Joaquim Costa (na foto à esquerda, quando miúdo):
(i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74);
(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue;
(iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar:
(iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo;
(v) tem página no Facebook; e, por fim, e não menos importante,
(vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel;
(vii) e vai lançar o seu livro "Crónicas de paz e guerra", no próximo dia 9 do corrente, sábado, às 15:00 na Biblioteca Municipal de Gondomar (*)
Sete anos feitos, lá vai ele conhecer a D. Natália (a fera!), carregando a sacola de serapilheira devidamente equipada: livro da primeira classe, lousa, “riscotes”, uma tabuada e uma pequena almofada de trapo velho para limpar a lousa depois de lhe cuspir.
Tal como na cateques, as raparigas que faziam o percurso para a escola com ele, aqui desapareciam e só as voltava a ver no regresso a casa.
Aos onze anos, da sua sala, apenas ele foi para explicações para casa de uma outra professora para fazer o exame de admissão à escola técnica.
Foi na casa desta simpática professora que viu, pela primeira vez, a beleza de um pavão abrindo as suas penas coloridas em leque.
Foi também aqui que viu em direto, na televisão, a colocação da última parte do arco da Ponte da Arrábida. Meio país dizia que a “coisa” ia acabar no rio. Foi um dia em que o povo se encheu de orgulho dos seus engenheiros.
No final, foi convidado a fazer uma redação sobre o acontecimento já que a professora tinha uma convicção muito forte que ia ser o tema do exame.
Mais convicto que a professora, acabou por memorizar a sua redação que esta classificou de Muito Bom.
A professora estava toda entusiasmada. Não tinha dúvidas que, depois dos dois meses de explicações, o rapaz se ia safar.
Chegado o dia, logo pela manhãzinha, ainda o galo não tinha cantado, já sua mãe lhe vestia o fato que o pai tinha mandado fazer, por medida, ao alfaiate da terra. Tudo novo: fato, camisa, gravata e sapatos. Até o cão fadista estava espantado.
Chegou à vila com tonturas e enjoado, acabando mesmo por vomitar sujando o impecável fato, pois foi a primeira vez que andou de camioneta. Da vila só conhecia a feira, percurso que sempre fez a pé com a sua mãe.
Lá o levaram até ao ginásio da Escola, com dezenas de alunos sentados, e com ar de assustados, cada um na sua mesa devidamente equipada com uma pena e um tinteiro.
Uma velha professora e mal-encarada coloca na sua frente uma folha de papel, indicando o sítio onde devia colocar o seu nome e número do bilhete de identidade.
Já com o suor a cair-lhe na folha de papel e com as mãos a tremerem, lá tentou entender-se com a pena e o tinteiro para cumprir a tarefa que lhe foi imposta.
Vai com a pena ao tinteiro e começa a tarefa. Por muito que carregasse na pena a tinta não corria.
Começou a ficar atrapalhado já que se tinha apercebido que todos tinha acabado a tarefa e ele ainda não tinha começado.
Nova ida ao tinteiro e nada. Começa a abanar a pena para ver se a tinta corria. Correu tipo ketchup, acabando por borratar toda a folha. Logo tentou limpar pelo que, obviamente, a inutilizou .
A prova, depois de todos estes percalços, não podia ter corrido pior.
No final, já aliviado de toda aquela odisseia, lá contou à professora o desastre que foi a sua prova. Ele estava aliviado e feliz por tudo ter acabado, mas a sua professora estava muito triste, tendo-lhe mesmo corrido uma lágrima pelo seu lindo rosto.
A professora não se resignou e convenceu o seu pai que acompanhasse um outro aluno das explicações, com familiares em Braga, a fazer o exame de admissão aos liceus. Ele e o pai acederam mais por respeito à professora, já que estava fora de hipótese, com onze anos, ir estudar para Braga. Na altura só havia Liceus nas capitais de distrito.
Lá foi ele numa de passeio, com uma roupinha lavada e mais confortável, numa “carrimpana” do pai do seu amigo até Braga, vencendo as voltas de macada onde toda a gente vomitava.
Também disponível, a história na íntegra, na página do Facebool > Joaquim Costa > 13 de março de 2024, 11:46 > O sistema de ensino antes do 25 de abril de 1974: caso prático
5 comentários:
Grande Costa, o exame de admissão não era pra todos.
