"Olha o ceguinho de um olho, é prà pulga e prò piolho!"...
por Luís Graça (*)
1. Eu ainda sou do tempo do óleo de fígado de bacalhau. Na idade de ir para a escola, já com sete anos feitos (em 29 de janeiro de 1954), a caminho portanto dos 8, lembro-me de tomar, às refeições, uma colher de sobremesa desse "milagroso óleo" que nos anos 40 e 50 do século passado estava na moda.
Já não posso precisar se era uma colher de sopa, a "dose de cavalo", se apenas uma colher de sobremesa, quantidade mais indicada para crianças abaixo dos 12 anos. Nem sei se tomava todos os dias.
Como o nome sugere, o óleo de fígado de bacalhau ("cod liver oil", em inglês) era(é) extraído do fígado do bacalhau, considerado rico em vitamina A, vitamina D e ómega 3.
Na época, no pós-guerra, eram ainda muitas as carências aiimentares, e à nossa mesa não chegavam os suplementos nutricionais de hoje. A criança comia a comida dos adultos, e o próprio leite, â parte o leite materno, era um luxo. (O Oeste não era uma zona de criação de gado leiteiro, e uma grande parte dos seres humanos são intolerantes à lactose.)
Ao que parece, o óleo de fígado de bacalhau já dera utilizado há muito como complemento alimentar nos países do Norte da Europa, em especial nos países nórdicos, onde era(é) mais a baixa a exposição da pele ao sol (importante fonte de produção de vitamina D).
Por sua vez, a Emulsão Scott, um medicamento tradicional à base de óleo de fígado de bacalhau, era popular na América desde os anos de 1830.
No sítio brasileiro, Propagandas Históricas, fomos encontrar um anúncio de 1906 fazendo a publicidade dos benefícios do óleo de fígado de bacalhau. Era uma "preparado especial", da firma J. Coelho Barbosa & C. Vendendo-se nas farmácias. de São Paulo, apresentava-se como um conccorrente ("homeopático"...) da industrializada Emulsão Scott dos gringos.
O óleo de figado de bacalhau continua hoje a vender-se nas farmácias ou nas lojas de produtos naturais, em cápsulas ou em emulsão ("xarope")... No nosso tempo, o raio do "xarope" (que fazia bem aos ossos...) tinha um cheiro e sobretudo um sabor extremamente desagradáveis. A nossa primeira reação era de recusa, rejeição, vómito.
As nossas mães, para nos obrigar a tragar a "horrível mistela", apertavam-nos o nariz, sem qualquer cerimónia. Com a goela escancarada, era só enfiar pela boca abaixo uma colherada do "xarope"... Era a nossa tortura (já não me lembro se era diaria e se era ao almoço, se ao jantar).
Segundo apurei, numa das farmácias da Lourinhã do pós-guerra, o óleo de fígado de bacalhau era fornecido em grandes frascos e depois acondicionada em frascos mais pequenos, para venda ao público. Recorde-se que só a partir os anos 50 há uma desenvolvimento, exponencial, da indústria farmacêutica. As farmácias tinham muito poucas caixas de medicamentos (aspirina, supositórios, e pouco mais). Viviam até então da manipulação de fórmulas, da venda de "produtos naturais", tudo em frascos.
2. Na época tínhamos problemas de subnutrição, raquitismo, pulmões e... "escrófulas" ("doença crónica e hereditária das glândulas linfáticas em que se alteram os fluidos que contêm, formando tumores que se podem ulcerar", segundo a sintética definição do Dicionário Priberam da Língia Portuguesa)... Havia muita miudagem "escrufulosa" (que termo horroroso!) e nessa época o arsenal terapêutico ainda era muito reduzido...
Andávampos sempre com montes de infeções, nomeadamente nas pernas e braços... O antibiótico mal tinha chegado e a vacinação (obrigatória) também chegava tarde à escola. (Acho que a primeira vacina que tomei foi a BCG. ) A tuberculose tinha ainda uma alta taxa de incidência, tal como as enterites, as diarreias, os problemas respiratórios e outras doenças infeto-contagiosas...
