segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25185: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte IV: a decisão, de 8fev74, de retirar o destacamento de Copá, defendido por 30 bravos da 1ª C/BCAV 8323/73 (Bajocunda, 1973/74)


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > BCAV 8323/73 (1973/74) > 14 de fevereiro de 1974 > O 4º Grupo de Combate da 1ª C/BCAV 8323/73, homenageado na parada pelo ten cor Jorge Matias, um dia depois da sua retirada do destacamento de Copá (vd. carta de Canquelifá).

Foto: © António Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um exemplo, constante do livro da CECA (2015), onde se dá conta das dificuldades das NT no nordeste da Guiné (CAOP 2), no 1º trimestre de 1974: a pressão do IN sobre Copá, já aqui bastas vezes referida (a par da grande bravura dos nossos camaradas da 1ª C/BCAV 8323/73, que lá aguentaram durante quase 3 meses a fio, de 25nov73 a 14fev74), levou à decisão do Com-Chefe de mandar retirar o destacamento, fazendo regressar as 3 dezenas de militares à sua subunidade de origem  (que estava em quadrícula, no subsetor de Bajocunda, sendo Pirada a sede do sctor 6). (**)
 
Base naval do Alfeite da Marinha , 
30 de abril de 1974

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



No tempo do gen Bethencourt Rodrigues, e segundo informação do próprio,  as NT estavam espalhadas por 225 guarnições (localidades), sendo:

  • 72 ocupadas exclusivamente por unidades e subunidades do Exército  e da Armada;
  • 82  por pessoal do Exército e Armadas e das milícias; 
  • e 71 só por subunidades de milícias. 

A preocupação então dominnte (mas que já vinha de trás, do tempo do Spínola) era reduzir o dispositivo para pouco mais de um terço. 

Nos Estudos Gerais da Arrábida (A descolonização portuguesa: Painel dedicado à Guiné, 29 de Julho de 1997), o general Bethencourt Rodrigues declarou taxataivamente, em resposta a uma pergunta sobre a sua intenção de concentrar o dispositibo militar: "Sim, planeava converter as 225 guarnições em 80 e tal. A dispersão é inimiga da eficácia. Mas já não tive tempo. " (***)

Pelo se que depreende da leitura destas duas decisões do Com-Chefe (de 2 e 8 de fevereiro de 1974), a manta já era curta demais para tapar todos os buracos: escasseavam recursos em homens e armas...

Em 1997, o general (no seu depoimento no livro "Africa: a vitória traída"...), não esconde "a gravidade da situação militar que se vivia na Guiné no 1º trimestre de 1974" (pág. 140), sem no entanto concluir que fosse desesperada... Em boa verdade,  a conclusão é "inconclusiva", remetendo para o leitor o ónus da resposta à falsa questão da guerra ganha/guerra perdida (do ponto de vista militar...
 
Decisões do Com-Chefe:

• Decisão de 2Fev74;

"1. As flagelações que o lN tem executado sobre Bajocunda, Canquelifá e especialmente sobre Copá, demonstram a sua intenção de exercer o esforço no NE do TO, possivelmente com o objectivo de, por abandono ou redução de uma guarnição, conseguir um êxito facilmente explorável pela sua propaganda e com consequências políticas.

2. As flagelações levadas a efeito em 2Fev74 conduzem à necessidade de aliviar a pressão do inimigo, permitindo a remodelação do dispositivo de Artilharia da zona afectada, o reabastecimento da guarnição de Copá e a manutenção das ligações terrestres com esta guarnição.

Nestas condições decido, em conformidade com o planeamento resultante da minha directiva n° 6:

a. Deslocar 2 CCaç Paraquedistas/BCP 12 para, sob o controlo operacional do CAOP 2, executarem esforço de patrulhamento ofensivo na faixa fronteiriça entre Bajocunda e Copá. Estas CCaç Paras marcham:

(1) A primeira, via aérea para Nova Lamego, no dia 3Fev.

(2) A segunda via marítima pelo Xime na noite de 3/4Fev.

b. Deslocar em meios aéreos em 4Fev via Nova Lamego, 2 GComb/ COE para, em coordenação com as Forças Paraquedistas actuarem como forças especiais.

c. Manter em Nova Lamego 2 helicópteros, 2 helicanhões e 2 "DO" para apoio das operações além dos resultantes meios disponíveis em alerta em Bissau.

d. Reforçar o dispositivo de Artilharia para colocação de 1 Pel Art (14 cm) em Bajocunda, permitindo por coordenação com os fogos do Pel Art (14 cm) de Canquelifá, um apoio eficiente à guarnição de Copá. [... ]"



• Decisão de 8Fev - Situação militar na região NE do TO

"1. Notícias que se vêm processando desde a época das chuvas p.p., levaram à conclusão que o lN poderia vir a exercer esforço nas zonas N e E do TO, sobre as guarnições de fronteira.