Eu fiz um exame brilhante da 4ª. classe, em Viana.
Foram uns 20 alunos com a nossa carinhosa professora de comboio, eu com botas apertadas e cabelo cortado.
No fim do exame, perguntaram à minha professora se eu seguia fazer o exame de admissão, ela respondeu "não, ele já tem viagem marcada pra Lisboa".
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Oh!, Jaquim, se tivesses nascido uns anos depois, já não tinhas apanhado o malfadado "exame de admissão" (ao ensino técnico ou ao liceu), extinto (como o Salazar, politicamente falando) em 1967, e sobretudo tinhas-te livrado de ir parar, com os quatro costados, ao Tomba...li!... Mas, na realiadade foi o que nos calhou em sorte.
Correio do Minho > Ideias > 2016-01-15 às 06h00 > Margarida Proença > Sobre os exames: memórias e debates
(...) Quando comecei as minhas lides académicas, a década de 50 ainda por cá andava; o analfabetismo ia diminuindo lentamente, dos 42% em 1950, para os 33% em 1960. Já não me lembro se quando entrei na escola primária, o exame final era ainda na 3.ª classe, altura em que a larga maioria deixava a escola. No meu caso, já o fiz na 4.ª classe. O exame final era um momento solene - todos de bata branca, numa outra escola, central. O exame, com provas escrita e oral, refletia o entendimento das competências ao tempo - uma prova de português, outra de aritmética, outra de história e geografia, e finalmente, para as meninas, a demonstração de um saber traduzido num pregar de um botão, ou na cerzidura de um remendo. Para os rapazes certamente haveria algo adequado também. Contas de dividir complicadas, a requerem provas dos nove, a enumeração dos reis de Portugal e dos seus cognomes, a listagem dos rios, montanhas e apeadeiros das linhas de comboios, no fim traduzia-se num diploma que atestava para muitos, a maioria, o fim do percurso educativo, e sinalizava que podiam tentar a sua sorte na cidade. (...)
Para mim, a memória desse exame radica apenas num almoço comemorativo, e na oferta do primeiro relógio. Não havia aliás qualquer exigência em termos educativos, qualquer cuidado colocado na preparação prévia para o exame da 4.ª classe. Pelo contrário - ao tempo, essa exigência era colocada na preparação para um outro exame, o de admissão ao liceu (ou ao ensino técnico). De tal forma era assim, que das cinco escolas primárias que existiam por lá onde vivia, foi criada logo no início do ano, uma única turma à parte, separada, com um professor considerado mais exigente, e que incluía todos os meninos e meninas que iriam ter de se apresentar ao tal exame de admissão. E note-se que, ao tempo, não havia cá misturas, era meninos para um lado, meninas para o outro! (...)
Na verdade, o exame de admissão ao liceu, frequentado predominantemente por alunos oriundos de níveis de rendimento mais elevado, justificava ao tempo uma exigência na sua preparação muito superior ao da 4.ª classe, lido como uma verdadeira avaliação externa; lembro, por exemplo, que o tal professor me acompanhou sempre, e que me deu instruções, e mesmo ensinamentos adicionais tanto antes da prova escrita, quanto da prova oral, feitas no liceu. Só em 1967 vieram a ser extintos os exames de admissão aos liceus e às escolas técnicas, o que permitiu de facto a expansão de todo o ensino pós-primário, que passou de 21.966 alunos no ensino liceal, a que se somavam 31.159 alunos no ensino técnico, em 1950, para mais de 404 mil alunos em 1970. (..:)
Já não me lembro, por muitas voltas que dê à tola, em que liceu fiz, em Lisboa, o exame de admissão, em 1958. Foram duas provas, escrita e oral, em momentos diferentes...Terá sido no Liceu D. João de Castro, cuja área de influência pedagógica incluia a zona saloia, parte do oeste estremenho, a norte de Lisboa, até Mafra. Eu vinha da Lourinhã, último concelho do distrito de Lisboa, 3 horas de camioneta ronceira até Lisboa (a do João Henriques parava na Rua da Palma...).
