1. A Suécia (membro da União Europeia, desde 1995 e hoje também nosso parceiro da NATO) foi um parceiro importante do PAIGC durante a guerra colonial, e em especial durante o período final (e decisivo) de 1969-74.
Foi o primeiro país ocidental a prestar ajuda não-militar, humanitária, aos movimentos nacionalistas que, em Angola, Guiné e Moçambique, lutavam pela independência dos seus países, respetivamente MPLA, PAIGC e FRELIMO. E quebrou com a doutrina (ocidental) de os classificar como movimentos "terroristas" e/ou "comunistas".
A ajuda oficial sueca, iniciada em 1969, não foi uma decisão unilateral do partido que estava então no poder, o social-democrata (dirigido por Olof Palm, 1927-1986), foi também compartilhada por outros partidos com representação parlamentar, como o partido Liberal e o partido do Centro, por exemplo.
A Suécia foi, além disso, um dos três maiores assistentes económicos do novo país lusófono, a Guiné-Bissau, desde a independência até ao ano económico de 1994/95.
Na sua série “Da Suécia com saudade”, o nosso amigo e camarada José Belo já aqui abordou, há uns anos, e ao longo de vários postes, esta ajuda ao PAIGC e depois à Guiné-Bissau:
(…) Com um início modesto em 1969, o governo sueco
acabaria por enviar para o PAIGC,
durante a guerra, um total de 53,5 milhöes de coroas suecas (ao valor
actual). [cerca de 5, 8 milhões de euros; 1 euro = 9,2761 SEK, à taxa de câmbio em 31/10/2014].
Assistência que, em crescendo rápido, acabou por vir a
financiar a maioria das atividades näo militares do PAIGC, salientando-se o
sector alimentar, transportes, educação e saúde.
A isto somavam-se vastos e constantes fornecimentos
para as chamadas "Lojas do Povo".
Posteriormente à independência, a Guiné-Bissau foi o único país da África
Ocidental a ser incluída nos denominados países programados para a distribuição
da assistência sueca ao desenvolvimento.
Com resultados muito díspares(!), a assistência total
à Guiné independente, durante o período de 1974/75-1994/95, foi de 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c.
269,5 milhões de euros], colocando então a Suécia entre os 3 maiores
assistentes económicos do país. (…) (*)
Alguns dos nossos leitores terão curiosidade em saber como é que um pequeno partido revolucionário (o PAIGC) de um pequeno país de África, a Guiné (então colónia portuguesa com cerca de meio milhão de habitantes) caiu nas boas graças dos suecos… Tor Sellström, num texto de 290 páginas, publicado em português, em 2008, conta-nos essa história, uma história que interessa, pelo menos, aos suecos, aos portugueses e aos guineenses... Vamos segui-lo, reproduzindo alguns excertos do seu livro e chamando igualmente a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, quando o autor não cita fontes independentes ou se limita a replicar a propaganda do PAIGC.
O texto, de 290 páginas, tem muitas, demasiadas, notas de pé de página, úteis (do ponto de vista documental) mas maçadoras, que o leitor poderá dispensar ou apenas ler na diagonal.. Em todo o caso, mantivemo-las. Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes da narrativa. O "bold" a vermelho são passagens controversas, que devem merecer um comentário crítico da nossa parte. Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.
Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).
Contamos com os comentários do nosso amigo e camarada José Belo, ex-cap inf ref, que vive na Suécia há mais de quatro décadas, e que poderá, com os seus comentários críticos e esclarecimentos adicionais, ajudar-nos a entender melhor este documento.
