segunda-feira, 22 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24333: os nossos capelães (18): Ainda o caso do Arsénio Puim, CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio de 1970/maio de 1971): nova informação produzdia pelo jornalista António Marujo, "Sete Margens", 19/5/2023

 

Arsénio Chaves Puim, ex-alf graduado capelão,
CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio 1970 / maio 1971)

Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Todos os direitos reservados.
Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Cópia do Ofício nº 589/71- GAB, da Direção Geral de Segurança,  Delegação da Bissau, dirigida ao Director-Geral de Segurança, datado de  Bissau, 20 de maio de 1971, e assinado por A. H. Matos Rodrigues, inspector-adjunto.

 Fonte: Sete Margems. Cortesia de António Marujo: 

Sete Margens > António Marujo | 19 Mai 2023 >  O  capelão expulso por querer descalçar os dois sapatos à guerra






Fotocópia de uma das páginas do Diário do capelão Arsémio Puim, apreeendido pelas autoridades militares (comando do batalhão) e entregue à DGS - Direcção Geral de Segurança, delegação de Bissau.

Fonte: Sete Margems. Cortesia de António Marujo: 

Sete Margens > António Marujo | 19 Mai 2023 >  O  capelão expulso por querer descalçar os dois sapatos à guerra


Transcrição (revisão e fixação de texto: LG): 

"Bambadinca - 10/5/1971 (*)

Continuo a conversar com os "turras" presos. Tornei-me conhecido e amigo deles.

As mulheres disseram ao cipaio para me dizer que estão muito contentes comigo, porque eu sou amigo dos meninos. E à noite tornaram a dizer que vão pedir que Deus me dê tudo para a minha vida.

Respondi-lhes: "gatè" (obrigado, em balanta), ao que riram.

Sinto-me, porém, confuso. É que a minha actuação, não tendo nenhuma intenção de psico  militar, poderá precisamente ter as mesmas consequências, o que não me interessa.

As condições em que esta gente vive continuam a ser miseráveis: dormir no chão, sem condições de higiene, nem (..-)"


1.  Mais dois documentos para apreciação dos nossos leitores, respeitantes ao caso do nosso amigo e tabanqueiro Arsénio Puim, que no CTIG foi alf graduado capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio de 1970/maio de 1971).  São documentos que nos ajudam eventualmente a perceber melhor, senao as razões, pelo menos as circunstancias, da sua expulsão do CTIG ao fim de um ano de comissão dé serviço. 

Recentemente o jornalista António Marujo dedicou-lhe um extenso artigo, resultante de um trabalho de pesquisa, publicado na edição do semanário Expresso de 12 de maio de 1973 (*) e agora, com algumas correções, no jornal digital "Sete Margens" (19 de maio de 2023).

(...) É uma história conhecida de poucos: em 1971, houve um segundo capelão expulso do exército, depois do padre Mário de Oliveira. Além do então padre Arsénio Puim, que esteve um ano na Guiné, esta investigação permitiu ainda descobrir que pelo menos outros onze padres católicos se opuseram à Guerra Colonial e não quiseram ser capelães. Este texto foi publicado inicialmente na revista E do Expresso, do dia 12 de Maio de 2023. Em relação a essa versão inicial, foram corrigidos apenas dois pormenores, a partir de informações de Luís Graça. (...)

2. Dois comentários de LG (**)

(i) António Araújo escreveu na Revista do Expresso, edição de 12 de maio de 2023, a propósito do Arsénio Puim e dos prisioneiros de Bambadinca (que foram feitos na zona de Madina / Belel, sector L1, e não em Madina do Boé, sector L5, no decurso da Op TRiàngulo Veremelh), 4 e 5 de maio de 1971, como tive ocasião de esclarecer o jornalista) (***):

(...)“As pessoas ficaram ali vários dias, presas numa cerca ao ar livre” e da tabanca (aldeia) vizinha é que lhes levavam comida. “Eu também levava.” No diário, Puim registou as “condições miseráveis” em que o grupo estava, dormindo no chão e sem poder sair. “Ao fim de alguns dias, fui ter com o comandante, dizer-lhe que tinha de os mandar embora.” O sipaio traduzia-lhe a conversa das mulheres: estavam muito gratas pelo apoio que ele lhes dava, pela comida que lhes levava. A libertação, no dia seguinte ao pedido feito ao comandante, aumentou o sentimento e, antes de partirem, elas colocaram-se em fila para lhe agradecer, prometendo rezar pelo padre aos seus irãs, as divindades da sua etnia. (...)

Esta história foi depois tema da sua homilia dominical, de 9 de maio de 1971, na capela de Bambadinca, que era aberta a civis e militares...

18 de maio de 2023 às 19:20


(ii) Não sabemos se a intervenção do Puim junto dos prisioneiros e depois a homilia no domingo a seguir, foi apenas "a gota de água" que fez entornar o copo... Citando a mesma fonte, o jornalista António Araújo que leu os diários ou parte deles, do antigo capelão do BART 2917:


(...) Foi isto (a ordem de expulsão) no dia 17 de maio de 1971 — Puim fizera 35 anos dia 8 e estava a dias de completar, a 25, um ano na Guiné. Maio, maduro mês na sua vida, como se vê, de importantes colheitas. No seu processo militar, que hoje se pode consultar no Arquivo do Exército, consta apenas, nas “Ocorrências extraordinárias: Embarcou em Bissau de regresso à Metrópole, por não convir ao serviço do CTIG [Comando Territorial Independente da Guiné], em 21 de maio, desde quando deixa de contar 100% de aumento no tempo de serviço. Desembarcou em Lisboa em 22. Disponibilidade desde 19 maio 71.”