No início da presente época seca tais indícios foram-se avolumando, envolvendo, praticamente toda a zona fronteiriça com a Rep Senegal e a parte NE com Rep Guiné.

2. No princípio de Janeiro, o lN começou a concretizar no canto NE do TO (região Copá-Canquelifá) as intenções que lhe eram atribuídas, através de:

a. Fortíssimas e prolongadas flagelações sobre Copá e Canquelifá;

b. Acções eficazes de isolamento de Copá, negando às NT a utilização dos itinerários normais de reabastecimento (Bajocunda-Mansacunda-Maundé-Copá e Bajocunda-Amedalai-Dingas-
Copá) por implantação de minas conjugada com fortes emboscadas. [... ]

5. Assim, considerando que:

a. Copá só poderia manter-se:

- se fosse guarnecida com uma Companhia e um Pel Art;

- se o Batalhão de Pirada 
[BCAV 8323/73] fosse reforçado com uma Companhia de Intervenção, em especial destinada a manter abertos os itinerários de reabastecimento;

- se fosse possível garantir um adequado apoio aéreo permanente na zona.

b. A população abandonou Copá e as populações das povoações vizinhas foram raptadas pelo lN;

c. O Destacamento de Copá não tinha possibilidade de realizar acções de contrapenetração, mesmo de pequena amplitude, sendo sua missão principal conservar as populações na área;

d. Copá não tem aquartelamento (duas pequenas casas praticamente destruídas) nem obras de fortificação e organização de terreno que lhe permitam resistir a prolongadas flagelações;

e. É indispensável reduzir as vulnerabilidades criadas pela existência, sobre a fronteira, de guarnições com efectivo inferior a Companhia:

f. As guarmçoes deste tipo devem, progressivamente, serem substituídas por autodefesas e Pelotões de Milícias, alguns dos quais já estão em instrução;

g. Não se dispõe dos meios necessários aos reforços referidos em a., especialmente depois da zona já ter sido reforçada com uma Companhia da Reserva e Artilharia de 14 cm, para Canquelifá e Bajocunda, nem de meios aéreos e reservas que permitam fazer face ao adensamento da ameaça que se processa
sobre todas as guarnições ao longo da fronteira N;

Decido:

- Fazer recolher à sede da sua Companhia, em Bajocunda, o Destacamento de Copá.

-  Caso a área venha posteriormente a ser ocupada pelas populações, prever a instalação de unidades de milícias numa das povoações.

Para tanto:

- Deve o CAOP 2, reforçado com BCP12 (-1 Comp), montar uma operação para abrir o itinerário Bajocunda-Copá, recolher o Destacamento de Copá e recuperar os materiais nele existentes.

O CTIG e CZACVG darão o apoio necessário a esta operação mediante coordenação com o CAOP 2. [... ]"

Fonte: Excertos de: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operaciona. Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp.pp. 462/464.

[Revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG]
____________

Notas do editor:


(***) Vd, poste de 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13097: (Ex)citações (230): Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues (Excertos, com a devida vénia...)

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E se o general tivesse tido tempo ? Construía um muro à volta do chão fula e do chão manjaco ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O que seria a "nossa Guinezinha" (como dizia a Cilinha) com as suas 225 guarnições militares (Exército, Marinha, milícias e populações em autodefesa) reduzidas a pouco mais de um terço ? Eliminavam-se todos quartéis, destacamentos e tabancas "fronteiriças", num raio de 20/30 quilómetros ? Qual seria a "nova fronteira" ? O rio Corubal a sul, o rio Cacheu a norte, o rio Geba a leste, o oceano Atlântico a oeste ?...

antonio graça de abreu disse...

Oh, Luís, respeito as tuas opções políticas (tal como tenho pouco respeito, ou nenhum, pelos entendimentos do Mário Beja Santos quanto ao desenrolar da fase final da nossa guerra.)
Em 1974, 225 guarnições militares das Nossas Tropas espalhadas por todo o território da Guiné.
Íamos então ganhar a Guerra? Claro que não.
Eram os ventos da História e o entendimento sinuoso do mundo a soprar contra a teimosia salazarista ,que eu não defendo, mas entendo. Só isso...