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Ficha ténica:
Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)
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Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte I
Excerto do índice (pág. 4)
O PAIGC da
Guiné-Bissau: Desbravar terreno |
Pág. |
As colónias
portuguesas no centro das atenções |
138 |
A luta de
libertação na Guiné-Bissau |
141 |
Primeiros
contactos |
144 |
Caminho para
o apoio oficial ao PAIGC |
147 |
Uma rutura
decisiva |
152 |
Necessidades
civis e respostas suecas |
154 |
Definição de
ajuda humanitária |
157 |
Amílcar
Cabral e a ajuda sueca |
161 |
A
independência e para além dela |
168 |
Prólogo (pp. 11-12)
Durante a guerra fria o mundo ocidental em geral considerava
os movimentos nacionais de libertação na Guiné-Bissau e na África Austral como ”terroristas”
e/ou ”comunistas”. A Suécia, que pertencia aos países não-alinhados constituiu
uma exceção, tendo sido seguida posteriormente pelos outros países nórdicos.
Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga
maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país do Ocidente a dar ajuda
oficial aos movimentos nacionalistas, os quais, depois de uma prolongada
luta armada contra o poder colonial português, o governo de minoria branca e o
apartheid, sairiam vencedores e tornar-se-iam os partidos no poder.
O presente volume sobre a Suécia e a luta de libertação em
Angola, Moçambique e Guiné-Bissau baseia-se no estudo do autor ”A Suécia e a
libertação nacional na África Austral”, publicado em dois volumes pelo Instituto
Nórdico de Estudos Africanos, respetivamente em 1999 e 2002.
A edição original em inglês contém longas exposições sobre o
Zimbabué, Namíbia e África do Sul, não incluídas nesta versão. A esta,
seguiu-se um volume com entrevistas a proeminentes políticos africanos e
suecos, formadores de opinião e funcionários públicos, intitulado ”Libertação
na África Austral: Vozes regionais e suecas”.
Depois da publicação da edição original inglesa houve quem
argumentasse a favor de uma tradução para português dos capítulos que
tratavam do surgimento de uma opinião sueca e da ajuda à luta de libertação de Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau. Muito embora com alguns anos de demora, é com
satisfação que agora posso ver essa obra realizada.
Como autor, é minha esperança que com este livro se dê a
conhecer as relações estreitas entre a Suécia e esses países e que essas
relações possam ser difundidas a um maior público quer em África quer na antiga
potência colonial, Portugal.
Dever-se-á aqui salientar, em primeiro lugar, que a minha
exposição tem como foco a ajuda oficial sueca, ou seja, o apoio dado pelo
governo sueco ao MPLA, à FRELIMO e ao PAIGC durante o período que decorreu entre
1969 e 1975. Em segundo lugar, que esta é uma obra constituída por extratos
retirados da edição original, mais abrangente, em dois volumes. Algumas
descrições contextuais, argumentações e comparações foram por isso excluídas.
Este volume não teria vindo a lume sem a ajuda de António
Lourenço, amigo e colega do Instituto Nórdico de Estudos Africanos em Uppsala,
cuja vida esteve relacionada de perto com o período histórico aqui discutido que,
embora curto, teve repercussões não só em África mas também em Portugal e na
Suécia. Mais do que ninguém, ele assumiu a responsabilidade pelo texto que a
seguir se apresenta.
Durban, Agosto de 2007
O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)
As colónias portuguesas no centro das atenções
(pp. 138-141)
A situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid,
dominou o debate na Suécia sobre a África Austral na primeira metade da década
de sessenta. Eduardo Mondlane, presidente da FRELIMO de Moçambique, na sua
segunda visita à Suécia realizada em setembro de 1965, criticou abertamente o
emergente movimento de solidariedade por, no seu entender, se concentrar quase
exclusivamente na África do Sul, dizendo que “é uma ilusão acreditar que o
problema da África do Sul nada tem a ver com o dos territórios portugueses de
Angola e Moçambique ou com a Rodésia do Sul, e que pode ser resolvido sem que
estes territórios sejam libertados. É desejável que o movimento na Suécia em
prol da África do Sul inclua também os territórios em questão” (1).
