batalha de Toulouse, no dia 10 de Abril de 1814, quando é recebida a notícia da deposição de Napoleão Bonaparte e a sua ida para a ilha d’Elba. Era o fim da Guerra Peninsular. Finalmente as tropas portuguesas iam regressar á Pátria, iniciando as longas e penosas marchas, logo no dia seguinte. São quase quatro longos meses de marchas. Após sete anos em que os portugueses se viram envolvidos em guerras, que não desejavam, havia que retomar a paz que todos ambicionam. O Exército, instituição que recrutava a sua força nas populações, desmobilizou a maior parte dos seus recrutados, devolvendo-os á vida civil e á agricultura, tão sedenta de braços para cultivar a terra.
Pode dar-se o caso de, a moeda encontrada junto da ribeira de Alfarrobeira, ter pertencido a um desses “tesouros escondidos” e, aquando da sua recuperação, ter caído e a sua perda não ter sido detectada nesse momento e ter ficado por ali, até que o arado ou a enxada rasgassem de novo a terra para a sementeira, uma vez que foi com a ajuda da Inglaterra que houve de novo sementes para a agricultura, e a sua chegada não foi imediata assim que a Guerra Peninsular, fosse considerada finalizada.
Mas a questão mantêm-se: Como foi parar junta da ribeira de Alfarrobeira, um exemplar da moeda de D. Pedro e Isabel, que o duque mandara cunhar para memória do seu casamento, local onde o mesmo viria a encontrar a morte, mercê de mexericos palacianos?
Pode ser um mistério, ou mais um mistério, pois muitos outros devem ter havido mas, por certo, nunca será esclarecido.
Notas:
[¹] Ouro 22 quilates = 22/24 — 91,6% de ouro, também chamado de ouro 916.
[²] Oitavas = 3,5856 Gramas (no caso 10,7568 Gramas)
[³] Grãos = 49,8 mg = 0,0498 Gramas (no caso 1,494 Gramas)
[⁴] Renda ou pano de adorno do pescoço
[⁵] Agradeço a «Brilhos & Jóias, Benfica», a pesagem das moedas actualmente em uso corrente, que permitiu a comparação com o peso da moeda em causa.
José Marcelino Martins
Odivelas, 6 de Fevereiro de 2023
____________
Nota do editor
Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23500: Consultório Militar do José Martins (75): O Cartão do Antigo Combatente não dá direito a entrada gratuita em Museus na dependência de entidades particulares (José Martins)
2 comentários:
'Té qu'enfim José Martins que apareces, e puxando os galões de odivelense, com um tema muito interessante.
Mas sobre o D. Pedro, Duque de Coimbra, que fez parte da Ínclita Geração, como chamou Luís de Camões aos filhos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, mais haveria para contar.
Antes, convém dizer que o D. João I era rei de Portugal e dos Algarves e este seu filho D. Pedro, Duque de Coimbra, era considerado uns dos homens mais cultos da Europa.
Viajante por várias países, D. Pedro ficou conhecido "O Príncipe das Sete Partidas".
Ele é considerado o primeiro a escrever em prosa doutrinal em língua portuguesa, como também o criador da nossa própria língua.
Foi ele que escreveu em português a primeira vez poesia 'poesia é mais sabor do que saber'.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Esqueci-me
Deve-se a D. Pedro, o Príncipe das Sete Partidas, aparecer escrito pela primeira vez a palavra "português", em 1418-1420.
Valdemar Queiroz
Enviar um comentário