sábado, 5 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26012: Os nossos seres, saberes e lazeres (648): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (173): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
É bem curioso viver num país com muitos séculos de emigração e que agora ergue o estandarte ideológico da imigração (como se pudéssemos sobreviver sem este influxo de imigrantes, há regiões do interior que se mantém operativas graças a quem de África, Brasil ou Oriente). Visitar este museu na Ribeira Grande ajuda a compreender a história da emigração graças a um espólio de grande valor. Está situado num edifício requalificado e num lugar certo, frente ao mar de onde chegaram os povoadores e partiram aqueles em busca de uma vida melhor. E a viagem prossegue, pretendo ir às caldeiras da Ribeira Grande, às termas, desta vez tomar banho em água a 30ºC como também já provei no Vale das Furnas.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (173):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 2


Mário Beja Santos

Deitar cedo e cedo erguer, o dia promete, direi pomposamente que tenho a agenda sobrecarregada, estou de monco caído, por uma questão de dias deste mês de junho com tantos festejos na Ribeira Grande vou perder as Cavalhadas de S. Pedro, será seguramente uma festa deslumbrante com aquele grupo de homens, todos vestidos de branco, com altos chapéus negros ornados de ouro e uma faixa vermelha em volta do tronco, montados a cavalo, a cidade transforma-se com uma feira quinhentista, é tempo de um saboroso caldo de peixe. Do que pude recolher do que aqui de bem se come, ontem jantei bom peixe, mas não desdigo de mordiscar pé de torresmo, ver se há arroz de cherne, tenho saudades dos chicharros com molho de vilão, ainda há pouco tomei o pequeno-almoço e estou a salivar com tantas hipóteses. Ponho-me ao caminho, a primeira etapa é o Museu da Emigração Açoriana, sito na Rua do Estrela, a beijar a praia, ouve-se o murmúrio das ondas. Mas não resisto ao correr da ribeira, terá sido ela a grande definidora dos povoadores que aqui chegaram no século XV, é vistosa e panorâmica neste ângulo de que a fotografo, com estes jardins tão bem delineados que oferecem refúgio a quem queira meditar e até as crianças a brincar.
Corre, corre ribeirinha, tens o oceano à tua espera, cá em cima tudo se ajardinou em tua honra.
Este Museu da Emigração Açoriana está localizado no antigo edifício do mercado do peixe, abriu as portas em setembro de 2005, aqui se exibe a história dos emigrantes açorianos que partiram em busca de melhores condições de vida no Brasil, Uruguai, Bermuda, Estados Unidos da América, Canadá e até Austrália. O acervo é maioritariamente constituído por objetos oferecidos pelo primeiro Presidente do Governo Regional dos Açores, Mota Amaral. Há também uma coleção de malas e baús de viagem, um variado espólio de objetos etnográficos, um importante acervo fotográficos e de vídeos com testemunhos de emigrantes. Começo a visita por um repositório de memórias que andam perto daquela ilha de S. Miguel que eu conheci em 1968, os meninos de pé descalço lá pelos Arrifes, e sobretudo nas marchas parecia que os meus soldados nas muitas casas decrépitas, as carroças. Os museólogos não esqueceram a guerra, os açorianos combateram nos três teatros da guerra colonial, a imagem de militar a beijar o seu familiar é tocante, escusam de me perguntar se são açorianos os da fotografia. Como tenho tido o privilégio de ao longo destas décadas vir com alguma frequência a esta ilha, posso atestar como se passou de uma grande maioria da população a viver em condições deprimentes para uma sociedade que usufrui do bem-estar, conhece o Estado social, aqui existe a solidariedade europeia, nacional e regional, é notório este desenvolvimento trazido pela democracia.
S. Miguel dispunha, quando ali vivi entre 1967 e 1968, do chamado Aerovacas, vinha um avião a hélice de Sta. Maria e aterrava numa planície relvada na costa norte, não muito longe de onde eu estou. O aeroporto de Sta. Maria foi construído durante a Segunda Guerra Mundial pelos norte-americanos, no Pós-Guerra foi aeroporto comercial, por aqui passaram transportadoras aéreas influentes, tudo se alterou com os novos aeroportos, a começar pelo de Ponta Delgada.
Um conjunto tocante de malas oferecido por emigrantes, terão andado pelo menos em aviões e barcos, não sabemos por quantos continentes
Quando se requalificou o velho mercado do peixe para o tornar Museu da Emigração Açoriana (inaugurado em 2005) conservou-se este espaço de lavagem.
Quando arribei a S. Miguel, e quis saber se havia vestígios da indústria baleeira levaram-me às Capelas, lembro-me de um guindaste que disseram ser utilizado para pôr o cachalote em terra. Açorianos e cabo-verdianos gozaram de grande fama na indústria baleeira norte-americana.
Na aparência, é um instrumento de trabalho de um amola-tesouras, mas na verdade há para ali muita polivalência, por exemplo, pôr gatos nas peças de faiança e até de barro (ao tempo objetos não baratos), consertos de chapéu de chuva e o muito mais que aquela caixinha metia em artifícios dos sete ofícios, nunca me tinha sido dado ver ferramenta tão multidimensional…
Quem iria imaginar que cinco presidentes do Uruguai tiveram antecedentes açorianos?
Outros pontos da presença açoriana nas Américas
O detetive Aurélio Ferreira terá sido uma notabilidade pública, aqui o vemos acompanhado pelo menos por Chuck Norris, Mário Soares e Edward Kennedy.
A Ponte dos Oito Arcos na Ribeira Grande, um dos mais importantes empreendimentos viários açorianos do século XIX

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 28 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25990: Os nossos seres, saberes e lazeres (647): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (172): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Julgo já ter escrito noutro poste, sobre aparecer muitos apelidos Enes nas listas telefónicas de uma região dos EUA.
A razão de isso acontecer, deve-se ao facto de quando dos primeiros surtos emigratórios de açorianos para os EUA serem de analfabetos, com sotaque muito vincado e sem documentos de identificação. Depois no posto alfandegário davam o nome de Inácio que dito com sotaque saía "Eness" e ficavam registados como John ou Jacky Enes
que dito em inglês saía "Eness".
Valdemar Queiroz