Muito devido às críticas de Mondlane, a situação mudou muito nos finais da década de
sessenta. No início de 1966 o Comité de Lund para a África do Sul decidiu, ”após muita ponderação”, que o seu boletim informativo, o Syd- och
Sydvästafrika passaria, doravante, a cobrir a situação ”nos outros países da
África Austral”. Explicava-se então que ”os seus problemas têm um vínculo claro
com a situação na África do Sul”. Marcava-se assim o início de uma cobertura
cada vez mais intensa das lutas de libertação nas colónias portuguesas,
deixando para segundo plano a situação na África do Sul e na Namíbia.
O êxito da campanha contra a participação da empresa
sueca ASEA no projeto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na
altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que o movimento se
ocupasse quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas (2).
Em junho de 1971, aquando de uma conferência dos primeiros
Grupos de África, oriundos de Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala,
decidiu-se ”concentrar a propaganda nas colónias portuguesas” (3).
No ano seguinte, o Södra Afrika Informationsbulletin (sucessor
do Syd- och Sydvästafrika), dirigido e publicado pelos Grupos de África, afirmava
como seu principal objetivo a divulgação ”de informação sobre a atualidade da
luta em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique; do desenrolar da situação em
Portugal; dos interesses suecos em Portugal e em África e do papel do
imperialismo dos EUA em África” (4).
Algumas
das principais editoras suecas publicaram na mesma altura livros dedicados à
questão das colónias portuguesas. Num estudo sobre as lutas de libertação na
África Austral, Gun-Britt Andersson dizia em 1973 que ”na Suécia tem sido
muitas vezes mais fácil obter informações sobre as colónias portuguesas do que
sobre a África do Sul” (5),
A alteração da situação na África do Sul foi a responsável
pela mudança de direção. O regime do apartheid tinha, na prática e de
facto, esmagado a oposição democrática no interior da África do Sul e os
movimentos de luta nacionalista da Namíbia e do Zimbabué eram ainda
incipientes, mas os movimentos de libertação em Angola e Moçambique tinham, por
volta dos anos 60, conseguido afirmar a sua presença, de forma precária mas
real. Ao opor-se à ditadura fascista do Portugal de Salazar e recebendo um
apoio inequívoco da Declaração da Descolonização, publicada pelas Nações Unidas
em 1960, estes movimentos viram aumentar a atenção internacional dada às suas
causas durante a segunda metade da década de sessenta. As Nações Unidas
apelavam repetidamente aos seus estados-membros para que aumentassem a
assistência aos povos das colónias portuguesas e, na sua estratégia de
libertação, a Organização de Unidade Africana deu prioridade a esses
territórios, considerando-os como os elos mais fracos na corrente do domínio
colonial e de minoria branca (6).
Na Suécia, as primeiras moções parlamentares em que se
propunha apoio oficial às organizações africanas de libertação surgiram a
partir de 1967, a favor dos movimentos das colónias portuguesas (7). Assim que
a política de assistência oficial foi aprovada pelo parlamento sueco em 1969, a
quase totalidade dos recursos foi dedicada aos movimentos da África portuguesa,
situação que se manteve até meados dos anos setenta.
Dos 67,5 milhões de coroas suecas concedidas como apoio
humanitário direto aos movimentos de libertação da África Austral e ao
PAIGC durante o ano fiscal de 1969–70
(8) a 1974–75, 64,5 milhões, ou seja, uns esmagadores 96 por cento,
foram canalizados para o MPLA de Angola, a FRELIMO de Moçambique, o PAIGC da
Guiné-Bissau e Cabo Verde (9). Nesse mesmo período, o ANC da África do Sul, a
SWAPO da Namíbia e a ZANU e ZAPU do Zimbabué receberam, juntos, apenas 3
milhões de coroas (10).