A falta de higiene pessoal e ambiental (não havia recolha do lixo, ia tudo para o quinteiro ou esterqueiro, nos campos), o contacto com a terra, o estrume, os dejetos humanos, etc., a par das deficièncias alimentares e da falta de serviços públicos de saúde (só mais tarde apareceram os centros de saúde materno-infantil, na década de 60) explicam uma parte da morbimortalidade das crianças, no campo e na cidade...
Para dar um exemplo: quando eu tinha 14 anos, em 1961, no início da guerra colonial, ainda morriam 88,8 crianças com menos de um ano de idade por cada 1.000 nascimentos (!). (Cerca de 120, no imediato após-guerra.)
Nos anos 50 havia três médicos residentes na minha vila, para uma população que devia andar já perto dos 22 mil (o concelho).
Também sou do tempo em que, no início dos anos 50, se começou a beber leite, na minha terra e na minha rua...
Um vizinho, que na periferia da vila, criava vacas leiteiras começou a vender leite porta a porta, com a bilha de folha de Flandres ao ombro... Leite ainda quentinho da vaca, que não passava por nenhum processo de pasteurização nem controlo de higiene ou qualidade...
São estas e outras as lembranças, ainda vivas, da minha infância passada na Rua do Castelo. O ti’ Clemente Leiteiro, com a bilha do leite, de folha de Flandres já muito amolgada, que ia de porta em porta, vendendo um quartilho de leite, acabado de tirar da teta da vaca!... Só não me lembro do seu pregão... "Leite que sabia a mijo", diziam os putos com as mães a apertarem-lhes o nariz para eles abrirem a boca. O leite, o óleo de fígado de bacalhau e, já agora, os ovos crus (com um furinho em cada ponta, para a gema e a clara sairem inteirinhos, num jacto), tomavam-se a fazer caretas… mas eram a medicina do pobres.
3. Também sou do tempo do DDT (sigla de diclorodifeniltricloroetano), considerado o primeiro grande pesticida moderno, com extensivo e intensivo uso durante e após a II Guerra Mundial para combater doenças como a malária e o tifo (que dizimavam os soldados nos países subtropicais), e depois as pragas agrícolas.
As nossas mães, sem suspeitarem sequer dos graves inconvenientes que, a longo prazo, tinha o raio do inseticida para a saúde humana (e ambiental) , utilizavam o DDT alegremente para matar pulgas e piolhos, não só na roupa da cama como no couro cabeludo da criançada ("canalha", no Norte)....
Quando chegávamos a casa, com um camadão de piolhos apanhados na escola, no recreio ou nas brincadeiras de rua, era um dia de amargura... A receita dolorosa mas milagrosa era água a ferver, pente de dentes finos de osso de baleia, e DDT, nuinhos dentro da tina de folha de Flandres, com o fundo de madeira, que servia de banheira (a casa de banho moderna ainda era um luxo que nem sequer entrava nos nossos sonhos)...
Era uma "vergonha" uma criança. filha de "gente decente" (sic), apanhar pulgas e piolhos!,,,
Há quem se lembre (gente da minha idade) de ver e ouvir o vendedor de DDT, na feira do Marco de Canaveses, nos anos 50/60, apregoar o famigerado inseticida: "Olha o ceguinho de um olho, é prà pulga e prò piolho!"...
Felizmente o DDT acabou por ser banido, há já alguns anos (em data que de momento não posso precisar). Mas foi largamente utilizado em Portugal como insecticida nacahricultura e nas campanhas contra a malária (ou "sezões"), nomeadamente nas regiões produtoras de arroz do sul do país.
Enfim, pobretes, mas alegretes!... LG
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19 comentários:
Na escola primária, em Afife, o almoço era sempre caldo verde e broa, mas antes tinha de engolir uma colherada do horroroso óleo de fígado de bacalhau.
Provavelmente teria feito algum efeito por eu sofrer de raquitismo, mesmo vivendo junto ao mar e apanhar sol de manhã até à noite. Franzino como era, não fora isso, não teria chegado ao 1,68m .
Quando cheguei a Lisboa, em Setembro de 1956, da Estação de Santa Apolónia passei pela Photomaton, na Rua da Prata, para tirar fotografias e no outro dia fui à Rua de São Paulo ao Arquivo de Identificação tirar o BI, que ainda era um caderninho e media 1,22m. O quer dizer que teria começado a trabalhar com cerca de um 1,30m.