Fiquei na casa de umas tias-avós, uma vivenda, do meu companheiro Afonso Carvalho, ali em Telheiras, ainda existia o estádio do Benfica, no Campo Grande, com bancadas em madeira. E Telheiras e o Lumiar eram tudo quintas!...
Foi a segunda vez que vim a Lisboa... E adorei andar de elétrico. E a terceira foi para fazer a prova oral, talvez uma semana ou duas depois. Como o Afonso chumbou, vim desta vez para Campo de Ourique, Rua Francisco Metrass (nunca esqueci o nome da rua!), para casa da avó de um outro condiscípulo, o Lino Reis. O liceu ali mais perto era o Pedro Nunes. Havia ainda o Passos Manuel, o Gil Vicente e o Camões... Mas deve ter sido, por exclusão de partes, o D. João de Castro. Sei, isso, sim, que na prova oral tive que papaguear os nomes de todos os reis de Portugal, das quatro dinastias, e os respetivos cognomes... Hoje chumbava... Luís
Não tenho a ideia de que o exame de admissão, no meu caso à escola técnica, fosse um terror. Lembro-me do nosso espanto perante a "grandeza" da escola secundária que estava a um passo, bastava não chumbarmos no exame. Admira-me de no tempo do Joaquim Costa ainda se molhar o pincel, quero dizer, a pena no tinteiro. Lembro-me de já nas provas da terceira classe, feitas na sala do director da escola, o saudoso professor Pimenta, eu usar uma caneta de tinta permanente que o meu pai me "emprestou" para o efeito.
No exame da 4.ª classe, feito na escola da FNAT, em Matosinhos, para onde nos deslocamos, professor incluído, numa alegre excursão pedonal, ter usado os mais sofisticados meios didácticos ao dispor na altura. Nada de penas de molhar no tinteiro, ardósias, etc. Cada um levava a roupinha mais nova que tivesse, mas fatos seriam poucos por não serem obrigatórios.
Finda a 4.ª classe, a esmagadora maioria dos meninos (e meninas) eram absorvidos pelos mais variados empregos que iam do comércio à indústria, passando pela lavoura, pesca e serviços.
Os pais que tinham mais posses ou estavam dispostos a fazer alguns sacríficios na esperança de um futuro mais promissor para os seus meninos (e meninas), pagavam um extra ao professor da 4.ª classe, que fora do horário escolar dava umas aulas suplementares para preparação ao exame de admissão à escola técnica e/ou ao liceu.
No concelho de Matosinhos tínhamos à escolha, a Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, a Escola do Infante, no Porto e o Liceu D. Manuel II, também no Porto.
Eu fiz só a admissão à escola técnica porque ir para o Porto implicava transportes e almoçar fora, coisas um bocado dispendiosas para o parco orçamento familiar.
Carlo Vinhal
Leça da Palmeira
O exame de admissão (ao liceu e ao ensino técnico) terá sido extinto em 1967...Mas quem se lembra de ter passado por este "funil" socioeducativo ? Ficar analfabeto, ou só com a 3ª classe (as mulheres) ou só com a 4ª classe do ensino primário (os homens), foram "acontecimentos de vida" que marcaram para sempre os portugueses da geração dos nossos pais e a nossa própria geração...
O exame de admissão ao liceu fazia-se apenas nas capitais de distrito... no nosso tempo de "meninos e moços"... Quantos de nós tiveram esse "privilégio" (já que não era um direito social) ?!...
O "terror", Carlos, não era tanto a(s) prova(s) em si, para as quais nos tínhamos preparado, com bons professores (os melhores da terra, e que levavam um xis por mês...) como sobretudo sair da nossa "zona de conforto", a pequena santa terrinha, parola, da província e ir à capital (no meu caso...), onde não tinhas ninguém conhecido de família... (Tive sorte, fiquei em casa de pessoas amigas, com ligações familiares à terra.)
Muita malta chumbava, o exame de admissão ao liceu, que era exigente (para a época), acabava por ser seletivo. Depois os "tecnocratas" do regime, "com sensibilidade social e formação cristã", perceberam que o país, erm plena fase de industrialização e modernização, e com uma guerra a milhares de quilómetros de distância de casa, tinha de encetar um processo de "democratização escolar"... à revelia de (ou contrariando) os receios do "botas de elástico" de Santa Comba Dão...
Enviar um comentário