Na verdade, o apoio a este último grupo foi, a princípio,
visto como um contrapeso político à concentração nas colónias portuguesas,
motivado pela necessidade que se sentiu de aumentar a credibilidade
internacional da política geral sueca relativamente aos movimentos de
libertação. Ao avaliar os dois primeiros anos da nova política, o Departamento
de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento do Ministério dos Negócios
Estrangeiros concluiu, em setembro de 1971, que ”o destaque dado aos
territórios portugueses deve ser mantido”. Declarava também o seguinte: “O apoio simbólico concedido aos movimentos de
menor dimensão da parte austral do continente deve também ser prosseguido, por
razões humanitárias e morais, mas também políticas, uma vez que o apoio
mostra que a Suécia não segue uma via anti-portuguesa, mas sim um caminho de
apoio à libertação (11).
A partir de finais da década de sessenta, e até à queda do regime de Lisboa em Abril de 1974, e posterior independência de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, tanto o governo quanto o movimento de solidariedade suecos concentraram os seus esforços nos movimentos de libertação das colónias portuguesas (12).
A luta travada pelo PAIGC, Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde, e a destreza política e envergadura do seu secretário geral, Amílcar Cabral, tiveram um enorme impacto. A futura e importante participação nos movimentos de libertação da África Austral, com os quais já existia um relacionamento estreito, foi em grande medida norteada pelo encontro com a luta num pequeno país da África Ocidental, que antes de 1969 era praticamente desconhecido.
(Continua)
_____________
Notas do autor:
(1) Mondlane em Dagens Nyheter, 17 de setembro de 1965.
(2) Sören Lindh, destacado dirigente dos Grupos de África, diria mais tarde: ”demos prioridade à luta armada nas colónias portuguesas. [...] Isso também implicou não atender exigências de reconhecimento de uma ou outra organização de outras áreas apesar de, obviamente, estarmos solidários com a sua luta” (Entrevista a Sören Lindh, p. 305).
(3) Os Grupos de África na Suécia: ”Circular nº. 4”, sem indicação de lugar, 23 de setembro de 1971 (AGA). Os Grupos de África começaram, a partir de Outubro de 1970, a enviar circulares em inglês, descrevendo as suas atividades, para os gabinetes dos movimentos de libertação e organizações de solidariedade com intuitos solidários, sobretudo as baseadas na Europa. Estas cartas de informação, nas quais se incluíam comentários sobre a assistência oficial dada pela Suécia aos movimentos de libertação, foram até 1977 escritas ad-hoc. A partir de meados de1984 começou a ser publicado o Scandinavian Newsletter on Southern Africa (”Boletim Escandinavo sobre a África Austral”), uma publicação mais formal e ambiciosa, na qual era dada informação genérica sobre as relações entre a Dinamarca, a Noruega, a Suécia e a África Austral, mas incidindo sobretudo no tema das sanções contra a África do Sul.
(4) Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 15–16 de maio de 1972, p. 2. Os Grupos de África publicaram em janeiro de 1972 um livro sobre as lutas de libertação em África, quase exclusivamente dedicado às colónias portuguesas. Um pequeno capítulo desse livro era dedicado à África do Sul (criticando o ANC) mas não se discutia, por exemplo, a situação no Zimbabué (AGIS: Afrika: Imperialism och befrielsekamp/”África: Imperialismo e luta de libertação”, Lund). Numa reflexão sobre os acontecimentos em África e a mudança de perspetiva dos Grupos de África após a independência de Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, a AGIS publicou um livro em agosto de 1977, intitulado Befrielsekampen i Afrika (”A luta de libertação em África”, Estocolmo). Foi uma obra escrita por vários membros do grupo, liderado por Mai Palmberg, e que incluía capítulos sobre a Namíbia e o Zimbabué. Em 1983 foi publicada uma versão revista, em língua inglesa (Mai Palmberg (ed.): The Struggle for Africa, Zed Press, Londres).