No meu caso não se punha a situação de não ter idade para trabalhar, antes seria por não ter altura. Mas a 01 de Abril de 1957 já estava inscrito na Segurança Social, como Paquete de Escritório a ganhar 400$00/mês.
Valdemar Queiroz
TRISTES TEMPOS
Para minha desgraça os meus pais vendiam no seu comércio essa coisa mal cheirosa, extremamente amarga e até a considerava uma tortura quando o meu Pai me obriga a engolir aquela mistela chamada óleo do fígado do dito.
Para vosso esclarecimento, naquela altura era uma espécie de panaceia porque não havia melhor
Convém referir que o dito não era refinado, aquilo era mais ou menos o fígado esmagado e embalado em frascos.
É verdade que contém várias vitaminas nomeadamente a A e D e ómega 3.
Esclareço que a vitamimina D é sintetizada na pele através da exposição solar e tem como função a absorção do cálcio no intestino, por isso só quem não estava exposto à luz solar por diversos motivos, podia vir a sofrer de raquitismo.
Ainda hoje sou um gajo "poliintrataumatilizado" devido a essa coisa horrorosa.Baaaaa....
Enfim tristes tempos
AB
C.Martins
PS
Mas ca ganda aldrabão esse J.COELHO BARBOSA do anúncio.
C.Martins
C. Martins
Eu andava de manhã até à noite na rua/campo a apanhar sol e aragem do mar bem perto, e cresci pouco em relação a outras crianças da mesma idade, incluindo dos familiares.
Então não seria raquitismo, propriamente vitamina D não me faltava, agora que fiquei pouco desenvolvido e com pouco "cabedal" não havia dúvidas. Calhando faltou uns dias a cavar batatas com a enxada a servir de aparelho de ginásio.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
"Óleo de fígado de bacalhau" sem gosto e sem cheiro, como diz o anúncio? Claro, só podia ser homeopático! A água não tem gosto nem cheiro. Aquilo que é anunciado não é óleo de fígado de bacalhau, é água!
A lista de doenças infeto-contagiosas que as crianças do nosso tempo apanhavam era interminável. As mais comuns eram a gripe e a tosse convulsa ou coqueluche, mas havia muitas mais, como o sarampo, a varicela, a papeira, a escarlatina, a febre tifóide e por aí fora. Quase todas as crianças acabavam por apanhá-las mais tarde ou mais cedo, quase sempre no inverno. Não foi o meu caso, pois além da gripe e da coqueluche não apanhei nenhuma.
As doenças que mais angustiavam os nossos pais e as nossas mães, no entanto, eram a tuberculose e a poliomielite. A primeira podia matar-nos e a segunda tornar-nos-ia deficientes motores para o resto das nossas vidas, razão por que também era chamada paralisia infantil. Havia ainda a temível varíola (as chamadas bexigas loucas), que, se não viesse a matar, marcava a cara do antigo doente, desfigurando-a.
Os antibióticos e as vacinas afastaram de nós o espetro destas e de outras doenças. A nossa qualidade de vida, assim como a dos nossos filhos e netos, melhorou espetacularmente. Os idiotas que agora são contra as vacinas deviam ter vivido nos anos 40 e 50 do século passado, para saberem o que é que custava ser pai ou mãe num tempo em que não havia vacinas e as doenças causavam uma autêntica hecatombe. Cospem no próprio prato em que comem.
Fernando Ribeiro
Caro Valdemar
No teu caso seria mesmo sub-nutrição ou défice da hormona de crescimento.
Nas ultimas décadas a altura média da população portuguesa subiu em média 20cm, devido à alimentação e aos cuidados de saúde.
Os europeus mais altos, em média, são os holandeses.
Não sei se é por causa das vacas leiteiras.
AB
C.Martins
Dizez bem, C. Martins, aquilo devia ser, além de uma "panaceia" (remédio para todos os males), mais uma grande negociata nas mãos do lóbi da pesca do bacalhau, um dos pilares do regime do Estado Novo...
Não sei (mas gostava de saber) quem era o fabricante da mistela (que, no nosso tempo, não devia ser óleo refinado). Acho que era vendido nas farmácias (ou melhor, ainda "boticas", na minha terra havia duas, a Leal e a Quintans) mas se calhar também hacver na "drogaria": drogarias e boticas competiam na venda de alguns produtos "naturais"...
