Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I.
Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1.º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).
Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos (c. 7 mil) são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.
Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (1944-2021)
Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (1944-2021)
Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem
Foto (e legenda): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. É mais uma questão "politicamente incorreta" (*), aqui levantada pelo nosso arguto, sagaz e frontal Cherno Baldé, a propósito do trabalho de capinagem ou desmatação (**): era ou não, "de jure et de facto", "trabalho forçado", teoricamente abolido em 1961 nas províncias ultramarinas portuguesas, no âmbito das reformas do ministro do ultramar Adriano Moreira (1922-2022)?
(i) Comentário de Cherno Baldé (**):
Voltando ao Poste do dia e sobre o fundo da questão, acho que estamos na presença de imagens que, na linguagem da época da Guiné portuguesa, se designava por "trabalho obrigatório" ou "trabalho forçado".
Do ponto de vista oficial, era trabalho voluntário de limpeza das vias e arredores dos aquartelamentos, mas na realidade e para a população civil era um trabalho a que eram obrigados a fazer por ordens dos chefes de Postos e autoridades tradicionais legítimas ou impostas.
A presença dos individuos armados com mauseres e G3 no meio dos trabalhadores tanto poderia ser para a segurança assim como um meio de pressão psicológica e de intimidação, tratando-se sobretudo de jovens pertencentes a etnia Balanta de Cutia e arredores.
É a minha opinião à luz da realidade dos anos 60/70 de que fui testemunho e participante. No meio disso tudo, alguns elementos da tropa metropolitana, mal preparada previamente, sobre os reais objectivos e fundamentos da colonização, paradoxalmente, contrariavam estas linhas de orientação que muitas vezes não compreendiam e mal aceitavam excepção feita aos oficiais superiores que estavam melhor informados.
Na fase final da guerra, o General Spínola tentou acabar com estas práticas, consideradas muito nocivas e que não se enquadravam na nova política "Por uma Guiné melhor" chocando-se fortemente com hábitos há muito estabelecidos e que davam jeito aos comandantes e chefes de Postos nos aquartelamentos do mato a braços com problemas de meios humanos, financeiros e materiais para todas as tarefas necessárias.
(ii) Comentário do editor LG (a propósito da Op Cabeça Rapada( (***):
É um número impressionante de trabalhadores de etnia fula e mandinga, mas também balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em géneros: em alimentação e mais um suplemento em arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro (...).
Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus" (sic).
Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [na realidade, quatro.]
O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.
Outras desmatações menores, à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.
Estas Operações queriam vincar três pontos:
Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.
As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.
Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.
Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.
A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: "Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?".
Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.
No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.
Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações. Embarcámos em 4 de Dezembro de 1969 [de regresso a casa]. (...)
Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus" (sic).
Tratava-se do tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá ( que será fuzilado, sem julgamento, pelo PAIGC a seguir à independência), "um homem (...) já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, biafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (História do BCAÇ 2852... Cap. II, pag. 1).
Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora.O quer se dizia sobre ele era manifestamente exagerado: o tenente Mamadu Bonco Sanhá era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocêntrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"... Convenhamos que é uma figura de estilo"...
Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora.O quer se dizia sobre ele era manifestamente exagerado: o tenente Mamadu Bonco Sanhá era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocêntrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"... Convenhamos que é uma figura de estilo"...
O administrador do concelho de Bafaté (Guerra Ribeiro) e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...
Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em... 1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)... Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...
Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em... 1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)... Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...
(iii) Comentário do Torcato Mendonça (1944-2021) (vd. poste P9541) (****):
(...) Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.
Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [na realidade, quatro.]
O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.
Outras desmatações menores, à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.
Estas Operações queriam vincar três pontos:
- dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969];
- mostrar que as populações estavam com as NT;
- fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.
Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.
As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.
Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.
Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.
A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: "Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?".
Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.
No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.
Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].
Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações. Embarcámos em 4 de Dezembro de 1969 [de regresso a casa]. (...)