(5) Gun-Britt Andersson: Befrielse i södra Afrika (”Libertação na África Austral”), Världspolitikens Dagsfrågor, nº 3, 1973, Utrikespolitiska Institutet, Estocolmo, 1973, p. 33. Na qualidade de secretária de estado dos Negócios Estrangeiros, Andersson liderou a delegação sueca às Nações Unidas/OUA para a conferência de Oslo sobre a África Austral, realizada em abril de 1973. Desempenhou vários cargos na ASDI (Agência Sueca para o Desenvolvimento Internacional) e na SAREC (Agência Sueca para a Cooperação com os Países em Vias de Desenvolvimento na Área da Investigação Científica), foi representante da ASDI na Tanzânia entre 1983 e 1984. Em 1994 foi nomeada subsecretária de estado dos Assuntos Sociais e, em 1999, subsecretária de estado dos Negócios Estrangeiros, com a pasta da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.
(6) A chamada ”estratégia do dominó” foi delineada numa reunião do Comité da OUA para a Libertação, realizada em Dar es Salaam em junho de 1964. De acordo com essa perspetiva, centrada numa análise da força dos regimes coloniais e brancos, o apoio da OUA (e consequentemente, o apoio internacional) deveria incidir em primeiro lugar na luta das colónias portuguesas e, depois, no Zimbabué, na Namíbia e, por fim, na África do Sul. Numa cadeia de acontecimentos em dominó, a libertação de um país reforçaria (em princípio) o processo de independência dos outros países. Não constituirá surpresa constatar que o ANC da África do Sul, a quem era dada uma menor prioridade, criticou a estratégia da OUA, declarando ”opor-se à teoria estratégica segundo a qual a intensificação da luta na África do Sul deverá acontecer na sequência da libertação da Rodésia do Sul, de Moçambique e de Angola. Privar o movimento de libertação da África do Sul de assistência, fazendo-a depender da libertação de outros territórios é, na nossa opinião, fazer o jogo da ”aliança ímpia” entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal” (citação em Thomas op. cit., pp. 92–93).
Apesar disso, a libertação de facto da África Austral seguiu o esquema em dominó, delineado pela OUA.
(7) Foi o Partido de Esquerda Comunista quem apresentou as primeiras moções ao parlamento, advogando a concessão de assistência oficial por parte da Suécia aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas. Em janeiro de 1967, Lars Werner, futuro líder do partido, acompanhado de outros membros do ainda chamado Partido Comunista da Suécia, apresentou uma moção a favor da FRELIMO de Moçambique, que foi rejeitada pela Comissão Permanente para os Negócios Estrangeiros. Werner, acompanhado por C.H. Hermansson, presidente do agora chamado Partido de Esquerda Comunista, voltou a apresentar a moção em janeiro de 1968. Desta feita, a moção pretendia conceder apoio ”ao movimento de libertação das colónias portuguesas através do CONCP”, ou seja, a aliança entre a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC (Parlamento sueco, 1968: Moção nº 507 na Câmara Segunda (Werner) e Moção nº 633 na Câmara Primeira (Hermansson e outros), Riksdagens Protokoll, 1968, pp. 12 e 1 a 3).
Esta iniciativa foi, também ela, rejeitada pela maioria parlamentar mas, um ano depois, moções similares apresentadas pelo Partido Social Democrata (no poder) e pelo Partido de Esquerda Comunista (na oposição), pelo Partido do Centro e pelo Partido Liberal, mereceram apoio, preparando o terreno para a histórica decisão tomada em 1969 pela Comissão Permanente das Dotações.
(8) Durante o período abrangido pelo presente estudo, o ano fiscal na Suécia começava a 1 de julho e terminava a 30 de junho.
(9) Consulte as tabelas em anexo relativas às transferências de capitais da ASDI para os movimentos de libertação da África Austral e para o PAIGC (Vd. Anexos, pp. 275 e ss.)