Folgo bem em ver-te por cá. Luís
Sobre os pregões "saloios" de antigamente... Veja-se aqui uma recolha
https://folclore.pt/pregoes-saloios-usos/
Vitor Manuel Adrião, Professor e Investigador | vitoradriao@portugalis.com
(...) Sobre os leiteiros, não resisto a transcrever o seguinte excerto:
Leite: Éééé, chêga lá vaquiii-nha, chêêga! – Anda lá, Rosita… Então estás a fazer-te esquerda?! (estas palavras, este pregão de 1903, eram dirigidas à vaca que o saloio trazia até à porta da freguesa. Leite mais fresco não havia… Este uso de vender leite levando as vacas ou as cabras às portas dos compradores, terminou em 1920, com proibição imposta por lei, apesar de não serem raras as transgressões à mesma). (...)
Na minha terra, e no início dos anos 50, claro que a vaca também já não andava de casa em casa, como em Lisboa, no início do século XX... O ti' Clemente Leiteiro tinha o estábulo por destrás do Castelo, a 500 metros da nossa rua, a Rua do Castelo...
Ainda a propósito de pregões e de vendedores ambulantes... Lembro-me bem do "pitrolino", uma figura popular nas nossas pequenas vilas... O Ti Tóinho (ou Tónio) Pitrolino. Merece uma descrição àparte (em oportuno poste, neste blogue), feita pelo seu filho, o meu saudoso amigo Horácio Mateus (1950-2013, grande animador e cofundador do GEAL - Museu da Lourinhá.
(...) Azeite, petróleo e vinagre: Azêêêti dôôci! (1903); Aa-zêite dôôce! (1903); Aazêite duuce! – Aazêêite dôôôce! Óh-pritróliine! – Azêite dôô-c´i bom vináágre! (1903); Óh petroliiii-ne… Azêite dôôce i vináágre! (1903).(...)
https://folclore.pt/pregoes-saloios-usos/
Hoje o óleo de fígado de bacalhau, que eu ainda vomito só de lembrar aquelas sextas feiras da toma, hoje foi substituído pelo FORTI MEL.
Um abraço e bom fim de semana… e bons fígados!
Joaquim Costa
Caro C. Martins
Então não teria sido outra coisa que de má nutrição.
Caldo de couves e batatas todos os dias, com uns sorelos ou sardinhas fritos em banha no Verão, cevada de manhã que o leite ninguém vendia, era a alimentação das pessoas ricas da Silva com manias das dietas.
Na escola fomos vacinados nos braços com o aparo da cópia, e aqueles que ficavam em ferida quase um mês tinham boa saúde com uma marca/passaporte para o resto da vida.
Cá em Lisboa, em 1957, aguentei-me com a gripe asiática recolhido em casa uma semana.
E, praticamente, nunca mais estive doente com a excepção do paludismo na Guiné.
Agora, desde 2010 fui apanhado a fumar e agarrado pela DPOC que não me larga com um calendário não mão.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Os produtos lácteos são uma "modernice": não chegavam à nossa mesa e nem havia frigorífico naquele tempo (por isso a malta não estranhava quando chegava à Guine)...
Manteiga, iogurte, queijo, leite... Nem em dia de festa. Depois é que a Caritas, nos anos 50, começou a distribuir leite em pó, queijo, arroz, farinha de trigo.. Vinha da América, através da Caritas Americana. O Salazar,orgulhoso, anti-americano, sempre recusou o plano Marshall...
A nós, putos da escola e da catequese, calhou-nos as sobras da grande mesa americana...
E que bem nos sabia aquelas sandochas com o queijo do Tio Sam...
Através da Caritas algumas famílias, ricas ou mais remediados, também receberam, na minha terra, putos refugiados da guerra,austriacos... Da Áustria católica e nazi.
Não sei se os putos, de outras terras, cujos pais não iam à missa, também beberam o leite em pó e comeram o queigo do Tio Sam...
Testemunhos precisam-se. Ah!, a Caritas também mandava roupas usadas para os pobrezinhos católicos, portugueses...
O fígado do bacalhau não deve ser muito grande, a avaliar pelo coração que é do tamanho de uma "bolinha"
, dizia-me o meu saudoso amigo, o arquiteto José António Paradela, natural de Ílhavo, e que lá também andou como o "moço" na faina maioria os 17 anos...