____________
Notas do editor:
(***) Vd. poste de 9 de hjaneiro de 2020 : Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)
Vd.também postes de:
24 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)
22 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P449: Mais de 7 mil nativos em trabalhos de desmatação (Mansambo, 1969) (Luís Graça)
(****) Vd. poste de 7 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV
25 comentários:
Olá Camaradas
Salvo melhor opinião estamos a misturar escravatura com adopção de uma medida defensiva que as NT tinham que tomar para colocar o IN longe das colunas que se deslocavam nas picadas. Ao princípio (1968) ainda se deixava cerca de um metro de vegetação junto ao leito da picada, isto é, o In era afastado da picada, por uma área capinada, e o pessoal da coluna ou que se deslocava na picada, se fosse atacado tinha onde se proteger das vistas do In. Depois o objectivo passou a ser apenas afastar o In da picada. Os capinadores tinham a hipótese de estarem com o In e procurarem fazer a capinagem mal feita ou estar contra ele e a favor das NT criar um espaço aberto onde ninguém se mexia sem ser visto. Claro que era uma tarefa cansativa e, como se pode ver, sempre com protecção de uma unidade militar mais ou menos desenvolvida. Não se pretendia - pelo menos em princípio - obrigar ninguém a trabalhar, mas adoptar uma medida defensiva que acabava por beneficiar todos, incluindo a população que se deslocava nas colunas como passageiros.
Já chega de tanta "escravatura"!...
Um Ab.
António J. P. Costa
O nosso saudoso Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo,1968/69) já aqui escreveu que a tropa (ou a administração de Bafatá) cozinhou arroz, em grandes panelões, para os milhares de civis (sete mil, na primeira fase) que foram recrutados para desmatar a estrada Bambadinca-Xitole). Espero , ao menos, que o trabalho tenha sido pago. Eu não estava lá ainda...Temos as versões de três "Viriatos"...
Tó Zé, como sabes. a população do sector L1, nomeadamente os fulas, eram leais as NT... E usavam as nossas colunas para se deslocarem . A capinagem beneficiava todos.. O caso dos balantas (Nhabijões, Mero...) e dos mandingas (Xime, Nhabijoes, Bambadinca, Fa...) já podia levantar dúvidas...
Atenção, que o regulo Mamadu Bonco Sanha era biafada pelo lado materno. Eu também não sei por exemplo se os balantas e mandingas de Nhabijoes foram "consultados" sobre o reordenamento decidido pelas NT (BCAÇ 2852, 1968/70)...
O Torctao Mendonça (1944-2021) dexiaou aqui escrito que a Op Cabeça Rapada teve o aval do Spínola e foi a maior operação de "acção psicossocial" a que assistiu (e em que participou)... Merece ler-se o seu comentário e ter-se em conta a sua descrição desta operação (que não é referida pela CECA, volume VI, tomo II)...
13 DE JANEIRO DE 2020
Guiné 61/74 - P20554: Questões politicamente (in)correctas (50): as grandes desmatações à volta de aquartelamentos construídos de raiz como Mansambo, e ao longo da rede viária, com o apoio das populações às NT (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/01/guine-6174-p20554-questoes.html
Na Guiné não havia historicamente, nunca houve actividades que precisassem de mão de obra
intensa, antes pelo contrário a mão de obra sobrava, a única actividade que podia absorver alguma mão de obra, em que poderemos garantir que era "cem cães a um osso" voluntários, e "empurravam-se " uns aos outros, eu não estava lá, mas adivinho porque com a independência essa actividade continuava.
Era a actividade dos marinheiros e estivadores da casa Gouveia.
Na Guiné não havia agricultura de "branco" intensa nem mineração.
A célebre exploração do trabalho forçado referia-se ao Norte de Angola, café e sisal,e São Tomé, café e cacau.
Antonio Jacinto, branco angolano:
O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!
Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?
Eu tive "contratados" na minha actividade profissional, vários anos, em Angola.
Chamavam-se contratados antes e depois de Adriano Moreira.
Antes seriam forçados, e depois seriam voluntários?
Nunca me dediquei à política custa-me decifrar certas questões.
Mas que na Guiné não havia trabalho forçado não havia, porque nem havia trabalho para a maioria de tanta gente.
Caros amigos,
Alguém falou de escravatura ?!..
Pelo menos eu falei de trabalho obrigatório ou forçado que, de facto, era. Não podemos esconder o sol com uma peneira. Não eram voluntários nem remunerados, logo não se pode falar, em rigor, de trabalho voluntário.
É claro que a Guiné não era Angola, nem S. Tomé e muito menos Moçambique e as realidades não eram as mesmas.