No arquivo da PIDE-DGS encontra-se o único documento que refere as causas da detenção: Puim “condenava a atividade das Nossas Tropas em defesa da integridade nacional” e “em relatórios que foram descobertos no seu quarto, descrevia-as, em pormenor, qualificando-as de crimes, torturas e massacres". (...)


18 de maio de 2023 às 19:37
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

(**) Último poste da série > 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23073: Os nossos capelães (17): José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), ainda no ativo como 
padre das Missões da Consolata

(***) Vd. poste de 8 de maio de2023 > Guiné 61/74 - P24325: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (5): Op Triângulo Vermelho, a três agrupamentos (CART 2715, CCAÇ 12 e CCP 123 / BCP 12), em 4 e 5 de maio de 1971: a captura de população civil que depois é levada para Bambadinca e cujo tratamento causa a piedade e provoca a indignação do alf grad capelão Arsénio Puim

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Era (e ainda é) uma pessoa querida entre o pessoal do batalhão. Em Bissau, en quanto aguardava o transporte aéreo para Lisboa
, um pequeno grupo de militares do batalhão que estava de passagem, fez-lhe um jantar de homenagem. O primeiro Brito,já falecido, também alinhou...

José Teixeira disse...

Pela leitura do "Expresso" pude verificar que o Puim esteve ligado a um grupo de padres do Porto que tinham preparado juntos a homilia do dia da paz. Entre eles estava o Carlos Borges de Pinho, o qual foi afastado da paróquia de Cedofeito no Porto e enviado para S. João de Ovar, perto da sua terra natal.
A maioriam, senão todos, foram mobilizados e fizeram o curso. Porém, quase todos conseguiram escapar; uns como objetores de consciência, outros por recusa direta, outros por deserção, como o Padre Pacheco. Este e o Padre Domingos Sá foram acusados de serem comunistas e ainda estão no ativo. Lembro o Serafim Ascenção, meu amigo, que ainda está no ativo, bem como o José Batista, atual pároco das Antas no Porto e o Padre Alves de Sousa que está em Cete - Paredes.
O Afonso Rocha foi mais tarde aconselhado pelo D. António a ir fazer umas férias pelo interior do país, enquanto o bispo tentava dar um jeito. Posteriormente abandonou o sacerdócio.
DE notar que os Bispos enviavam para as forças armadas, os padres que lhe estavam a complicar a vida, seja por dúvidas vocacionais, seja por situações amorosas Isto foi-me dito pelo Chefe dos Capelães, ex padre e já falecido Manuel Capitão.
Zé Teixeira
Zé Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Arsénio, tens que dar uma ajuda, tu ou o teu filho Miguel: Não consigo apanhar uma palavra (que é chave) nesta frase do teu diário:

(...) "Sinto-me, porém, confuso. É que a minha actuação, não tendo nenhuma intenção de brio (?) militar, poderá precisamente ter as mesmas consequências, o que não me interessa." (...)

Corrije o texto, por favor: "intenção de brio (?) militar" ... Brio ? Apreço ? Cariz ? Teor ? Crítica ? Juízo ?... O que é que escreveste ou querias escrever?...Não consigo decifrar...

E o que querias dizer a seguir: "poderá precisamente ter as mesmas consequências, o que não me interessa."

Em suma, tinhas receio que a tua manifestação de piedade humana e cristão provocada pela situação dos "turras" (sic)  presos (pobres mulheres e crianças contra quem alguns militares de Bambadinca se insurgiam, insultando-os inclusivamente), pudesse ser "mal interpretada" (pelos homens do comando do batalhão e demais militares) e se virasse contra ti... como viria a acontecer... uns dias depois.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Zé pela teu comentário, sempore oportuno, sábio e sensato.

Já em tempos tinhas referidoo o nome do Carlos Manuel Valente Borges de Pinho que, viemos depois a sabner, foi capelão apenas por 6 meses, de 16/3 a 16/9/1973, tendo pertencido à CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74).

Oxalá apareçam mais artyigos e depoimentos sobre os nossos capelães e, sobretudo, que apareçam mais capelães a dar a cara no nosso blogue, o mesmo é dizer, a exercer o dever e o direito à memória.

É bom recordar que, de acordo com o "livro de estilo da nossa Tabanca Grande, não estamos aqui para julgar ninguém, apenas para partilhar memórias (e afetos)"

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Miguel Puim, que vive em Lisboa e é economista, já me decifrou a palavra: "psico"... O pai Arsénio confirmou... Por SMS de hoje às 19:32, o Miguel esclareceu o seguinmte:

(...) É 'psico' militar... No caso, vir a ser entendido como uma manifestação da dita acçáo psicossocial spinolista, quando o que o movia era o humanismo e desacordo quanto à guerra, ao aprisionamento e suas condições". (...)

Agradeci ao Miguel, dizendo-lhe: "É isso mesmo, Miguel, sabia que a palavra começava por um 'p' e terminava em 'io' ou 'ico'... Mas nunca me ocorreu o raio da palavra "psico"...

E noutra mensagem:

"Não tens que agradecer o que fazemos pelo teu pai, e nosso camarada... Ele merece tudo"... Luís