Dizia-me ele que o pessoal encarregue de cortar, preparar e salgar O bacalhau à bordo, recolhia e guardava os minúsculos corações para "petisco": era a única coisa do peixe que sabia a...carne. Nunca provei.
Gralha: queria dizer que também lá andou, na Faina Maior (a pesca do bacalhau), como moço, aos 17 anos...
Foi também uma "dura guerra", a pesca do bacalhau... Tenho muito respeito por quem lá andou...
Os homens que se voluntariassem para trabalhar na frota do bacalhau, ficavam assim isentos do serviço militar obrigatório, mas tinha de ser por 72 meses.
Valdemar Queiroz
Os produtos lácteos são uma "modernice"
Ah, ah, ah, ah! Ó Luís, agora fizeste-me rir. Eu sei o que pretendias dizer, mas a afirmação de que a manteiga, o iogurte, o queijo e o leite são "modernices" fez-me rir às gargalhadas. Que o iogurte seja uma modernice, aceito. Julgo que o primeiro iogurte que apareceu em Portugal foi o Iogurte Veneza, que se vendia em Lisboa nos anos cinquenta. Alguns anos depois, o Porto também passou a ter o seu primeiro iogurte, que foi o Longa Vida.
Cresci numa zona limítrofe do Porto chamada Areosa, rodeado de operários e de ciganos. Dos ciganos muito poderia eu dizer, pois havia um acampamento deles a duzentos metros da casa dos meus pais. Bastava-me chegar à janela para vê-los. Eles eram nómadas, arrepiantemente miseráveis e não faziam mal a ninguém. E ninguém fazia mal aos ciganos. Juro que é verdade: na Areosa do Porto, a população local convivia pacificamente com os ciganos. Talvez fosse por isso que havia muitos ciganos por lá. Não se sentiam rejeitados.
A vida na Areosa era pautada pelo som das sirenes das fábricas, e não pelo dos sinos das igrejas. Com efeito, as pessoas acordavam ao som das sirenes, que chamavam os operários para o trabalho, e não ao som do repicar das avé-marias, como nas aldeias. Havia várias fábricas espalhadas pela região e quase todas tinham a sua sirene. A maior fábrica de todas era a Fábrica de Fiação e Tecidos da Areosa, abreviadamente chamada Fábrica da Areosa, a qual se pode ver na fotografia seguinte, junto à Estrada da Circunvalação (que faz uma ampla curva, à esquerda na foto) e do lado da cidade do Porto. Do outro lado da estrada já eram terras da Maia. Só nesta fábrica trabalhavam mais de mil pessoas, quase todas mulheres. E muitas mais pessoas trabalhavam em muitas outras fábricas, grandes e pequenas, situadas nas proximidades.
https://lh6.ggpht.com/-2JxcH3RsZEU/UPkU4AjczeI/AAAAAAAAtOI/yddDbdFyMN8/s1600-h/Fab.-Tecidos-da-Areosa.1311.jpg
Antes mesmo de soar a primeira sirene, já as padeiras percorriam as ruas da Areosa, vendendo de porta em porta o pão acabado de cozer e ainda a fumegar. A seguir, vinham as leiteiras, que vendiam um quartilho de leite numa casa e dois quartilhos na casa a seguir. Por fim, apareciam os vendedores de jornais, que metiam na caixa do correio dos seus clientes um exemplar de O Comércio do Porto, do Jornal de Notícias ou de O Primeiro de Janeiro. Poderás dizer: em Lisboa era exatamente assim que acontecia! Só os jornais é que eram outros. Bom, em Lisboa praticamente não se ouviam sirenes, a não ser para os lados do Cabo Ruivo, mas o resto era igualzinho.
Tens razão, os produtos lácteos não podem ser dissociados da história humana... Têm milhares de anos... Eu queria referir-me à indústria de lacticínios e ao consumo em massa..., que é um frenõmeno mais recente. Claro que sempre se fe queijo artesanal, requeijão, etc.
Interessantíssimas as tuas recordações da vida operária na zona da Areosa... O Porto está a perder todas essas referências da arqueologia indistrial, parece-me a mim. Ab, Luis
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