Todavia não podemos nem devemos escamotear os factos que estão registados e, pelos vistos, também fotografados para a história.
Para quem faz questão de falar de escravatura digo que, também aconteceu e está devidamente registado e, talvez um dia possamos falar de reparação, talvez... Tudo no seu devido tempo.
Cherno Baldé
Os nossos soldados fulas da minha CART11 não gostavam de fazer/cavar as valas de defesa nos aquartelamentos/tabancas.
Diziam que soldado combatente não faz trabalho de cavar valas.
Não sei se este "cavar valas" era a tradução correcta ou estigma enraizado doutros tempos.
Valdemar Queiroz
Olá a todos,
Eu ( C.ART.11) numa das ocasiões que fui ao Xitole, foi para fazer segurança a uma coluna, que foi do Gabú a Bambadinca, onde nos juntamos a mais algumas centenas de africanos, que iam capinar naquela zona.
Nunca tinha visto tanta gente junta... e pensei, isto não vai acabar bem.
Felizmente, os únicos obstáculos, pois foi numa época de chuvas, foram as camionetas, enterrarem -se em alguns lugares, e só chegamos ao Xitole ao fim do dia.
Recordando, não é Valdemar. As tuas melhoras.
Abílio Duarte
Havia mais areas libertadas do que "Voluntarios"
Jose Macedo, DFE 21
Cacheu, Bolama 1973-74
Caro Valdemar,
Ao falares do trabalho de cavar valas dos soldados locais da vossa CART11, lembrei-me agora do Renato Monteiro, vosso companheiro de armas e o profundo trauma resultante da "porrada" que ele levou e que nunca conseguiu superar durante a sua curta existência defendendo os seus soldados em relação a um tratamento que achava injusto e num momento completamente descabido. A vida da tropa é lixada e ainda mais se se era soldado da segunda. A repulsa pelos trabalhos de cavar valas advinha do sentimento da injustiça a que estavam carregados desde os primeiros tempos da colonização e pior ainda quando se tratava de fula-forros, pessoas que no seio da sua etnia eram consideradas ou tinham um estatuto de livres e nobres. Os fulas, em geral, só se conformaram com o trabalho físico pesado nos anos 90 quando começaram a emigrar para Portugal para fugir da discriminação política e falta de emprego no país.
Cherno AB
Caro Cherno
Posso-te garantir que em Mansabá, no tempo da CART 2732, a desmatação da zona circundante do quartel era feita por locais e o trabalho era remunerado. Como passei muito tempo "impedido" na secretaria da Companhia, assisti muitas vezes à chamada dos capinadores, ao fim do dia, para que recebessem o que lhes era devido. Não me lembro se recebiam ao dia ou depois de concluído o trabalho. Penso que a remuneração seria combinada com o Chefe de Posto, que teria também a responsabilidade do recrutamento da mão de obra. Na desmatação das bermas da estrada, mais longe do aquartelamento, tinha que haver segurança próxima, que não deves interpretar como sinal de (o)pressão mas sim de protecção.
Como saberás, até melhor do que eu, à população das tabancas nunca faltou arroz, e quantas moranças foram construídas, se não na totalidade, parcialmente, com a ajuda da mão obra dos nossos soldados e cabos.
Quase diria em tom de desabafo, que sujeitos a trabalhos forçados estavam os nossos cabos e soldados, transportados da metrópole para África, como gado para abate e pagos miseravelmente.
Histórias antigas de velhos combatentes em fim de linha, testemunhadas pelas crianças de então, hoje, homens e mulheres maduros, entre os quais tu, felizmente.
Abraço fraterno
Carlos Vinhal
Exatamente, meu caro Cherno Baldé.
O meu grande amigo e camarada da CART11 Renato Monteiro, levou uma porrada e foi transferido por não aceitar que os nossos soldados fulas fossem 'esses gajos vão limpar as valas' como o Cmdt de Piche obrigou os soldados do seu Pelotão, e que veio a criticar veementemente.
Por isso foi punido e transferido de Companhia
"Punido com cinco dias de detenção pelo Sr. Comandante de Companhia por se ausentar de trabalhos sem que para tal tivesse justificação e relacionado com o mesmo assunto ter tomado atitudes que poderia ter levado os seus inferiores a tomarem posição de indisciplina e feito afirmações referentes aos seus superiores denotando falta de respeito".