(10) Na Suécia, foram os intelectuais e os jornais liberais quem primeiro fez ouvir a sua voz contra a África do Sul do apartheid. É de assinalar que também foi o Partido do Centro e o Partido Liberal, na oposição, quem primeiro pediu que fosse concedido apoio financeiro direto e oficial ao ANC, à SWAPO, à ZANU e à ZAPU. Esse pedido foi apresentado pela primeira vez no parlamento sueco em janeiro de 1969, ou seja, antes dessa política ter sido oficialmente endossada. Os líderes do Partido do Centro, Gunnar Hedlund e do Partido Liberal, Sven Wedén, apresentaram uma moção conjunta ao parlamento sueco, em prol dos movimentos na África Austral ”que lutam por justiça social e económica. São dignos de especial nota, neste contexto, os movimentos que operam na Rodésia, Moçambique, Angola, Guiné portuguesa, Namíbia e África do Sul” (Parlamento sueco 1969: Moção nº 511 na Câmara Segunda, Riksdagens Protokoll 1969, p. 16). Moções do mesmo teor foram apresentadas em 1970 e em 1971 pelos partidos ”do centro” não-socialistas e, em janeiro de 1972, os novos líderes do Partido Centro e do Partido Liberal, respetivamente Thorbjörn Fälldin e Gunnar Helén, voltaram a defender a necessidade de apoiar os movimentos de libertação da África do Sul, Namíbia e Zimbabué.
No documento que conjuntamente apresentaram ao parlamento, Fälldin e Helén declaravam que estavam ”na generalidade” de acordo com a ajuda dada pela Suécia, maioritariamente destinada aos movimentos de libertação das colónias portuguesas, mas consideravam ser ”urgente” que os movimentos da África do Sul, Namíbia e Zimbabué ”recebam ajuda sueca, apesar de terem tido um sucesso apenas limitado nas suas ações” (Parlamento sueco, 1972, moção nº 934, Riksdagens Protokoll 1972, p. 16).
Em termos gerais, poderia concluir-se que,
no início da década de setenta, a esquerda sueca dava prioridade aos movimentos
de libertação nas colónias portuguesas, apesar de os partidos de centro não-socialistas
estarem a favor de se aumentar o apoio aos nacionalistas da África do Sul,
Namíbia e Zimbabué. Tal como foi referido anteriormente, deve constatar- se
o facto de o Partido Social Democrata, no poder, não ter tomado a iniciativa
parlamentar face a qualquer dos movimentos africanos de libertação apoiados
oficialmente pela Suécia.
(11) Ethel Ringborg: Memorandum (”Stöd till
befrielserörelser”/”Apoio aos movimentos de libertação”), Ministério dos
Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 7 de Setembro de 1971 (MFA). A fazer fé numa
nota manuscrita, fica a sensação de que foi escrito como ”informação de base”
para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se fez representar na reunião do
Comité Consultivo da Ajuda Humanitária (CCAH), realizada duas semanas depois.
(12) A ajuda oficial, ainda que reduzida, ao ANC (iniciada em 1973), à SWAPO (1970), à ZANU (1969) e à ZAPU (1973) antecedeu o reconhecimento, dado a esses movimentos pelos AGIS entre três e seis anos depois.
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G Com a devida ao autor e à editora.]
________________
Notas do editor LG:
(*) Vd. poste de 3 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13842: Da Suécia com saudade (40): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte I)... à Guiné-Bissau, de 1974 a 1995, foi de quase 270 milhões de euros... Depois os suecos fecharam a torneira... (José Belo)
(**) Último poste da série > 11 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24306: Antologia (89): Cabo Verde, "refém de uma história contada" (Expresso das Ilhas, 27 de janeiro de 2022)
5 comentários:
Percebe-se agora melhor esta "súbita" paixão da Suécia para com este país completamente exótico e desconhecido como era a Guiné dita portuguesa...
Há muito mérito no papel de "sedutor" do Amílcar Cabral, que fez o trabalho que lhe competia...