Abraço,

António Graça de Abreu

Tabanca Grande Luís Graça disse...

António, obrigado pelo teu comentário. Estamos a elencar e analisar factos e não propriamente opções politicas.

Como não foi o meu comandante-chefe, o gen Bethencourt Rodrigues, eu já não estava lá, quero saber mais sobre esse período (a 23 a. hora) e sobre as decisões que ele tomou.

Até 5a feira em Algés. Um alfabravo.Luis


Antº Rosinha disse...

Devemos analisar a história, de uma maneira "histórica".

Só havia duas épocas e duas maneiras de lidar com o fim a dar às nossas colónias africanas, muitíssimo pouco colonizadas.

Uma época era logo em 1961, quando aconteceu o terrorismo da UPA no norte de Angola negociar a independência.

A maneira possível, como não havia ninguém a quem responsavelmente se podia entregar a independência, era pedir ajuda aos três que queriam ajudar-nos e ajudar África:ONU, USA e URSS.

Neste caso só sobrava Caboverde e talvez São Tomé.

A outra época foi o 25 de Abril de 1974, fez-se o que estava ao nosso alcance, pois com o nosso ADN dificilmente daria para fazer melhor.

Ou seja, abandonamos os povos (brancos, pretos e mestiços e até... libaneses) na mão de quem tinha as armas.

Se militarmente não havia solução ideal, talvez politicamente e para a história, tenha sido o fim normal de como estão a maioria dos paises africanos.

Mas não vamos pôr uma pedra no assunto!

Anónimo disse...

Caros amigos,

Se com 225 guarnições as coisas estavam difíceis do lado de cá (da Lusitânia), com as 80 previstas por Bethencourt, então como seria ?!...

Ainda bem que nós estávamos a poucos passos da fronteira Norte, era só esticar o pé.

Está medida seria tão desagradável e impopular junto da população que o Gen. Preferiu deixar para quem viesse depois, compreensível.

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Disse o Raul Castanha (hoje em comentário na página no Facebook da Tabanca Grande:

(...) "Não eram certamente meios pesados fixos que se combatia a guerrilha em permanente mobilidade do IN. O equipamento ligeiro da guerrilha era de longe superior ao de que dispunhamos. Basta ver a capacidade de imobilizar os Fiat de apoio às tropas por causa dos mísseis" (...)

E eu comentei:

Raul, o problema é que com a Op Amílcar Cabral, ou seja, a partir do 1º trimestre de 1973, o PAIGC muda de tática, opta pela guerra convencional, desfalaca muitas zonas doo interior e concentra nas zonas fronteiriças infantaria e artilharia pesada (peças de longo alcance 130 cm; mnorteiros 120; foguetes 122 mm, canhão s/r, camiões, etc,) , além do Strela, e começa a "martelar" alguns dos nossos pontos mais vulneráveis... Eles sabaim qu a FAP dificilmente poderia violar sistematicamente as fronteiras do Senegal e da Guiné-Conacri em bombardeamentos de retaliação....

O Fiat G91 era de alcance limitado (ia a Buruntuma e regressava à BA12, em Bissalanca, à rasquina) e, por outro lado, a conjuntura internaional (a começar pela OUA, ONU, bloco soviético, e mesmo aliados de Potugal, na NATO, etc.) não era nada favorável à repetição da Op Mar Verde...

Repara, no início de 1974, já não havia munições (ou havia poucas) para o obus 14, a encomenda à Africa do Sul estava atrasada...Isto já era a guerra do Raul Solnado...

Felizmente a nossa malta que lá estava não sabia destes "segredos de Estado"...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não creio, Rosinha, que o debate esteja encerrado, bem pelo contrário... Temos mais 50 anos (!) para discutir o que se deveria ter feito e não se fez, o quando, o como, o porquê, quem, etc.

Nós, não, que estamos a prazo, a chegar ao fim da picada... mas os nossos filhos, netos e bisnetos... (Mas será que a questão lhes interessa ? É uma questão bizantina, eles terão mais que fazer, e mais com que se preocupar.)

Se a ditadura tem caído em 1945 (e cairia, se nós tivemos entrada na guerra...), talvez a "descolonização" pudesse ter seguido outro caminho... Mas, nas democracias ocidentais com "colónias" (em África, mas também na Ásia), os processsos não foram pacíficos: Indonésia, por exemplo, com os os holandeses; na Indochina,e na Argélia, com os franceses, e por aí fora; os ingleses foram mais pragmáticos...).