O Monteiro saiu da Companhia mas ficou no nosso coração.
.... e anda por ai dizendo
Quando abrires o armário tem cuidado
mais que versos falhados cartões melancolia
pode sair de repente o que não esperas
aquela cujo sol de um outro tempo
quando olha para ti ainda te mata.
Por isso tem cuidado: não abras as gavetas
talvez Deus esteja escondido
ao lado do retrato da primeira comunhão.
Não abras: pode soltar-se
o espírito
podem sair os mortos todos
as bruxas o diabo as cartas o destino
e aquela parte da tua vida que não cabe
não cabe em nenhum verso.
E se o bafo soprar?
Não abras
não abras as gavetas.
Pode sair a tua guerra
os aerogramas
as cartas escritas da cadeia
o amor o tempo as emboscadas
as longas noites de interrogatório
e também os duzentos metros livres
uma tarde de glória na Praia das Maçãs.
Este no pódio és tu.
Não queiras ver.
O que passou passou e não passou.
Deixa ficar o sol fechado no armário
o sol e a vida
não só poemas cadernos e retratos
mas também lâminas um pincel de barba
um pente
os pequenos nadas do teu quotidiano
antes do salto.
Tão inúteis agora.
Ninguém regressa à vida interrompida
mesmo que por dentro do armário
bata por vezes um coração.
Tem cuidado ao abri-lo.
Pode sair o que nunca imaginaste
um pedaço de Deus em papéis velhos
uma foto esmaecida
um amor rasgado
sabe-se lá o quê.
Alguém que não conheces
alguém que não sabes quem
alguém que aponta o teu retrato
e de repente diz: Ninguém.
(Manuel Alegre)
Valdemar Queiroz
Valdemar, confirmo a relutància e a recusa dos nossos soldados fulas, da CCAÇ 12, em pegar na enxada e na picareta... para abrir valas... E obrigado por evocares aqui o querido e saudoso amigo e camarada Renato Monteiro... Ele foi parar à CART 2520 (Xime, 1969/70)... Com muita mágoa teve de deixar os "Lacraus" da CART 2479 / CART 11.
Criou-se uma aversão ao trabalho braçal entre a juventude guineense, devido aos treze anos de guerra a abusar deste discurso do trabalho forçado colonial, que nalguns casos foi preciso pôr os sindicatos desses trabalhadores (do PAIGC) a moralizar (ameaças mesmo).
O termo servente desapareceu, passou a ser ajudante.
Ajudante de pedreiro, ajudante de motorista, ajudante de pintor, ajudante de mecânico...sendo ajudante de qualquer profissão já não pega em picareta ou machado ou vassoura.
Se numa empresa era preciso um serviço de limpeza que metesse vassoura, ou iam os "ajudantes" todos ou não ia ninguém.
Talvez hoje, a mentalidade se tenha modificado.
Pelo menos com Nino e Luis Cabral era mesmo assim.
Por exemplo as Obras Públicas com uma folha de pagamentos com centenas de "ajudantes", como não havia trabalhadores para pegar numa vassoura, o próprio ministro paralizava toda a actividade burocrática em um sábado de manhã, e desde directores, dactilógrafas, e escriturários, contínuos, mecânicos e topógrafos, motoristas...toca a limpar aquele campo do ministério (a antiga engenharia colonial).
Houve empresas de construção formadas por engenheiros guineenses que tentaram recorrer a antigos encarregados à portuguesa tipo retornados, a ver se davam volta ao imbróglio.
Vou parar para não entrar em questões demasiado (in)corretas.
Rosinha, já que entraste no "confessionário ", acaba lá a "confissão"...
rPodes e deves falar "de catedra" sobre a Guiné "pós revolucionária" de Luis Cabral e do Nino Vieira onde, segundo os suecos, se estava a "construir o homem novo"
Onde estão enterradas essas utopias?
Não sei como é que o Amílcar Cabral, se fosse vivo e se fosse "Papa", resolvia este problema "bicudo" da aversão "pós-colonialista" da juventude guineense ao trabalho manual...
Hoje já agora diz-nos quem é que lavrava as bolanhas no teu tempo...
A mecanização tarda em chegar aos campos da Guiné. O problema é universal... Os "ricos" vão ter que aprender a "limpar o c_u" sozinhos...