Mas há que distinguir entre o governo social-democrata de Olof Palm (no poder entre 1969 e 1976) e o lóbi pró-PAIGC, de Uppsala e Lund...
A diplomacia portuguesa (estado-novista) foi completamente impotente (e talvez incompetente) para lidar contra esta escaldante "paixão" escandinava (que contaminou outros países nórdicos, para além do "Grande Irmão Sueco" que sempre foi uma potência regional na Europa do Norte e que acaba de pôr fim a dezenas e dezenas de anos de proveitoso e hábil "neutralismo" ao acolher-se sob o chapéu da NATO... Enfim, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...).
... grato pela recensão.
"A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau"
autoria: Tor Sellström
editor: Nordiska Afrikainstitutet
1ªed. Uppsala, 20Ago2008
290 págs (pdf)
A grande paixão sueca por África deve ter origem quando o sueco Hammarskjöld foi Secretário Geral da ONU.
Principalmente quando iniciaram as desastrosas independências africanas em 1960 tipo Ruanda, Burundi e os vizinhos Congos de Angola.
Onde aquele sueco acorria em socorro conforme podia, enquanto pode, e o seu avião não se despenhou.
Ainda vi em 1960 vários cooperantes suecos e suecas, quando estive na tropa em Noqui na fronteira de Matadi.
Esses cooperantes na hora do tiroteio em Matadi, refugiavam-se junto a nós onde havia uma piscina e uma paz, podre mas paz, onde eles se regalavam quase todos os fins de semana, sem nos pedirem licença nem nos darem cavaco, pois para eles eramos uns reles desprezíveis colonialistas.
Isto 3 meses antes do 15 de Março no Norte de Angola de 1961.
Voltei novamente a ver estes cooperantes em 1980 em Bissau, a fazer distribuição de Volvos gama alta pelos ministros de Luis Cabral e tambem máquinas e grandes camiões para esses ministros criarem uma exploração madeireira com todos os matadores para acabar com aquela tristeza de madeireiros tugas cujas máquinas eram autêntico ferro velho.
Às vezes dá para pensar se aquelas ajudas luxuosas ao PAIGC, (e a outros movimentos africanos) não seria uma fanfarronice nórdica para mostrar como se fazia uma colonização bonita e justa.
Sim, porque aquilo que eles praticavam, era um outro modo de colonizar África em modos igualmente europeus.
Aquilo era uma vergonha, a ver um povo esfomeado e a apoiar um governo com aquela exibição de ofertas durante anos e anos.
Cada um que alimente as suas ideias como entenda, mas o tipo de cooperação europeia que substituiu a colonização pós independência, foi a cereja em cima do bolo.
O efeito vemo-lo na travessia do mediterrâneo e na travessia do Senegal para as canárias.
Caro JBelo,
Se não me levares a mal, deixa-me que te diga que tens que regressar aos bancos da escola. Então dez centenas são um milhão?! Dez centenas são um milhar, isso sim!
Como se compreende, eu não sei sueco (mas gosto de o ouvir falar, pois é uma língua bastante musical, clara e inteligível), mas ainda não esqueci completamente o francês que aprendi no liceu. Em francês, a palavra millier significa "milhar" e a palavra milliard é traduzida por "milhar de milhão", já que em português não existe uma palavra única que lhe corresponda.
Se bem compreendi o que querias dizer, referias-te à palavra sueca que equivale à francesa milliard. Se assim for, então o orçamento sueco de 2023 para o apoio a África é de 25,2 milhares de milhões de coroas. É assim?
O seu a seu dono.
Com um grande activismo político na Suecia dos fins dos anos setenta e início dos oitenta,o nosso Zé Belo foi um dos que conseguiu fazer ver ás autoridades suecas que, sem um forte control quanto ao uso das avultadas verbas enviadas para a Guiné, a maioria do auxilio nunca iria chegar aos mais necessitados.
Algo terá conseguido.
Manuel Teixeira
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