Citando um provérbio "anarquista", o problema é sempre o mesmo, "se a merda valesse ouro, os pobres nasciam sem cu"...
Valdemar, também tive o probelma do Renato Monteiro (que foi um gajo de coragem!), quando foi poreciso abrir valas em Bambadinca... Para os nossos soldados fulas da CCAÇ 12 (que tu treionaste), a missão nobre era fazer a guerra e rezar, como bons muçulmnaos... Trabalhar, de pá e pica, era "bom para o tuga" que vinha lá das berças, de Trás os Montes, ou das Beiras, ou do Alentejo, ou doa Açores...
Lembro de ouvir um raspanete (a que tive o bom senso de não responder, contrariamente ao que aconteceu ao Renato Monteiro, "reguila do Porto")... Um oficial superior, do comando do BCAÇ 2852, em Bambadinca, perdeu a compostura gritando para a minha secção: "Se esta m... fose uma fábrica e fosse minha, vocès estavam todos despedidos"...
Ora aí tens a razão por que se pode perder uma guerra... quando a tropa se recusa a abrir valas... Claro que o senhor major não deu o exemplo, arregaçando as mangas e pegando na pá e na pica, em pleno dia... E nunca foi connosco à Ponta do Inglès levar e dar porrada..
Luís, temos de pensar na questão psicológica.
Isto na tropa, aprendi quando fui munitor de 'aplicação militar' no RAP3 e no RI10, temos que fazer para ensinar e até em combate aplicar a máxima do 'sigam-me'.
Acontece que na questão das valas, quando era para abrir novo trajecto tínhamos alguma presença, mas na limpeza das valas mandávamos limpar e ficávamos sentados a ver.
Não quer dizer que fossemos "obrigados" a limpar para dar o exemplo, não, tínhamos era que dar a ideia psicológica que não se tratava de um trabalho para os pretos e os brancos ficavam sentados a ver, que, afinal, tratava-se de uma acção de trabalho com comando.
As valas em Guiro Iero Bocari eram limpas sem nenhuma necessidade de se estar a ver o que estavam a fazer.
Valdemar Queiroz
Caro Rosinha,
Não há mal nenhum em dizer a verdade dos factos, durante o periodo colonial houve algumas práticas que criaram fortes sentimentos de repulsa, uma delas foi o desterro para terras longínquas e desconhecidas, praticado em relação as chefias tradicionais e outra foram os trabalhos forçados no seio de populações cujas sociedades eram hierarquizadas e nalguns casos dívidas em castas socio-profissionais e também a cobrança de impostos.
Por exemplo, se entre os fulas e mandingas existem famílias reais (os régulos e Nhantchôs) já entre Papéis todas as linhagens/familias são potencialmente de ascendência nobre (os Djagras) e, havendo essa possibilidade, todos podem aceder ao poder (reinança). Todavia essa realidade não impediu que Papéis e Manjacos trabalhassem como estivadores, cozinheiros e marinheiros de cabotagem que, apesar da precariedade, era trabalho remunerado, diferente do chamado trabalho voluntário que rapidamente se transformou no trabalho forçado.
O PAIGC transformou o que era uma aversão natural ao trabalho manual numa guerra de propaganda que, naturalmente, se virou contra o próprio país no período pós-independencia em que ninguém queria ser o pobre servente e trabalhador manual, vítima da exploração do homem pelo homem. Assim como ninguém queria ouvir falar de impostos o que era assimilado a "odiosa" prática colonial da qual o partido nos tinha libertado para sempre.
O governo que acaba de ser demitido introduziu alguns impostos para aliviar o peso de certos encargos no OGE, mas foram mal recebidos e o resultado das últimas eleições é claramente revelador desse facto, com a derrota do partido que o suportava nos últimos 3 anos de governação.
Outro facto revelador foi a tentativa encetada por Luís Cabral em finais dos anos 70, de criação de cooperativas agrícolas como solução para o problema dos antigos combatentes que já se adivinha como espinhoso a médio e longo prazos. Os combatentes responderam que (eles) não tinham feito 11 anos de guerra debaixo das chuvas, das bombas e servir de comida aos mosquitos para depois serem "lavradores".
Ao fim e ao cabo, como secostuma dizer, o feitiço tinha virado contra os feiticeiros.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
PS/
Actualmente, mesmo se os guineenses emigram para a Europa onde fazem todos os tipos de trabalhos sem excepção, nos centros urbanos da Guiné-Bissau quase todos os trabalhos são feitos por imigrantes da sub-região, sobretudo da vizinha Guiné Conacri.
Cherno AB
Como estão, comentando o assunto do Renato Monteiro,
não quero deixar de expressar novamente o que já anteriormente referi, sobre o caso.
Quando fomos ( C.ART.11) para Piche, foi para reforçar o aquartelamento, após um ataque do PAIGC, bastante profundo.
As primeiras instrucões foi para abrir valas em frente á estrada que vem de Gabú para Buruntuma, pois elas não existiam.
E foi á nossa Compª, que se deu a tal trabalho, pois aquilo em termos de valas e abrigos nickles.
No dia da confusão, do Renato eu estava com ele.
A verdade é que a questão não foi, a tropa através do Renato se recusar a cavar.
Me lembro como se for hoje.
Já passava do meio-dia, e a malta estava ali a trabalhar sobre um sol terrível, e o chão era muito duro.
Esta é a verdade, quando eu e o Renato achamos que era altura, e a hora de o pessoal ir comer, o Renato teve o azar de dar ordem de pararem de trabalhar, e irem comer, o que aconteceu, é que passou um Major, do Batalhão , ouviu o Renato, e replicou, não vão comer enaunto não fizerem, o que estava estabelecido, tantos metros vs, altura da vala.
O Renato respondeu, que quem mandava era ele, e mais nada. E mandou os homens para a formação para almoçarem.
O Major, não gostou, e foi um 31 dos antigos.
Concluindo nunca este em causa , os Fulas se negarem a cavar, mas sim, que era hora de refeição.
Os meus respeitos pela memória do Renato, camarada que me acompanhou desde Penafiel, Tancos, onde tirou Mina e Armadilhas comigo.
Até á Guiné.
Pessoa muito diferente de muitos de nós, assim como o Candido Cunha, que tinham uma visão da condição humana, muito diferente da maioria de nós.
Paz á sua alma.
Abílio Duarte
Pois Duarte foi isso que aconteceu.
Lembro-me de haver discussão na Messe na hora do almoço.
Mas os nossos soldados já estavam chateados por estar a cavar e por ser do lado virado para a população da tabanca.
Abraço
Valdemar Queiroz
Caro Valdemar,
Andar a cavar valas de pá e picareta do lado da tabanca, a vista das mulheres e bajudas é que era chato não é ?!?...
Sabiam que em certos aquartelamentos quem fazia este trabalho eram prisioneiros, gente suposta pertencer aos "turras" ?!??... Pelo menos na minha terra assim aconteceu em meados de 1969 durante a remodelação do aquartelamento, mas que não foi sem consequências, pois o Comandante da companhia foi depois removido pelo Gen. Spinola em vésperas de fim de comissão.
Cherno Baldé
Cherno, sabes por experiência própria que os imigrantes, em qualquer parte do mundo, não têm pejo em fazer qualquer coisa para sobreviver, como por exemplo um trabalho manual, sujo, duro, penoso e até perigoso, da construção e obras públicas à limpeza das ruasm da apnah de fruta e legumes à pesca...Longe da terra, da família, dos vizinhos, dos amigos, dos conhecidos...
Depois da queda do muro de Berlim e do colapsi das economias ditas socialistas, houve muitos ucranianos ( e outros eslavos, incluindo russos) que vieram para Portugal em buscas de trabalho...
Tive alguns alunos (uma boa dúzia) que eram médicos: depois de frequentarem um curso de formação intensiva da Fundação Calouste Gulbenkian, passaram no exame da Ordem dos Médicos e seguiram a carreira de saúde pública (mais fácil para eles, desde que dominassem o português)...
Mas antes trabalharam no duro em campos, fábricas, estaleiros de construção, etc.... Um deles mostrou-me as mãos calejadas de cavador de enxada...
A vida não é fácil para um estrangeiro, imigrante ou refugiado... Mantenhas. Luis.
Ao comentário do Carlos Vinhal posso acrescentar que os capinadores no asfaltamento da estrada de Farim eram remunerados, assim como eram premiados se detectassem minas, 500 pesos por anti-pessoal e 1000 pesos nas anti-carro, era assim também para os militares.
César Dias
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